domingo, 30 de junho de 2013

Papa Francisco - Maria

       Porque Deus tinha uma carência para poder penetrar humanamente na nossa história: precisava de uma mãe, e a pediu a nós. Esta é a Mãe a quem olhamos hoje, a filha do nosso povo, a servidora, a pura, a só de Deus; a discreta que dá espaço para que o filho realize sua missão, a que sempre está possibilitando esta realidade, mas não como dona nem inclusive como protagonista, e sim como servidora; a estrela que sabe apagar para que o Sol se manifeste. Assim é a mediação de Maria à qual nos referimos hoje. Mediação de mulher que não nega sua maternidade, mas a assume desde o começo; maternidade com parto duplo, um em Belém e outro no Calvário; maternidade que contém e acompanha os amigos do seu Filho, que é a única referência até o final dos dias. E assim Maria continua entre nós, "situada no próprio centro dessa 'inimizade' do protoevangelho, daquela luta que acompanha a história da humanidade" (cf. Redemptoris Mater, 11). Mãe que possibilita espaços para que a Graça chegue. Essa Graça que revoluciona e transforma nossa existência e nossa identidade: o Espírito Santo que nos torna filhos adotivos, nos liberta de toda escravidão e, em uma possessão real e mística, nos entrega o dom da liberdade e clama, de dentro de nós, a invocação do nosso pertencimento: Pai!
em 7 de novembro de 2011.

Papa Francisco - rasgai os vossos corações...

       «Rasgai os vossos corações e não as vossas vestes, convertei-vos ao Senhor, vosso Deus, porque Ele é clemente e compassivo, paciente e rico em misericórdia» (Joel 2, 13)
       Pouco a pouco acostumámo-nos a ouvir e ver, através dos meios de comunicação, a crónica negra da sociedade contemporânea, apresentada quase com perverso regozijo, e também nos acostumámos a tocá-la e a senti-la em torno de nós e na nossa própria carne. O drama está na rua, no bairro, na nossa casa e, por que não, no nosso coração. Convivemos com a violência que mata, que destrói famílias, aviva guerras e conflitos em muitos países do mundo. Convivemos com a inveja, o ódio, a calúnia, o mundanismo no nosso coração. O sofrimento de inocentes e pacíficos não deixa de nos esbofetear; o desprezo pelos direitos das pessoas e dos povos frágeis não nos são tão distantes; o império do dinheiro com os seus efeitos demoníacos como a droga, a corrupção, o tráfico humano incluindo crianças – a par da miséria material e moral são moeda corrente. A destruição do trabalho digno, a emigrações dolorosas e a falta de futuro unem-se também a esta sinfonia. Os nossos erros e pecados como Igreja também não ficam fora deste panorama. Os egoísmos mais pessoais justificados, e não por causa disso menores, a falta de valores éticos dentro de uma sociedade que faz metástases nas famílias, na convivência dos bairros, vilas e cidades, falam-nos da nossa limitação, da nossa debilidade, e da nossa incapacidade de transformar esta lista inumerável de realidades destrutivas.

in Jorge Maria Bergoglio/Papa FRANCISCO, Só o amor nos salvará.

Papa Francisco - mediadores da caridade

       "Às vezes, confundimos o significado de «mediador» com o de «intermediário»; mas não são a mesma coisa. O mediador é aquele que, para unir as partes, paga do seus ordenado, paga com o que tem, consome-se a si próprio. O intermediário é um retalhista que faz descontos a ambas as partes para ter o seu merecido lucro. O amor coloca-nos no papel de mediadores e não de intermediários. O mediador sai sempre a perder, porque a lógica da caridade é chegar a perder tudo para que a unidade vença, para que o amor vença. Mas mais: a lei do cristão é a mesma do mediador. Para um cristão, progredir não é subir no emprego, ter uma boa reputação, ser considerado; para um cristão, progredir é «baixar-se» nesta tarefa de mediador.

in Jorge Maria Bergoglio/Papa FRANCISCO, Só o amor nos salvará.

Papa Francisco - o nosso Deus é próximo da nossa carne

       "O nosso Deus é um Deus próximo... É o Deus próximo, próximo da nossa carne. O Deus do encontro que sai ao encontro do seu povo. O Deus que põe o seu povo em situação de encontro... Jesus ensina-nos outro caminho: sair. Sair a dar testemunho, sair a saber do irmão, sair a partilhar, sair a perguntar. Encarnar-se.

in Jorge Maria Bergoglio/Papa FRANCISCO, Só o amor nos salvará.

Papa Francisco - Deus já vive na nossa cidade

       Deus já vive na nossa cidade e urge - enquanto refletimos - sair ao seu encontro, para O descobrir, para construir relações de proximidade, para O acompanhar no seu crescimento e encarnar o fermento da sua Palavra em obras concretas. O olhar de fé cresce sempre que pomos a Palavra em prática. A contemplação melhora no meio da ação. Agir como bons cidadãos - em qualquer cidade - melhora a fé...
        Poder-se-á dizer que o olhar de fé nos leva a sair todos os dias e cada vez mais ao encontro do próximo que habita a cidade. Leva-nos a sair ao encontro porque este olhar se alimenta na proximidade. Não tolera a distância, porque sente que ela esbate os contornos do que deseja ver; e a fé quer ver para servir e amar, não para constatar e dominar. Ao sair para a rua, a fé limita a avidez do olhar dominador e cada próximo concreto para que olha com desejos de servir ajuda-a a focar melhor o seu «objeto próprio e amado», que é Jesus Cristo feito homem. Quem diz que crê em Deus e «não vê» o seu irmão engana-se.

       ... a maior exclusão consiste em nem sequer «ver» o excluído - aquele que dorme na rua não é visto como pessoa, mas como parte do lixo e dos restos abandonados da paisagem urbana, da cultura descartável, do «camião do lixo» - a cidade humana cresce com o olhar que «vê» o outro como concidadão.
       O nosso Deus vive na cidade e Se mistura na sua vida quotidiana, não discrimina nem relativiza. A sua verdade é a do encontro que descobre rostos e casa rosto é único. Incluir pessoas com rosto e nome próprios não implica relativizar valores nem justificar antivalores... o olhar de amor não discrimina nem relativiza, porque é misericordioso e a misericórdia cria maior proximidade....

       Para concluir, podemos dizer que o olhar do crente sobre a cidade se resolve em três atitudes concretas:
  • Sair de si ao encontro do outro resolve-se em proximidade, em atitudes de proximidade. O nosso olhar tem de ser sempre um olhar que sai e que é próximo. Não autorreferencial, mas transcendente;
  • O fermento e a semente da fé resolvem-se no testemunho. Dimensão martirial da fé;
  • O acompanhamento resolve-se na paciência, na hypomonê, que acompanha processos sem maltratar os limites...
in Jorge Maria Bergoglio/Papa FRANCISCO, Só o amor nos salvará.

sábado, 29 de junho de 2013

XIII Domingo do Tempo Comum - ano C - 30 de junho

       1 – O “Senhor, porção da minha herança e do meu cálice”, é o meu chão sagrado, a minha casa, meu conforto e meu descanso. No Senhor está o meu destino, Ele é meu norte, meu porto de abrigo. Só Ele é Deus e só Ele merece por inteiro a minha vida, Ele preenche o meu coração e a minha sede, a minha busca de sentido. Só n'Ele deposito toda a confiança, pois só o Senhor garante o meu ontem – a memória do que fui e sou e do povo a que pertenço –, o meu hoje e o meu amanhã. Só n'Ele se preserva a nossa identidade, atraindo-nos até à eternidade.
       “O Senhor está sempre na minha presença, com Ele a meu lado não vacilarei”. Ele guia o meu peregrinar. Ele me guarda em todos os meus passos. Não vacilarei. Ainda que tremam as minhas pernas, Ele me dará a mão para que não tropece, para que não caia no abismo.
       Com o salmo respondemos à palavra de Deus, na condição de crentes e de membros do Seu povo caminhante. Rezamos a nossa vocação e a nossa entrega. Só Deus nos guia do início até ao fim. Ele é o Alfa e o Ómega, o Princípio e o Fim da minha, da tua, da nossa existência. Ele chama-nos desde sempre. Criou-nos por amor e desafia-nos a vivermos na harmonia de filhos, de irmãos. Por isso nos dará Jesus, o Seu filho bem-amado, para que n'Ele encontremos a Luz e a verdade.
       Nas Suas mãos, o meu destino. É nesta confiança que a tribo de Levi se entrega de corpo e alma ao cuidado do templo, à oração, ao culto. Entrados na terra prometida, 11 das 12 tribos recebem o seu quinhão de terra, para cultivar, para ganhar o pão de cada dia, para plantar, para criar animais. A tribo de Levi não recebe terra, a sua terra é o Templo e as oferendas que aí chegarem. Deus e só Deus é a Sua herança, o seu alimento, o seu chão, o seu presente e o seu amanhã.
       2 – “Senhor, porção da minha herança e do meu cálice”, força e sustento na minha vida. O Senhor me chama e me envia. Para Ele não há recantos obscuros. Não precisamos de reservas mentais, ou de viver no condicional. Ele me guarda de dia e de noite, enquanto caminho e quando descanso. Ele está sempre comigo. “Por isso o meu coração se alegra e a minha alma exulta e até o meu corpo descansa tranquilo”. Ele conhece as profundezas da minha alma. Quer-me por inteiro, também os meus medos, as minhas insuficiências e os meus pecados.
       “Até de noite me inspira interiormente”. Posso caminhar seguro. As seguranças materiais são relativas bem como as seguranças familiares, afetivas, na medida que são a prazo, por mais duradouras que sejam. “Vós não abandonareis a minha alma na mansão dos mortos, nem deixareis o vosso fiel sofrer a corrupção”. Os bens materiais por vezes são mais uma fonte de angústia do que de bênção. Precisamos deles, mas deverão ser uma ajuda à nossa felicidade e para nos aproximarmos uns dos outros. Num sentido semelhante, nenhuma pessoa pode substituir Deus na nossa vida, por mais perfeita que seja, em qualquer altura poderá manifestar a sua humanidade, a sua fragilidade. Entre nós, alguém morrerá primeiro e os outros seguirão… depois! Não vivemos em simultâneo!
       A certeza desta falibilidade não deve gerar angústia ou desânimo. O Senhor é a minha herança. Ele assegura a minha história, dar-lhe-á continuidade. Ele me dá a conhecer os caminhos da vida, para que não me perca. Há luz se sigo o Seu olhar. Não estou só, mesmo que todos os meus amigos me abandonem. Ele está comigo, a meu lado, não vacilarei.

       3 – “Senhor, porção da minha herança e do meu cálice”. É a terra que me coube como promessa e como herança, não sairei defraudado. Ele me chama à Sua presença, para que não vacile o meu olhar. Deixarei tudo o que me impede de caminhar, o que me pesa, o que me estorva na proximidade com Ele e no compromisso com os outros. Ele me chama do meio do Seu povo, para de novo me enviar ao Seu povo a fim de testemunhar o Seu amor.
       É a vocação de cada um, de cada crente, dos membros do povo de Deus, ainda que haja vocações específicas de serviço à comunidade. Patriarcas, Profetas e Reis, Juízes e sacerdotes. Na primeira leitura Deus abraça Eliseu (Deus é salvação), através de Elias (o Senhor é Deus), para que possa dar continuidade à profecia. Não importa tanto o ponto de partida, mas a resposta firme. Eliseu não é profeta nem descendente de profetas. É proprietário, trabalha nos campos da sua família.
“Elias passou junto dele e lançou sobre ele a sua capa. Então Eliseu abandonou os bois, correu atrás de Elias e disse-lhe: «Deixa-me ir abraçar meu pai e minha mãe; depois irei contigo». Elias respondeu: «Vai e volta, porque eu já fiz o que devia». Eliseu afastou-se, tomou uma junta de bois e matou-a; com a madeira do arado assou a carne, que deu a comer à sua gente. Depois levantou-se e seguiu Elias, ficando ao seu serviço”.
       A vocação e o seguimento geram alegria e festa. Quem se sente próximo de Deus não quererá esconder para si tamanha alegria. Eliseu por um momento volta para agradecer aos pais, à família, à sua gente. A delicadeza para com a sua gente também faz parte da vocação.

       4 – “Senhor, porção da minha herança e do meu cálice, está nas vossas mãos o meu destino”. És Tu Senhor a minha luz, o meu porto seguro. Quero seguir-Te em todos os momentos da minha vida. Em todas as tardes e manhãs, de dia e de noite. Tu és o meu Deus. Se me dás a mão não temerei nenhum mal. Nem as forças mais maléficas poderão alguma coisa quando Tu estás comigo.
       Tu me chamas. Desde sempre. Para estar Contigo e para ser por Ti enviado. Não quero ser discípulo a prazo, com a validade limitada, mas discípulo de corpo e alma, a toda a hora.
       Seguir Jesus implica-nos totalmente, não é para quando convém. A vocação e, consequentemente, o seguimento exigem despojamento, entrega, confiança em Deus, desprendimento do que se deixa. De novo para cada um dos batizados, ainda que mais específico para as vocações sacerdotais e religiosas.
       Também a nós nos diz Jesus: «Quem tiver lançado as mãos ao arado e olhar para trás não serve para o reino de Deus». Para seguir Jesus não podemos ficar toda a vida a olhar para trás, a fazer cálculos, agarrados ao passado, tentando equilibrar o seguimento com as nossas seguranças materiais e/ou afetivas, Ele é a nossa herança, a nossa força, a garantia de eternidade.
       O próprio Jesus experimenta a dureza do caminho. Nem sempre é fácil. Há entraves e desilusões, avanços e contratempos. Ele toma-nos a dianteira. “Aproximando-se os dias de Jesus ser levado deste mundo, Ele tomou a decisão de Se dirigir a Jerusalém”. O Mestre entrevê o Seu fim, mas não Se deixa intimidar. Apresenta-Se como testemunha. A Sua entrega é uma opção, uma escolha. Não sacrifica ninguém. É uma proposta. Alguns não O querem receber, mas nem por isso Ele lhes quer mal. Veja-se como Tiago e João queriam destruir aqueles que não querem o que Jesus quer, o que Deus quer. Não. Há que dar tempo. Haverá sempre tempo, enquanto vivemos, para o arrependimento, para a conversão de vida, para o seguimento de Jesus. O Espírito sopra onde quer!
       Deixai por ora os outros. E vós, quem dizeis que Eu sou? Vinde. Sem medo. Não fiqueis a lamentar-vos com os que ficam para trás, com os que não avançam e nem querem que os outros avancem. É HORA de seguir Jesus. “Candeia que vai à frente alumia duas vezes”. Seguimos atrás d’Ele, seguindo os seus passos, podendo, dessa forma, comunicar a Sua luz, para os que ficam…

       5 – “Senhor, porção da minha herança e do meu cálice”. Se Deus é o meu chão sagrado, a minha casa, o meu forte, então como não experimentar a alegria e a paz?! Como não espalhar o Evangelho por toda a parte e a todos levar a bondade de Deus? Se Ele me sustenta, em todas as vielas e avenidas, não há que temer. Ele precede-nos, vai adiante. O meu tesouro é Ele. N’Ele está o meu coração. E no meu bate forte o Seu coração, o Seu amor.
       Permaneçamos firmes na fé. Na visão paulina, permaneçamos em Cristo para que Ele viva em nós e através de nós. Ele libertou-nos do pecado e da escuridão. É urgente viver como ressuscitados, como filhos da luz, orientando a nossa ação pelo Espírito em que fomos batizados. Que a liberdade, em Cristo, nos conduza à caridade, “pela caridade, colocai-vos ao serviço uns dos outros, porque toda a Lei se resume nesta palavra: «Amarás o teu próximo como a ti mesmo». Se vós, porém, vos mordeis e devorais mutuamente, tende cuidado, que acabareis por destruir-vos uns aos outros. Por isso vos digo: Deixai-vos conduzir pelo Espírito…”
       A vocação do cristão é, antes de mais, à santidade, a sermos perfeitos como o Pai celeste é perfeito, a ultrapassarmos a nossas limitações, a levantar-nos das nossas quedas, a darmos as mãos, a procurarmos a harmonia, a vivermos como irmãos, a fazermos família, a perdoarmos as ofensas e os desvios, a acolhermos a misericórdia de Deus, a deixarmo-nos guiar por Ele, pelo Seu Espírito.
       Ele é “a porção da minha herança e do meu cálice”, nas Suas mãos está o meu destino, Ele me conduz aos prados verdejantes, é o meu alimento, a terra que trabalho com esmero e carinho e que me devolve o pão de cada dia.


Textos para a Eucaristia: 1 Reis 19,16b.19-21; Sl 15 (16); Gal 5,1.13-18; Lc 9,51-62

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Papa Francisco - sobre o idoso

Bergoglio:
       "São muitos os que abandonam quem lhes deu de comer, quem os educou, quem lhes limpou o traseiro. Dói-me, faz-me chorar por dentro. E nem vale a pena falar daquilo a que chamo eutanásia encoberta: o tratamento indevido dados aos idosos nos hospitais e nas instituições de assistência social, a quem não dão os medicamentos e a atenção de que necessitam. O idoso é o transmissor da história, que nos traz lembranças, a memória do povo, da nossa pátria, da família, de uma cultura, de uma religião...
       Com setenta e quatro anos estou prestes a começar a velhice. Não resisto. Estou a preparar-me e queria ser como o vinho envelhecido, não vinho passado. A amargura do idoso é pior do que qualquer outra, porque não tem retorno. O idoso é chamado à paz, à tranquilidade. peço essa graça para mim.
       ... Olhar para um idoso é reconhecer que esse homem fez o seu caminho até mim. Há um desígnio de Deus que caminha com esta pessoa, que começou com os seus antepassados e que continua com os seus filhos. Quando acreditamos que a história começa connosco, começamos a não honrar o idoso...

in JORGE BERGOGLIO e ABRAHAM SKORKA, Sobre o Céu e a Terra.

Papa Francisco e Skorka - sobre a MORTE

Bergoglio:
       "A morte é um despojamento, por isso se vive com angústia. Estamos agarrados à vida e não queremos ir, temos medo. E não há imaginação do além que nos liberte disso. Até o mais crente sente que o estão a despojar, que tem de abandonar parte da sua existência, da sua história. São sensações intransferíveis. Talvez aqueles que estiveram em coma tenham percebido alguma coisa. Nos Evangelhos, o próprio Jesus, antes da oração no Monte das Oliveiras, diz que a sua alma sente angústias de morte. Tem medo do que O espera, está escrito. Segundo os relatos evangélicos, morre recitando o salmo XXI: «Deus meu, Deus meu, porque me abandonaste». Disso ninguém se salva. Eu confio na misericórdia de Deus, que é benévolo. Digamos que não é uma angústia com anestesia, mas com capacidade para a suportar.
Skorka:
       "É muito angustiante saber que o tempo é limitado, e mais ainda não saber onde reside o limite. É terrível pensar que a nossa existência é um absurdo da natureza e nada mais, que tudo termina inexoravelmente na morte. Desta forma, a vida não teria sentido, nem os valores nem a justiça... Seria um pensamento extremo. Restam duas possibilidades: para aquele que não quer abordar o tema de Deus, a natureza humana tem um sentido intrínseco, a mensagem de bondade, de justiça, passa de geração em geração, e nós, que temos fé em Deus, evidentemente acreditamos que uma centelha de Dele está em nós e que a morte não é mais do que uma mudança numa situação.
Bergoglio:
       "... Caminhar é uma responsabilidade criativa no sentido de cumprir com o mandamento divino: crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Os primeiros cristãos associavam a imagem da morte à da esperança e usavam a âncora como símbolo. Então, a esperança era a âncora que mantínhamos cravada na margem, e com a corda íamo-nos agarrando para avançar, sem nos desviarmos. A salvação reside na esperança, que se nos irá revelar plenamente, mas, entretanto, mantemo-nos agarramos à corda e fazemos o que achamos que temos de fazer. São Paulo diz-nos «Em esperança, estamos salvos»...
       É a esperança que estrutura todo o nosso caminho. O perigo é apaixonarmo-nos pelo caminho e perdermos a meta de vista, e outro perigo é o quietisno: ficar a olhar a meta e não fazer nada pelo caminho...

in JORGE BERGOGLIO e ABRAHAM SKORKA, Sobre o Céu e a Terra.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Papa Francisco - há dores e dores que bradam ao céu

       "... há dores e dores. As do salário não pago, as da falta de trabalho, são dores que bradam ao céu. Já dizia o apóstolo São Tiago: «Olhai que o salário que não pagastes aos trabalhadores que ceifaram os vossos campos está a clamar; e os clamores dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do universo!» (Tg 5, 4)
       "A parábola do juízo final é a maneira que Jesus tem de nos dizer que Deus está atento à história da humanidade. Que Ele escutou sempre algum pobrezinho lhe pediu alguma coisa; de todas as vezes que alguém, mesmo em voz baixinha, como a gente mais humilde que pede e quase nem se ouve, sempre que algum dos seus filhinhos pediu ajuda Ele estava à escuta.

in Jorge Maria Bergoglio/Papa FRANCISCO, Só o amor nos salvará.
O Verdadeiro poder é servir, p. 367.

Papa Francisco - e os filhos de ninguém? São Sopro de Deus

       "Disseram-me uma vez que o dia de hoje (25 de março - Anunciação do Anjo) é o dia mais luminoso o ano porque comemoramos o dia em que Deus começou a caminhar connosco. Deus é recebido por Maria; o seio de Maria transforma-se em santuário coberto pelo Espírito Santo, coberto pela sombra de Deus e, daí a pouco, Maria começará uma caminhada, uma caminhada de acompanhamento da vida que acabou de conceber, da vida de Jesus. Espera-O como toda a mãe espera um filho, com muito entusiasmo, mas antes de nascer começam as dificuldades; e ela prossegue, acompanhando essa vida de dificuldades...
       ... A mulher do silêncio, da paciência, que suporta a dor, que enfrenta as dificuldades e que sabe alegar-se profundamente com as alegria do seu filho...
       ... E os filhos de ninguém? Também me preocupam? São Vida! São sopro de Deus! Ou preocupa-me mais cuidar do meu animal de estimação?... Alguma vez pensei que o que gasto com um animal de estimação poderia ser alimento e educação para mais uma criança que o não tem?

in Jorge Maria Bergoglio/Papa FRANCISCO, Só o amor nos salvará.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Papa Francisco - tráfico de pessoas

       Hoje, nesta cidade, queremos que se ouça o grito, a pergunta de Deus: "Onde está o seu irmão?" Que esta pergunta de Deus percorra todos os bairros desta cidade, que percorra o nosso coração e sobretudo que entre também no coração dos "Cains" modernos. Talvez alguns perguntem: que irmão? Onde está o seu irmão escravo? Aquele que você está matando todos os dias na oficina clandestina, na rede de prostituição, nos lugares das crianças que você usa para mendigar, para "campanha" de distribuição de drogas, para roubos e para prostituí-los! Onde está o seu irmão, aquele que tem de trabalhar quase escondido como catador de lixo porque não foi contratado? Onde está o seu irmão? E, frente a esta pergunta, podemos fazer, como fez o sacerdote que passou ao lado do ferido, fazer de conta que estamos distraídos; ou como fez o levita: olhar para o outro lado, porque a pergunta não parece ser para mim. A pergunta é para todos! Porque, nesta cidade, está instalado o sistema de tráfico de pessoas, esse crime mafioso e aberrante, como tão acertadamente definiu há poucos dias um funcionário: crime mafioso e aberrante!

(25 de setembro de 2012)

Papa Francisco - nesta cidade tão nossa há escravos

        "Não ter medo. Não ter medo de dizer a Verdade ainda que a Verdade doa. Ainda que nos dê vergonha, hoje juntamo-nos para nos reconhecermos uns aos outros. para nos olharmos olhos nos olhos e dizermos: «Tu tens dignidade, e querem tirar-ta». E gritar. Hoje juntamo-nos para nos sentirmos mais fortes porque nesta cidade em que vivemos querem debilitar-nos, querem tirar-nos a força, querem tirar-nos a dignidade.
       ... nesta cidade de Buenos Aires tão linda, tão nossa, há escravos. Hoje vou dizê-lo de novo. E hoje viemos olhar-nos nos olhos para dizermos uns aos outros: «Se lutardes, se eu lutar convosco, se nos olharmos e lutarmos juntos, haverá menos escravos». No ano passado dizia-vos, com muita dor, que nesta cidade de Buenos Aires há os que «cabem» no sistema e os que «sobram», os que não cabem, para quem não há trabalho, nem pão, nem dignidade. E esses que «sobram» são material descartável, porque também nesta cidade de Buenos Aires se «descarta» as pessoas e estamos cheios de «camiões do lixo existenciais», de homens e mulheres que não são tidos em conta...
       E o padre não tem mais nada a dizer?... Sim, tenho. Algo mais grave ainda: esses homens, mulheres, meninos e meninas que não cabem, que são material descartável, que não são tidos em conta, são tratados como mercadoria. São objeto de negócio. E hoje podemos dizer que nesta cidade das fábricas clandestinas, com os cartoneros [recolhem cartão para vender], no mundo da droga, no mundo da prostituição, existe comércio de pessoas. Por isso nos diz a Palavra de Deus: «Grita com força e sem medo» (cf. Is 58,1); e eu digo-vos: «Gritemos com força e sem medo». Não à escravatura. Não aos que sobram. Não às crianças, aos homens e mulheres usados como material descartável. É a nossa carne que está em jogo! A mesma carne que eu tenho, que vós tendes, está à venda! E tu não te comoves com a carne do teu irmão? «Não, não é igual a mim»... É o teu irmão, é a tua carne.
       Hoje Deus diz-nos o mesmo que dizia a Caim: «Onde está o teu irmão Abel?» (tinha-o matado). E Caim, com grande cinismo, responde: «Não sei dele. Sou porventura guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9). Esta grande cidade de Buenos Aires responde o mesmo muitas vezes! «Que tenho eu com isso? Por acaso devo ocupar-me de tudo?» É o teu irmão, é a tua carne, é o teu sangue!... Tornámo-nos insensíveis, perdemos o coração. Buenos Aires esqueceu-se de chorar ao vender os seus filhos, Buenos Aires esqueceu-se de chorar ao escravizar os seus filhos... E hoje olhamo-nos nos olhos... Lutemos juntos para que esta cidade reconheça a sua queda... e chore, e se corrija... e faça justiça...
(4 de setembro de 2009)

in Jorge Mario Bergoglio/Papa FRANCISCO, Só o amor nos salvará.

terça-feira, 25 de junho de 2013

São João Batista - Padroeiro do Município de Tabuaço

       A solenidade do nascimento de São João Batista reveste-se de festa em Tabuaço, sendo o padroeiro do Município (e padroeiro de uma das paróquias deste concelho, a de Távora). No que à parte religiosa, a celebração da Eucaristia e a Procissão por algumas das ruas da vila de Tabuaço.
       Presidida pelo pároco, a Eucaristia contou com a presença do Pe. Bráulio Félix, Pe. António Jorge Giroto, que formam equipa sacerdotal em Alvite e Leomil, e Pe. Luís António, pároco de Sendim, Paradela e Granjinha.
       Na pregação, a cabo do Pe. Bráulio, oportunidade para nos fixarmos na figura de João Batista, o Precursor, que nos faz descobrir a presença do Filho de Deus, como um tesouro. Numa pequena estória, o pregador fez-nos compreender a riqueza do encontro com Jesus Cristo a alegria experimentada que se converte em testemunho. O patrão pediu ao seu servo para vender um anel, com a condição de não o vender por menos de uma moeda de ouro. O servo procurou então vender o anel a vários comerciantes. Uns davam um punhado de moedas de prata, outros davam o correspondente a meia moeda de ouro. Foi o melhor que conseguiu. A exigência do seu senhor fê-lo regressar a casa com o anel por vender. Muito triste, pensando que poderia ficar sem o seu emprego, entregou o anel, desculpando-se com a crise e com o facto de ninguém querer ficar com o anel por um valor tão elevado. Então o patrão disse ao seu servo: foste ao menos avaliar o preço do anel? Como não tinha avaliado o anel, a nova ordem do patrão foi que fosse ao ourives avaliar o valor do anel, mas só isso, e depois voltasse com o anel. O ouvires sopesou o anel, olhou uma e outra vez, observou com muita atenção e pensado que era uma anel para vender, disse ao servo: Sabe, como estamos em tempo de crise, eu só posso pagar 60 moedas de ouro. O quê? Uma fortuna. Como foi possível que tivesse andado com um anel tão valioso e não se tivesse apercebido do seu enorme valor. São João Batista ajuda a perceber a presença de Jesus e salta de alegria no seio de sua Mãe, quando Isabel ouve a voz de saudação da Virgem Maria. Que também nós nos deixemos tocar por Jesus Cristo experimentar a mesma alegria de João Batista, para que também nós nos tornemos verdadeiras testemunhas...
       A procissão, como em anos anteriores, contou com as imagens dos santos padroeiros das diferentes freguesias/paróquias do Concelho de Tabuaço.
       Algumas imagens que ilustram a Festa de São João Batista:
Para visualizar todas as fotos que temos,
visitar o perfil da página da Paróquia de Tabuaço: AQUI.

domingo, 23 de junho de 2013

Abraham Skorka - sobre o fundamentalismo


Skorka:
       "Temos que honrar Deus através da liberdade e honrando o outro. Deus diz que tenho de respeitar o próximo como a mim mesmo. Quando um judeu reza todos os dias, a oração começa assim: «Deus nosso e Deus de nossos pais, Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob...» Por que motivo é necessário repetir o vocábulo antes de cada Patriarca? Porque cada um deles se relacionou de maneira diferente com Ele. Ninguém pode impor uma verdade sobre o outro, arbitrariamente. Esta deve ser ensinada, induzida, e cada um expressará essa verdade à sua maneira, no seu sincero sentir, algo que o fundamentalismo rejeita.
       Como o outro não vive como eu acredito que Deus diz que terá de viver, então posso matá-lo. Este é o extremo do fundamentalismo...

in JORGE BERGOGLIO e ABRAHAM SKORKA, Sobre o Céu e a Terra.

Papa Francisco - sobre Deus e o homem com-criador

Bergoglio:
       ... transformar o tronco numa mesa...  o trabalho do homem face a Deus e face a si mesmo deve manter-se numa tensão constante entre a dádiva e a tarefa. Quando o homem fica apenas com a dádiva e não realiza a tarefa, não cumpre a sua ordem e permanece primitivo; quando o homem se entusiasma demasiado com a tarefa, esquece-se da dádiva, cria uma ética construtivista: pensa que tudo é fruto das suas mãos e que não há dádiva. É aquilo a que eu chamo a síndrome de Babel..

Skorka:
       ... O Midrash diz que Deus se aborreceu pelo facto de os construtores se importarem mais por perder um tijolo do que por dessa altura poder cair um homem...

in JORGE BERGOGLIO e ABRAHAM SKORKA, Sobre o Céu e a Terra.

Papa Francisco - experiência da oração

Experiência de orar...

       "...uma experiência de claudicação, de entrega, onde todo o nosso ser entre na presença de Deus. É aí que se dará o diálogo, a escuta, a transformação. Olhar para Deus, mas sobretudo sentir-se olhado por Ele. Por vezes, a experiência religiosa acontece na oração, no meu caso, quando rezo oralmente o terço ou os salmos. Ou quando vivo mais a experiência religiosa é no momento em que me ponho, com tempo indefinido, diante do sacrário. Às vezes, adormeço sentado, deixando-me olhar. Sinto como se estivesse nas mãos de outro, como se Deus me estivesse a pegar na mão. Acho que há que chegar à alteridade transcendente do Senhor, que é o Senhor de tudo, mas que respeita sempre a nossa liberdade".

Papa Francisco - atravessar a Porta da Fé

       A porta fechada da minha casa, que é o lugar da minha intimidade, dos meus sonhos, das minhas esperanças e dos meus sofrimentos, tal como das minhas alegrias, está fechada para os outros. E não se trata apenas da minha casa material, mas também do recinto da minha vida, do meu coração. São cada vez menos aqueles que podem atravessar esse umbral. A segurança de umas portas blindadas guarda a insegurança de uma vida que se torna mais frágil e menos permeável às riquezas da vida e ao amor dos outros.
       A imagem de um aporta aberta foi sempre o símbolo da luz, amizade, alegria, liberdade e confiança... A porta fechada faz-nos mal, anquilosa-nos, separa-nos.
       Começamos o Ano da Fé e, paradoxalmente, a imagem que o Papa (Bento XVI) propõe é a da porta, uma porta que se tem de transpor para se poder encontrar o que tanto nos falta...

       Transpor essa porta pressupõe empreender uma caminhada que dura toda a vida, enquanto passamos avançando diante de tantas portas que hoje se nos vão abrindo, muitas delas portas falsas, portas que nos convidam de forma atraente, que prometem uma felicidade vazia, portas autorreferenciadas que se esgotam em si mesma e sem garantida de futuro. Enquanto as portas das casas estão fechadas, as portas dos shoppings estão sempre abertas.
       Atravessamos a porta da fé, cruzamos esse umbral, quando a Palavra de Deus é anunciada e o coração se deixa plasmar pela graça que transforma. Uma graça que tem um nome concreto: Jesus! Jesus é a Porta (cf. Jo 10, 9)... Como porta Ele abre-nos o caminho para Deus e, como Bom Pastor, é o Único que cuida de nós à custa da sua própria vida.

Jorge Maria Bergoglio/Papa FRANCISCO, Só o amor nos salvará.

sábado, 22 de junho de 2013

XII Domingo do Tempo Comum - ano C - 23 de junho

       1 – Bem sabemos a diferença entre conhecidos e amigos. Muitos dos amigos que temos são sobretudo conhecidos. Conhecemo-los de vista, através das redes sociais, vivem no mesmo ambiente geográfico, cultural e/ou religioso que nós, cruzamo-nos em algum momento com eles, numa festa, num encontro social, são da nossa terra, vivem na mesma cidade que nós. A respeito de alguns, reduzindo drasticamente o número destes amigos, temos mais informações, sobre a casa em que moram, quem são os pais ou os filhos, a que família pertencem.
       O círculo vai-se fechando. De alguns sabemos a idade, o clube, a escola que frequentam, os cafés onde vão. Alguns encontramo-los nas ruas e nas encruzilhadas da nossa vida. Serão nossos amigos? Sim, em certo sentido, não nos querem mal, também não lhes queremos mal.
       E quais os amigos de quem sabemos o que sentem, o que os faz felizes, o que os magoa ou traz tristes? Conhecemos as suas angústias, os seus sonhos, os seus projetos de vida? Que amigos nos provocam alegria ao encontrar? Que amigos nos deixam preocupados com a sua saúde, ou que nos fazem rir, ou chorar, ou falar descontraidamente, ou com quem queremos estar em festa? Ou que procuramos em momentos de desencanto na nossa vida, ou de desencontro nas suas vidas?
       Reduzimos substancialmente o rol dos nossos amigos. Há amigos e amigos. Há amigos que marcam os nossos dias, o nosso sentir, a forma como pensamos a vida e nos situamos na história. Há amigos que são conhecidos, com os quais nos sentimos bem mas de quem não sentimos a ausência. Jesus diz aos seus discípulos: já não vos chamo servos, mas amigos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor, chamo-vos amigos porque vos contei tudo o que ouvi a meu Pai (cf. Jo 15, 14). “Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15, 13).
       O amigo é um tesouro, é um confidente, é uma CASA onde me sinto acolhido, protegido, aconchegado, que não me julga, e sabe que não sou perfeito, é alguém que me respeita e me admira e por quem eu nutro afeição e consideração, estimo como familiar que escolhi.
       2 – No Evangelho, Jesus estabelece com os seus discípulos uma fronteira inclusiva. Dito de outra forma, Jesus pede aos seus discípulos que se entranhem mais na Sua vida, que não se sintam apenas conhecidos ou curiosos, mas sejam verdadeiros amigos, seguidores, que Se alimentem da Sua presença, que procurem entendê-l’O nos dias alegres e felizes mas também nos dias tristes e dolorosos que se aproximam. O amigo verdadeiro não vacila nas adversidades, não volta o olhar, ou esconde o rosto no sofrimento do amigo. Jesus quer solidificar a cumplicidade com os amigos mais próximos, ver até onde eles estão dispostos a ir. Será que estão preparados para as dificuldades? Como será a amizade em contexto de perseguição?
       Há uma altura em que não basta estar lado a lado, é imperioso estar de mãos dadas, de corações entrelaçados, sintonizados com o sentir do outro. Já não é suficiente ter impressões, vagas ideias e sensações, é crucial conhecer o íntimo daquele que queremos como irmão, aceitá-lo nas suas limitações e nas suas inseguranças, confiarmos-lhe a nossa vida e as nossas inquietações. É nos momentos sombrios e de deserto que se veem os verdadeiros amigos.
       Num momento de intimidade com o Pai, em oração, cuja amizade é ontológica, vital, Jesus avaliza as seguranças dos seus discípulos. Primeiro uma pergunta curiosa, em forma de sondagem da opinião pública: o que dizem as pessoas de mim? Certamente que vos chegaram ao ouvido diversas opiniões acerca de Quem Sou e do que que faço. Que se diz por aí?
       As respostas, ainda assim, são bastante favoráveis. Possivelmente levam o filtro da amizade. Dizem que és Elias, João Batista que ressuscitou, um dos antigos profetas. Dizem por aí. São murmúrios que não tocam, não envolvem, não comprometem, denotam uma certa indiferença. Jesus, porém, não se fixa no que se diz, fixa o Seu olhar neles e em nós.
       3 – «E vós, quem dizeis que Eu sou?». Que importância tenho para ti? Que lugar ocupo no teu coração? Há lugar para Mim na tua vida? Nas vossas escolhas tendes em conta o que Eu Sou para vós? Escutais as minhas palavras? Levais em linha de conta o que vos digo? É diferente a vossa vida por Me conhecerdes? Por me considerardes amigo?
       Até agora vistes uma parte de Mim. Percorremos aldeias e cidades. Fomos quase sempre bem recebidos. Lancei as primeiras sementes. Quis que estivesses a meu lado, vivesses comigo e me acompanhasses, para aprenderdes de Mim a caridade, o perdão, a compaixão. Vêm aí tempos conturbados. Estais dispostos a continuar esta aventura Comigo? Vou morrer, quereis prosseguir o Meu caminho, a Minha missão? Estais dispostos a dar/gastar a vida, a renunciar a Vós mesmos? Por Mim? Pelos outros? «Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-Me. Pois quem quiser salvar a sua vida, há de perdê-la; mas quem perder a sua vida por minha causa, salvá-la-á».
       Se quereis uma vida mais facilitada, um caminho mais suave, se quereis preservar a vossa vida, então podereis seguir noutra direção. Se estais dispostos a ficar Comigo, correis sérios riscos de perder a própria vida. Como vai ser? E vós quem dizeis que Eu sou? Morrereis por Mim, se for necessário? Ireis até ao fim?

       4 – «Tu és o Messias de Deus». A resposta de Pedro, também em nosso nome, enquadra uma primeira profissão de Fé, algo tíbia, mas já é um começo. Na versão de Mateus (16, 13-20), Jesus sublinha a revelação divina que acontece em Pedro: foi Meu Pai quem to revelou.
       Com efeito, a nossa resposta há de tornar-se firme, pela fé, na intimidade com o Pai, na oração, deixando que o Espírito Santo traga Jesus ao nosso coração, e que a Sua Palavra seja espírito e vida, que esteja nos lábios, mas sobretudo no coração, em cada gesto, olhar, compromisso, na família, no trabalho, no tempo de lazer e da festa, haja sol ou chuva!
       Jesus questiona os discípulos depois de um momento de diálogo amoroso com o Pai. Entrevê-se que a relação dos discípulos com Ele terá que se aproximar da Sua relação filial com o Pai. O Seu maior alimento é fazer a vontade do Pai. Se somos verdadeiramente seus amigos, o procedimento terá que ser o mesmo, transparecer em nós a vontade do Pai.
“Todos vós sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo, porque todos vós, que fostes batizados em Cristo, fostes revestidos de Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; todos vós sois um só em Cristo Jesus. Mas, se pertenceis a Cristo, sois então descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa”.
       A fé em Cristo Jesus faz de nós irmãos. Estamos enxertados no Seu Corpo. Alimentamo-nos do mesmo Espírito, da mesma Palavra. N'Ele somos TODOS UM. E de novo a amizade se alarga, conhecidos, amigos, inimigos, formamos a mesma família de Jesus, fazendo que Ele seja tudo em todos, pois n'Ele todos nos identificamos como irmãos.

       5 – Esta fraternidade alargada por Jesus Cristo, com o mistério da Sua morte e ressurreição, envolve a humanidade inteira. De uma vez para sempre, e por todos, Ele dá a vida até ao último sopro. O Seu Sangue é derramado e mistura-se com a terra. Pisamos o mesmo chão sagrado, como irmãos, protegidos com a mesma bênção, em céus comuns.
       Somos herdeiros da promessa de Deus. Ele vem para nos inserir na beleza do encontro e da comunhão. É tempo de visualizarmos a promessa do Senhor: «Sobre a casa de David e os habitantes de Jerusalém derramarei um espírito de piedade e de súplica. Ao olhar para Mim, a quem trespassaram… Naquele dia, jorrará uma nascente para a casa de David e para os habitantes de Jerusalém, a fim de lavar o pecado e a impureza».
       É esta a torrente de alegria, de vida nova, de amor, de salvação, que Jesus opera. O profeta anunciava, Jesus cumpre. Cabe-nos, agora, tornar visível a salvação que Cristo realiza em nós, pelo Espírito Santo. Por conseguinte, a urgência de estarmos unidos ao Senhor, como rezamos com o salmista: “Unido a Vós estou, Senhor, a vossa mão me serve de amparo”. Ele é o nosso céu, o nosso abrigo, o refúgio seguro.


Textos para a Eucaristia: Zac 12, 10-11; 13, 1; Sl 62 (63); Gal 3, 26-29; Lc 9, 18-24.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Papa Francisco - sobre o diálogo

Jorge Bergoglio:
       ... Por momentos, chegamos a identificar-nos mais com os construtores de muralhas do que com os de pontes. Faltam o abraço, o pranto e a pergunta pelo pai, pelo património, pelas raízes da pátria. Há falta de diálogo...
        O diálogo nasce de uma atitude de respeito pela outra pessoa, de uma convicção de que o outro tem algo de bom para dizer, pressupõe criar espaço no nosso coração para o seu ponto de vista, para a sua opinião e para a sua proposta. Dialogar implica uma receção cordial, e não de uma condenação prévia. Para dialogar teremos de saber baixar a guarda, abrir as portas de casa e oferecer calor humano.
       São muitas as barreiras que diariamente impedem o diálogo: a desinformação, a intriga, o preconceito, a difamação, a calúnia. Todas estas realidades constituem um certo azedume cultural, que sufoca qualquer abertura aos outros. E assim se trava o diálogo e o encontro.

in JORGE BERGOGLIO e ABRAHAM SKORKA, Sobre o Céu e a Terra.

Papa Francisco - dor e ressentimento

       "...a dor, que é também outra chaga, é em campo aberto. O ressentimento é como uma casa ocupada, onde vive muita gente amontoada que não tem céu. Ao passo que a dor é como uma casa de campo, onde também há muita gente amontoada, mas onde se vê o céu. Por outras palavras, a dor está aberta à oração, à ternura, à companhia de um amigo, a mil coisas que nos dignificam. Isto é, a dor é uma situação mais saudável. Assim mo dita a experiência...

       "Perdoar faz sempre bem...
       "O amor é o que mais me aproxima de Deus. O perdão aproxima-nos, na medida em que é um ato de amor".

Papa Francisco - o perdão e justiça

       "... é necessário bendizermos o passado com o arrependimento, o perdão e a reparação. O perdão tem de estar unido às outras duas atitudes. Se alguém me faz alguma coisa, tenho de perdoar-lhe, mas o perdão chega ao outro quando ele se arrepende e repara. Uma pessoa não pode dizer: «Perdoo-te e é como se nada tivesse ocorrido». O que teria acontecido no julgamento de Nuremberga, se se tivesse adotado esta atitude com os chefes nazis?...
       Tenho de estar disposto a conceder o perdão, e este só se torna efetivo quando o destinarário o pode receber. E pode recebê-lo quando está arrependido e quer reparar o que fez. Caso contrário, o perdoado ficaria - usando termos futebolísticos - fora de jogo. Uma coisa é dar o perdão e outra, ter a capacidade de o receber".

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Papa Francisco - Audiência geral - rezai pelos inimigos


Papa Francisco - prática do diálogo e do amor

       "Um verdadeiro crescimento na consciência da humanidade não pode basear-se noutra coisa senão na prática do diálogo e do amor. Diálogo e amor pressupõem o reconhecimento do outro como outro, a aceitação da diversidade. Só assim se pode fundar o valor da comunidade: não pretendendo que o outro se subordine aos meus critérios e prioridades, não «absorvendo» o outro, mas sim reconhecendo como valioso o que o outro é, e celebrando essa diversidade que nos enriquece a todos. O contrário é simples narcisismo, imperialismo, pura estupidez.
       Isto também pode ser lido na direção inversa: como posso dialogar como posso amar, como posso construir algo comum, se deixo diluir-se, perder-se, desaparecer o que seria o meu contributo?"

Papa Francisco - a cultura do encontro

Cultura do encontro humano...
       "Uma cultura que pressupõe, como ponto central, que o outro tem muito para me dar. Que tenho de ir ao seu encontro numa atitude de abertura e escuta, sem preconceitos, isto é, sem pensar que pelo facto de ele ter ideias contrárias às minhas, ou ser ateu, não me pode trazer nada. Não é assim. Toda a pessoa pode dar-nos alguma coisa e toda a pessoa pode receber alguma coisa de nós. O preconceito é como um muro que impede que nos encontremos..."

Aprendendo a agradecer e a pedir desculpa

       A atitude de ‘saber agradecer’ é uma das vertentes com que revelamos quer a nossa educação quer a nossa capacidade de atenção aos outros. Quando dizemos ‘obrigado’ a alguém estamos a envolver e a deixar-nos envolver por este sinal de que a outra pessoa é para nós e a quem dizemos ‘obrigado’, sendo digna da nossa estima e da nossa correlação com ele. Aliás, o uso da palavra ‘obrigado’ é o resumo dessa frase mais longa: ‘sinto- -me muito obrigado a agradecer’. Deste modo, dizer ‘obrigado’ não é uma expressão de obrigação, mas manifesta a nossa dedicação a esse/a quem dizemos simplesmente ‘obrigado’.
       De facto, hoje vivemos, infeliz e desgraçadamente, marcados pela ausência em dizer ‘obrigado’ e em ‘pedir desculpa’... uns aos outros. Parece que estes dois mínimos conceitos e actos de educação foram banidos do nosso trato social... Quem os exercita, a começar em sua casa, no trabalho e no convívio social? Quem os cultiva para com os outros? Haverá honrosas excepções!

       1. Mesmo que de forma simples poderemos apresentar alguns aspectos para uma cultura do saber agradecer:
       Gratidão – ser grato é uma qualidade que exprime o reconhecimento daquilo que nos fazem, de forma directa ver todos em família solidária. ou indirecta, pois a ingratidão é, hoje, mais cultivada do que a gratidão pelos pequenos ou pelos grandes gestos, feitos e factos.
       Simplicidade – para quem recebe gestos e sinais de carinho, desde os mais simples até aos mais complexos, agradecendo a Deus o que d’Ele vamos recebendo e da descoberta de como Ele nos ama... mesmo sem disso estarmos totalmente conscientes, quando Ele se esconde nos rostos de quem nos rodeia.
       Atenção aos outros – na medida em que pensamos mais neles do que em nós mesmos, atendendo mais às suas necessidades e qualidades do que, como acontece agora, nas nossas ‘virtudes’ e aos seus defeitos.
       Valorização mútua – quando agradecemos olhamos mais para aquilo que recebemos do que para aquilo que damos, e, na medida em que damos é para que o que recebemos seja para maior contentamento dos nossos interlocutores habituais, ocasionais ou de convívio mais difícil.
       2. Ao agradecimento está conexa a atitude em pedir desculpa, valorizando a quem podemos ter desagradado ou mesmo ofendido. Também aqui há vertentes simples para que ‘pedir desculpa’ possa ser natural no nosso dia a dia:
- Humildade em reconhecer os seus erros, aceitando-os e querendo corrigi- -los com a ajuda dos outros;
- Sinceridade no trato sem hipocrisias nem aproveitamento dos outros;
- Verdade sem nada esconder nem fazer-se vítima ou réu, sendo leal e vivendo de cabeça levantada por nada ter a esconder a não ser a boa harmonia para com todos... a começar pelos que nos estão mais próximos.
       Será que ainda vamos a tempo de reconstruir a sociedade, dizendo ‘obrigado’ e pedindo ‘desculpa’?

Pe. Sílvio Couto, in Voz de Lamego, 18 de junho de 2013.
Para outros textos e outras notícias consulte:

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Papa Francisco - o católico paga impostos

"... eu declaro-me católico, mas não pago os impostos. Ou engano o meu cônjuge. Ou não presto a devida atenção aos meus filhos. Ou tenho o meu pai ou a minha mãe «pendurados» num lar, como um sobretudo num roupeiro durante o verão, com a bolsinha de neftalina, e nunca os visito. Ou faço fraude: «arranjo» uma balança ou um taxímetro para que marque mais. Convivo, enfim,  com a burla não só ao Estado ou à minha família, como a mim próprio...

In SERGIO RUBIN e FRANCESCA AMBROGETTI, Papa Francisco. Conversas com Jorge Bergoglio.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Cardeal Bergoglio/Papa Francisco - Só o amor nos salvará


Jorge Mario Bergoglio/Papa FRANCISCO, Só o amor nos salvará. Lucerna. Cascais 2013, 160 páginas.

       Têm-se multiplicado as publicações sobre o atual Papa, estudos, perspetivas, recolha de textos, intervenções, mensagens.
       Eis mais uma recolha de homilias, mensagens aos sacerdotes, religiosos, leigos, à cidade e diocese de Buenos Aires, à Argentina, aos dirigentes políticos, à Igreja e à cultura, aos poderosos e a todos aqueles que nas dependências exploram pessoas.
       Desde o início do seu Pontificado tem surgido uma curiosidade em crescendo com os gestos e palavras do Papa Francisco. Independentemente das motivações editoriais, os livros sobre o Papa Francisco, ou com textos do então Cardeal, mostram a vida, o pensamento, o conteúdo, que agora se universalizam como Papa Francisco.
       São textos expressivos, revelam a fé, a experiência de um homem de Deus, a proximidade com os seus conterrâneos e com a cidade de Buenos Aires, como sacerdote, como irmão, como pastor, em diálogo com as forças vivas, na exigência da subsidiaridade para com os pais pobres. Sobrevém a Doutrina Social da Igreja, como mensagem desafiadora de interesses instalados.
       Algumas expressões são contundentes, a cultura do "caixote do lixo", idosos abandonados, como lixo, dispensáveis, descartáveis, formas encapotadas de eutanásia, deixando-se nos hospitais para morrer, com falta de assistência e medicação. Outra ideia semelhantes, os idosos como um casaco que se deixa pendurado quando não é necessário. E assim também numerosas crianças, maltratadas, abandonadas, a recolher cartão, a passar fome, a ser usadas e abusadas. Grito contra a escravatura na cidade de Buenos Aires, exploração no trabalho, tráfico de drogas mas também de pessoas.
       Numa das mensagens, sobretudo aos sacerdotes e religiosos, o então Cardeal, estava a meditar nas leituras de Domingo e sentiu um impulso de lhes escrever uma carta sobre a oração. Um dos dados que tem deixado marcas e que aprece em muitas intervenções: "rezem por mim", pedi-lhes para pedirem por mim. Rezar, chatear Deus, importuná-l'O, insistir, interceder por outros.
       Outra expressão que lhe é própria e que a ouvimos logo na primeira intervenção como Papa e referida a Bento XVI, que Jesus vos abençoe e que Maria cuide de vós/ que Nossa Senhora vos ajude. Aliás, como outros papas anteriores, a referência a Maria é constante, mas que traz como bispo e cardeal.
       Outra terminologia assumida desde o início, a Igreja não pode ser autorreferencial, há de anunciar Jesus. Cristo estava à porta a bater, para poder entrar, agora está dentro a querer sair, para o exterior, ao encontro de pessoas. A Igreja tem de ir às periferias existenciais, ao encontro das pessoas.
       Outros temas tratados por Jorge Bergoglio, o casamento de pessoas do mesmo sexo, a função do estado, a construção da Pátria, os valores, a dignidade humana...

Sobre esta obra e esta sugestão veja também: Fundamentos - AQUI.