sábado, 19 de novembro de 2016

Solenidade de Cristo Rei do Universo - 20.nov.2016

       1 – Que realeza esta! Um trono, uma cruz! Uma coroa, tecida de espinhos e de amor! Um reino, sem terras nem palácios! Um exército sem armas nem treino militar! Um poder feito de serviço e de perdão! Uma chefia que se coloca de joelhos para Se dar! Uma esperança que é pregada no madeiro! Uma certeza: quem seguir o líder deste Reino não vai ter uma vida facilitada! Um projeto de vida: amar, servir, dar-Se por inteiro, colocar os outros em primeiro lugar, salvar os outros para que os outros me/te salvem, comprometer-se na transformação do mundo, deixar marcas de amor espalhadas por toda a parte, em todos os momentos, seguir Jesus, transparecer Jesus, testemunhar Jesus, dar a vida por Jesus, para que Jesus seja tudo em todos!
       A realeza de Jesus contradiz as realezas do mundo. Estas têm vassalos! Jesus tem discípulos! Os súbditos dos reinos deste mundo têm títulos e honrarias. Os discípulos de Jesus estão comprometidos com a verdade, com o serviço, com a caridade! Os membros dos reinos históricos têm regalias e são premiados com terras e mais títulos pelos serviços prestados. Os seguidores de Jesus são premiados com a alegria e com o sofrimento, com a satisfação de O seguir e com a certeza que serão perseguidos como Ele.
´      O rei veste os melhores trajes, linho fino, seda, com brocados de ouro, com mantos compridos... Adorna-se com fios e anéis, com pedras preciosas. O "Rei dos Judeus" está sem vestes! D'Ele se pode dizer com propriedade: "o rei vai nu". Apenas um pano em volta da cintura. Sem bolsas nem cordões! A túnica é sorteada! As roupas distribuídas! Sem maquilhagens nem adornos reais. Está maquilhado de sangue e de lágrimas, de amor e de confiança em Deus.
       2 – «Salvou os outros: salve-Se a Si mesmo, se é o Messias de Deus, o Eleito»... «Se és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo»... «Não és Tu o Messias? Salva-Te a Ti mesmo e a nós também».
       Uma das tentações nas sociedades do nosso tempo é visível diante da cruz de Jesus. Salva-Te a Ti e a nós. Eu, eu e eu! De fora fica o tu e os outros! O mundo é atravessado por uma crise que parece não ter fim: guerras, fome, violência, pobreza, refugiados, exclusão social, fanatismo religioso, nacionalismos cada vez mais acentuados, racismo a florescer. As razões são variadas: interesses económico-financeiros, defesa de valores "religiosos" e da identidade cultural! Mas, no final, a única razão é o egoísmo, o colocar-se a si em primeiro lugar! À frente de todos, além e apesar de todos!
       Os chefes do povo, alguns dos soldados, um dos malfeitores, sintonizam pelo mesmo diapasão. É sempre um risco deixar-nos levar pelos outros quando estamos em grupo!
       O outro malfeitor não se deixa envolver pelos escárnios e pela maledicência. Intervém. Marca posição. Distancia-se da opinião corrente e das vozes sincronizadas contra Jesus. Já não tem muito a perder! Melhor, tem tudo a ganhar! Repreende o companheiro de armas: «Não temes a Deus, tu que sofres o mesmo suplício? Quanto a nós, fez-se justiça, pois recebemos o castigo das nossas más ações. Mas Ele nada praticou de condenável».
       Este malfeitor deixou-se trespassar pelo olhar de Jesus e pelo Seu amor. E, por conseguinte, é para Ele que se dirige em súplica: «Jesus, lembra-Te de Mim, quando vieres com a tua realeza». Em tons de brincadeira, costuma dizer-se que este foi o maior ou melhor ladrão, pois no último momento roubou o Reino de Deus. «Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso». A realeza de Jesus exerce-se na misericórdia, na compaixão, no perdão. Há sempre tempo enquanto estamos no tempo. A misericórdia de Deus não tem limites, a não ser que lhos ponhamos!

       3 – O Rei David foi promessa e esperança para todo o Israel, para Judá e para o reino do Norte. Tornou-se figura de uma realeza perene, eterna, definitiva, universal. As tribos procuram-no para o aclamarem rei, pois já no tempo do rei Saúl era David quem "dirigia as entradas e saídas de Israel".
       O reinado de David será lido como um pastoreio. Com efeito, antes de ser rei era pastor. Tornando-se rei, é o Pastor de todo o Israel, o Povo de Deus. Pastoreia em nome de Deus!
       De Jesus se dirá que é o novo Moisés e, por conseguinte, na montanha nos dá uma lei nova, as Bem-aventuranças, que não anula a anterior, mas a pleniza no amor e no serviço. É Ele também o novo David, Aquele que vem da parte de Deus, é aclamado "Filho de David", para ser acolhido em minha, na tua, em nossa casa, no meu, no teu, em nosso coração, na minha, na tua, na nossa vida! Para que seja Ele a reinar em nós! É o Bom Pastor que nos congrega num só rebanho!
       4 – Um Rei. Um Pastor. Um rei sem coroa nem exército nem palácio, nem vassalos, nem escravos. Um pastor que cuida, ajunta, guia, envolve, avança e recua, para que nenhuma ovelha se perca, para que todas possam integrar o mesmo redil, condu-las em segurança, leva-as às águas refrescantes, às pastagens verdejantes. Um Rei que é Pastor. São os pastores, pobres e simples, os primeiros a louvar a Deus pela Sua chegada. E os magos, vindos do oriente, vindos de longe, estrangeiros e estranhos, os primeiros a reconhecê-l'O na Sua realeza, na sua divindade e na Sua humanidade.
       Um Deus ao alcance do nosso olhar! "Cristo é a imagem de Deus invisível, o Primogénito de toda a criatura". Podemos vê-l'O, podemos persegui-l'O, podemos amá-l'O e, até, podemos matá-l'O. Um Deus que, em Cristo, Se deixa abraçar, beijar, Se deixa ver, Se deixa escutar. Jesus leva tão longe a misericórdia de Deus, que Se deixa crucificar, levando até ao fim o Seu amor por mim, por ti, por nós, por todos. Para nos salvar! Para nos assumir por inteiro. "Aprouve a Deus que n’Ele residisse toda a plenitude e por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, estabelecendo a paz, pelo sangue da sua cruz, com todas as criaturas na terra e nos céus".
       Por conseguinte, "damos graças a Deus Pai, que nos fez dignos de tomar parte na herança dos santos, na luz divina. Ele nos libertou do poder das trevas e nos transferiu para o reino do seu Filho muito amado, no qual temos a redenção, o perdão dos pecados".

       5 – A primeira missão de quem é amado é responder (e retribuir). Deus precede-nos no amor, criando-nos e, em Cristo, redimindo-nos, elevando-nos. O amor ama o amor. Amor com amor se paga (São João da Cruz). Quem ama predispõe-se a ser amado (ou odiado, esquecido, recusado, desprezado). O amor de Deus é absoluto, está antes e acima de qualquer condição. Em todo o caso, como sublinha Bento XVI, também Deus espera que Lhe respondamos, que retribuamos o amor com que nos criou e nos salvou. Cria-nos à Sua imagem e semelhança para sermos capazes de Lhe responder. A semelhança está na capacidade de amar e de ser amado.
        Nesta resposta, neste sermos responsáveis pelo amor que recebemos, está a nossa felicidade, o sentido definitivo da nossa vida, a abertura ao transcendente e a dinâmica da fraternidade. O amor impulsiona-nos a sermos criativos, cocriadores, na certeza que perduraremos além do tempo e da história, pois o amor clama por eternidade!
       “Deus eterno e omnipotente, que no vosso amado Filho, Rei do universo, quisestes instaurar todas as coisas, concedei propício que todas as criaturas, libertas da escravidão, sirvam a vossa majestade e Vos glorifiquem eternamente”.
        A glorificação de Deus é a vida do homem, o homem vivo, nas palavras de Santo Ireneu. Quanto mais perto de Deus, mais perto uns dos outros. Quando predomina a realeza de Deus, a certeza de que seremos iguais, seremos irmãos!

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): 2 Sam 5, 1-3; Sal 121 (122); Col 1, 12-20; Lc 23, 35-43.

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