sábado, 30 de julho de 2016

XVIII Domingo do Tempo Comum - ano C - 31.07.2016

       1 – A felicidade na pobreza é um desafio e um compromisso com a verdade e com o bem, optando pela bondade e pela delicadeza, colocando os outros como prioridade porque neles está impressa a imagem de Deus. A pobreza liberta-nos de nós, do nosso egoísmo e do auto endeusamento. Pobreza, neste sentido, é a humildade de quem se reconhece a caminho, a necessitar de salvação, de ajuda, da presença do outro. De quem se abre a Deus e aos outros.
       O contrário de pobreza é avareza. Prepotência. Ganância desmedida. Egoísmo.
       A pobreza em espírito caracteriza-se por usar os recursos e os bens materiais como meio para viver em segurança e em dignidade, aproximando-se dos outros. Dispor dos bens para viver e para a ajudar os outros a viverem com dignidade. Quando a riqueza material serve para contendas sem fim, disputas, violência, quando serve para anular ou destruir os outros, é diabólica!
       A riqueza fecha-nos o coração e a vida. O dinheiro ou os bens materiais não são mal ou bem em si mesmos, o uso que fazemos deles é que pode ser moralmente condenável ou assomar bondade. A criação de riqueza, o trabalho honesto, a aquisição justa engrandecem e dignificam o ser o humano. O roubo, a corrupção, a desonestidade empobrecem e destroem a pessoa e, com o tempo, todo o tecido social. Repare-se uma vez mais na crise económico-financeira onde uns poucos enriqueceram à custa de muitos. Como tem acentuado o Papa Francisco, esta economia mata, pois preocupa-se muito mais com os números do que com as pessoas que são sacrificadas por causa das percentagens.
       Defender a pobreza do evangelho para justificar a existência de pobres e não se comprometer na procura de soluções, é pecado que brada aos céus. Mas também a cobiça pelos bens dos outros, quando estes os conseguiram com trabalho, honestidade e justiça. Há pobres e ricos que são gananciosos e há pobres e ricos (materialmente falando) que são generosos.
       Bem-aventurados os pobres em espírito porque deles é o Reino de Deus. É uma opção da pessoa, nunca uma imposição. Não justifica a pobreza. Pelo contrário, ser pobres ao jeito de Jesus implica que nos façamos pão e vida para os mais pobres, como Ele fez. Dai-lhes vós de comer. Como Eu vos fiz, fazei-o também uns aos outros. O que fizerdes ao mais pequeno dos irmãos é a Mim que o fazeis. Dar de comer a quem tem fome, é uma das obras de misericórdia que nos implica. O caminho de Jesus é um caminho de leveza, de despojamento, livre para dar a vida a favor da humanidade porque nada O prende ou escraviza senão o amor, o serviço a todos, preferencialmente aos mais pobres. Em tudo, a grande riqueza é a sintonia com o Pai, fazendo a Sua vontade.

       2 – Certamente depois de ouvir Jesus a falar de despojamento, de partilha, de serviço aos demais, um homem aproximou-se para O convocar a resolver os seus problemas: «Mestre, diz a meu irmão que reparta a herança comigo».
       Tenho a impressão que Jesus não veio resolver os problemas de ninguém. Explico. Como facilmente se entende, Jesus não nos substitui, não vive a vida por nós. Os nossos pais por mais que nos amem não fazem o que devemos fazer para viver. Se os pais assumirem as responsabilidades que nos cabem e as consequências dos nossos atos, seremos sempre infantis. Por conseguinte, a nossa oração a Deus não é para que nos ajude a derrotar os outros, dando agora o exemplo do futebol e lembrando o testemunho do selecionador nacional, mas pedir a Deus a humildade para persistir, a sabedoria para buscar as melhores soluções e a persistência para fazer boas escolhas, pois nem o Fernando Santos ia para dentro de campo jogar nem Deus ia meter golos na baliza da equipa adversária. Ou como dizia o professor João Paiva, da Faculdade de Ciências do Porto, nas Jornadas de Formação para Catequistas, na Diocese do Porto, sobre "Bíblia e ciência": «Vi gente a comemorar a vitória de Portugal sobre França com imagens de Nossa Senhora e terços e uma das coisas que me ocorre é imaginar Nossa Senhora a contabilizar 11 milhões de Aves Marias, do lado de Portugal, 30 milhões de Aves Marias, do lado francês, imagino Lurdes contra Fátima...».
       Jesus desafia-nos ao melhor de nós mesmos e a buscarmos nos outros a presença de Deus, mas não se faz árbitro das nossas disputas. «Amigo, quem Me fez juiz ou árbitro das vossas partilhas?».
       No seguimento da resposta, Jesus acrescenta, dizendo a todos: «Vede bem, guardai-vos de toda a avareza: a vida de uma pessoa não depende da abundância dos seus bens». Quando os bens materiais substituem as pessoas, estamos a caminho da desumanização. O trabalho e as minhas compras ocupam o primeiro lugar, antes dos outros e de Deus, então terei que rever as minhas prioridades. Posso ganhar o mundo inteiro e perder a vida, a alegria, a capacidade de apreciar a presença dos que contam comigo e com quem eu posso contar.
       Vale a pena escutar e refletir a parábola de Jesus: «O campo dum homem rico tinha produzido excelente colheita. Ele pensou consigo: ‘Que hei de fazer, pois não tenho onde guardar a minha colheita? Vou fazer assim: Deitarei abaixo os meus celeiros para construir outros maiores, onde guardarei todo o meu trigo e os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Minha alma, tens muitos bens em depósito para longos anos. Descansa, come, bebe, regala-te’. Mas Deus respondeu-lhe: ‘Insensato! Esta noite terás de entregar a tua alma. O que preparaste, para quem será?’. Assim acontece a quem acumula para si, em vez de se tornar rico aos olhos de Deus».
       3 – É de todos conhecido o texto proposto na primeira leitura: "Vaidade das vaidades – diz Qohélet – vaidade das vaidades: tudo é vaidade. Quem trabalhou com sabedoria, ciência e êxito, tem de deixar tudo a outro que nada fez. Também isto é vaidade e grande desgraça. Mas então, que aproveita ao homem todo o seu trabalho e a ânsia com que se afadigou debaixo do sol? Na verdade, todos os seus dias são cheios de dores e os seus trabalhos cheios de cuidados e preocupações; e nem de noite o seu coração descansa. Também isto é vaidade".
       Aparentemente o sábio Qohélet está resignado perante a vida, diante das situações de sofrimento, de mal, de contradição. Levantar. Trabalhar. Comer. Deitar. Cansar-se para quê ou para quem? Que sentido tem a vida se há de terminar um dia? Por certo que também nós, em momentos de solidão, de incerteza, de doença, nos interrogamos sobre o sentido da vida.
       No final, o autor conclui o seu testamento (testemunho) dizendo que tudo é vaidade se não estiver referido a Deus. "O resumo do discurso, de tudo o que se ouviu, é este: teme a Deus e guarda os seus preceitos, porque este é o dever de todo o homem. Deus pedirá contas, no dia do juí­zo, de tudo o que está oculto, quer seja bom, quer seja mau" (Ecl 12, 13). Em Deus, a vida não se perderá, mas será assumida para sempre. Então não perderemos os que nos precederem, nem instrumentalizaremos os que que Deus colocou à nossa beira, pois neles se reflete Deus.
       A saída para este impasse está na oração. Melhor está em Deus, a quem nos dirigimos, com o salmista: "Saciai-nos desde a manhã com a vossa bondade, para nos alegrarmos e exultarmos todos os dias. Desça sobre nós a graça do Senhor nosso Deus. Confirmai, Senhor, a obra das nossas mãos".

       4 – Se olharmos horizontalmente só veremos o que está à nossa frente, ou o que nos rodeia. Não veremos além do que a nossa vista alcança nem além das primeiras montanhas. A não ser que nos desloquemos. Se olharmos com o coração, começamos a ver mais longe. Podemos sonhar. Imaginar. Há mais mundo. Assim também com os sentimentos e com os afetos. Quando negativos reduzem o nosso mundo, o meu e o teu, tornam-no minúsculo. Quando positivos e/ou bem canalizados alargam o nosso mundo, o nosso olhar, a nossa vida. Fazem-nos querer alargar o espaço e prolongar o tempo, fazer com que dure para sempre.
       Mas para sempre nada dura. Só Deus. Só Ele o garante da nossa memória, da nossa existência, da nossa identidade, para sempre. Isso não resolve os problemas todos, ou nenhum, mas ajuda-nos a relativizar as situações de treva, pois não duram para sempre, e a empenhar-nos com o mundo atual, para nele irmos experimentando a presença de Deus, iniciando a vida eterna, que já está em gestão com a ressurreição de Jesus.
       Desafia-nos São Paulo: “Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus... fazei morrer o que em vós é terreno: imoralidade, impureza, paixões, maus desejos e avareza, que é uma idolatria. Não mintais uns aos outros, vós que vos despojastes do homem velho com as suas ações e vos revestistes do homem novo... não há grego ou judeu, circunciso ou incircunciso, bárbaro ou cita, escravo ou livre; o que há é Cristo, que é tudo e está em todos”.
       Se Cristo é tudo em todos, Cristo que acolhemos ou afastamos quando cuidamos ou maltratamos os outros.

Pe. Manuel Gonçalves

Textos para a Eucaristia (C): Ecl 1, 2; 2, 21-23; Sl 89 (90); Col 3, 1-5. 9-11; Lc 12, 13-21.

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