sábado, 23 de julho de 2016

XVII Domingo do Tempo Comum - ano C - 24 de julho

       1 – A vocação primeira do cristão é apaixonar-se por Cristo e segui-l'O pelos caminhos por Ele propostos. Ele segue à frente e será curial que sigamos os Seus passos. Outras vezes, segue lado a lado connosco. Adianta-Se para que nos esforcemos por alcancá-l'O. Aponta-nos a meta, a direção e o quanto temos ainda que percorrer, para não afrouxarmos! Quando os nossos passos se tornam vacilantes, inseguros, Jesus volta-Se, espera por nós, vem até nós dar-nos ânimo para retomarmos o caminho. Importa não O perder de vista. Ele nunca nos deixa à deriva, mesmo quando parece que vai a dormir na nossa barca…
       A oração é o combustível que nos dá a vitalidade para enfrentarmos as adversidades, a humildade para nos reconhecermos pecadores, a sabedoria para aceitarmos que é a Sua mão que nos leva à felicidade, a pobreza para nos enriquecermos com a Sua graça e nos deixarmos preencher pelo Seu amor.
       O Evangelho de Lucas mostra-nos Jesus, recolhido, a orar. Orar é deixar que Deus fale em nós, rezar é falarmos a Deus da nossa vida, das nossas dificuldades e anseios. Se usarmos este sentido restrito, então, mais importante que rezar importa orar, deixar que Deus nos reze, que Deus diga em nós. A ligação de Jesus ao Pai é constante. A Sua vida é oração ao Pai, oferta, procurando perscrutar a vontade paterna, traduzindo-a nas palavras, nos gestos, no encontro com as pessoas. Porém, Jesus reserva momentos específicos para orar/rezar. Sem mais. Sem outro afazeres.
       Os discípulos percebem a importância da oração na vida de Jesus e deixam-se contagiar por esta postura, pedindo-Lhe que lhes ensine a rezar. O estilo de oração de Jesus leva à imitação. Jesus deixa claro que não são precisas muitas palavras, é imprescindível sintonizar o coração – pensamentos, intenções, propósitos – e a vida – serviço aos outros, luta pela justiça e pela paz, compromisso com os mais frágeis, caridade – com o coração e a vida de Deus.
       2 – A oração torna-nos íntimos de Deus e cúmplices uns dos outros. Rezai assim: «Pai, santificado seja o vosso nome; venha o vosso reino; dai-nos em cada dia o pão da nossa subsistência; perdoai-nos os nossos pecados, porque também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende; e não nos deixeis cair em tentação».
       Percebe-se na oração do Pai-nosso, a prioridade de "orar" e não apenas "rezar". Explico: o fundamental é que a vontade do Pai se realize em nós e em todo o mundo, em todo o tempo. Começamos por reconhecer que Deus é Pai, Pai de todos, nosso Pai. E se todos o temos por Pai, todos procuramos ser-Lhe fiéis, fazendo por concretizar, aqui e agora, a Sua vontade: que todos se salvem!
       Se reconhecemos Deus como Pai e queremos que a Sua vontade se realize em mim, em ti, em nós, tornar-nos-emos mensageiros da alegria e da paz, fazedores de pontes, partidários do diálogo e da reconciliação, da partilha solidária e do perdão, do amor e da humildade, assumindo as próprias fragilidades para aceitar as dos outros. Se rezamos ao Pai, assumimo-nos como filhos, comprometidos uns com os outros, com todos os irmãos. Encaixa aqui o pedido do Pão nosso de cada dia. Se o pedimos ao nosso Pai, não o pedimos só para nós, teremos que o pedir para todos os Seus filhos, para os nossos irmãos.
       Jesus faz-Se Pão e Vida para nós. Por todos. Para todos. Jesus é partilhável. Melhor, se tento açambarcá-l'O, perco-O e traio a Sua mensagem de amor. Como Seus discípulos, como seguidores Seus, também nós teremos de nos fazermos pão e vida uns para os outros e cuidar que a ninguém falte o necessário para viver com dignidade e em segurança.
       3 – Deus não nos deixará sem resposta. A oração ajuda-nos a descobrir o que pedimos a Deus, isto é, que a Sua vontade Se realize no mundo (também) através de nós. A oração dilata o nosso coração e sintoniza-nos com Deus. Coloca-nos em atitude de escuta. A oração é um diálogo com Deus. Falamos a Deus e Deus fala-nos. Deus conhece-nos intimamente. Melhor que nós mesmos. Sabe do que precisamos. Não precisamos de dizer muito. Precisamos de nos dizer. Precisamos de perceber a vontade de Deus, escutando-O, estando atentos ao que nos quer dizer.
       Haverá ocasiões em que sobrevirá a dúvida e a incerteza sobre qual a vontade de Deus para nós e como realizarmos o que nos pede. Desde logo, a certeza que Deus é Pai. A Sua vontade e desejos descem aos nossos desejos e à nossa vontade em sermos felizes. Deus não atenta contra nós. Não nos exige sacrifícios que nos anulem e nos desumanizem, exige-nos, isso sim, dedicação, esforço, e, como Pai, que nos tratemos como irmãos cuidando sobretudo dos mais pequeninos. Nessa ocasião estaremos a cuidar de Jesus Cristo. “Sempre que fizeste isto a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizeste” (Mt 25, 40).
       O exemplo usado por Jesus convida-nos a resistir na oração, confiando em Deus. Se um amigo nos atende pela amizade ou pelo incómodo, quanto mais Deus que é nosso Pai. «Pedi e dar-se-vos-á; procurai e encontrareis; batei à porta e abrir-se-vos-á. Porque quem pede recebe; quem procura encontra e a quem bate à porta, abrir-se-á».
       Deus responder-nos-á como Pai. Podemos não gostar da resposta. Como por vezes não compreendemos as negas e os reparos dos nossos pais. Mas como Pai também Deus tudo fará para nos abençoar, nos proteger e nos guiar à verdadeira felicidade que a todos integra numa só família.
       4 – É expressiva a oração de intercessão de Abraão a favor do povo de Sodoma e Gomorra. Em primeiro lugar, vê-se com clareza como Abraão confia em Deus e na Sua misericórdia. Pede. Sugere. Negoceia. Não para si, mas para os outros. Em segundo lugar, a oração irmana-nos e leva-nos a querer o bem de todos.
       Abraão não cessa de interceder, apelando à compreensão e à benevolência de Deus. E se houver 50 justos na cidade? E se houver 40? «Se o meu Senhor não levar a mal, falarei mais uma vez: talvez haja lá trinta justos... vinte justos... talvez lá não se encontrem senão dez». A resposta de Deus é elucidativa: «Em atenção a esses dez, não destruirei a cidade». No final nem 5 justos! Uma cidade onde impere a injustiça, o egoísmo, a corrupção e a prepotência desembocará inevitavelmente em desgraça e destruição!
       A justiça de Deus é a Sua misericórdia. Deus adia o "castigo" até ao limite, melhor, prorroga todos os prazos para que sejamos salvos pelo Seu amor. A misericórdia de Deus "falha" quando o nosso pecado não Lhe abre qualquer brecha. Só nós podemos, com a liberdade com que Ele nos criou, impedir que a Sua misericórdia nos redima do pecado e da morte.

       5 – A Cruz de Cristo, reafirma São Paulo, cancela a dívida contraída pelo nosso pecado. No batismo configuramo-nos com a morte de Jesus. Com Ele sepultados, no pecado e na morte, para n'Ele e com Ele nos tornarmos novas criaturas, ressuscitando.
       Esta é uma página belíssima do Apóstolo: o documento da nossa dívida foi anulado ao ser cravado na cruz. Em Cristo, Deus perdoa-nos todas as faltas e faz-nos regressar à vida.

       6 – Peçamos a Deus o dom da sabedoria, para que em nós se multiplique a Sua misericórdia e, conduzidos por Ele, “usemos de tal modo os bens temporais que possamos aderir desde já aos bens eternos”. Complete Deus, na Sua bondade, a obra que em nós iniciou.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Gen 18, 20-32; Sl 137 (138); Col 2, 12-14; Lc 11, 1-13.

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