sábado, 14 de maio de 2016

Solenidade de Pentecostes - ano C - 15 . maio . 2016

       1 – A Páscoa é um acontecimento inaudito que altera a história para sempre. Não é um acontecimento materialmente comprovável (em si mesmo) mas é visível e real pelos frutos que gera. Apanha os apóstolos desprevenidos e apanha-nos entre dúvidas e questionamentos. É uma enxurrada de vida e de luz, que por vezes nos sossega e nos impele para o futuro e outras vezes nos assusta e nos retém no passado ou na fragilidade do momento. Com a ressurreição de Cristo, a vastidão do Céu abre-se para nós. Já não vivemos marcados pelas trevas, mas pela claridade, pela luz. Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida. Por Ele vamos ao Pai. É o Rosto e o Corpo e a Presença do Pai.
       Encarnou, viveu, foi morto, ressuscitou. Agora vive junto do Pai, mas com a mesma sacramentalidade de nos dar a eternidade e nos mostrar o Céu. Está presente de maneira nova, pelo Espírito Santo, que Ele envia de junto do Pai e nos dá em abundância. A Sua promessa cumpre-Se em plenitude com o Espírito Santo. Encarnação, Paixão, Páscoa, Ascensão e Pentecostes. Um único mistério de amor. Deus dá-Se totalmente. Ele que nos criou por amor, por amor nos redime.
       No primeiro dia da Semana, tempo novo, de graça e de salvação, de luz e de misericórdia, os apóstolos encontram-se atordoados, ainda inconsoláveis com os acontecimentos dos dias anteriores. O Mestre da Docilidade, que pregou a paz, a justiça, o amor, a inclusão, o perdão, a igualdade entre todos, a filiação comum, um reino para todos, foi preso, escarnecido, esbofeteado, chicoteado, crucificado como um malfeitor. Fica sem chão e sem pátria, Ele que Se abaixou na perfeição, ajoelhando e lavando-nos os pés. É levantado da terra, na Cruz, como escárnio. Que fazer? Como pôde ter acontecido? Não era Ele o Messias prometido? Como pôde Deus permitir tal atrocidade?
       Se foi assim com o Mestre do Amor, não se espera outro desfecho para os seus seguidores! Fogem. Escondem-se. Fecham-se em casa, com medo dos judeus. Naquela tarde, no PRIMEIRO DIA da Nova Criação, Jesus apresenta-Se vivo no MEIO deles. Com a mensagem de sempre: «A paz esteja convosco».
       2 – Para que as dúvidas sejam integradas na fé, Jesus mostra-lhes as mãos e o lado. Não é engano. Não é um fantasma ou um espírito que anda a vaguear. É o próprio Cristo. As marcas da paixão, aliás, as marcas do amor, da entrega, estão visíveis. Não há que enganar. É Cristo Jesus. Não é uma ilusão de ótica, ainda que a fé seja interior, espiritual. Jesus deixa-Se ver. Como prometera. Agora estais tristes, porque vou partir, mas logo regressarei e então a vossa alegria será completa.
       A mensagem ratifica os sinais: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Jesus cumpriu o tempo, preencheu o mundo com a misericórdia de Deus. Três anos intensos. Por campos e cidades. Ao encontro das pessoas. Com gestos e palavras convida todos para o Seu Reino de amor. Com a Sua morte, e previamente preparados, os discípulos assumem a mesma missão de viver e testemunhar o Reino de Deus, levando-o a toda a parte, a todas as pessoas.
       Mas não pensemos que ficam órfãos. Jesus di-lo com antecedência: enviar-vos-ei o Paráclito, o Espírito Santo, vou preparar-vos um lugar, para que onde Eu estou vós estejais também, porquanto não vos deixarei órfãos. O Espírito Santo revelar-vos-á toda a verdade, a verdade que vos transmiti.
       Jesus coloca-Se no MEIO, sopra sobre eles – NOVA CRIAÇÃO – e diz-lhes: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos».
       O Espírito Santo é dado para partilhar a vida e os dons e todo o bem, nunca para reter. O que se guarda perde-se. Ganha-se o que se partilha. Só nos pertence o que damos.
       3 – São Lucas, tal como víamos na semana passada, desdobra o mistério pascal, temporal mas sobretudo espiritualmente. É um mistério tão grande que precisamos de tempo. Precisamos de rezar, meditando a grandeza da bondade de Deus que nos salva dando-nos Jesus, no tempo, e para sempre, dando-nos o Espírito Santo. Jesus vive na Palavra proclamada e vivida, vive nos Sacramentos, especialmente na Eucaristia, que nos deixou como memorial da Sua morte e ressurreição. O pão e o vinho, pela força do Espírito, convertem-se no Corpo e no Sangue de Jesus, alimentando-nos até à vida eterna. Vive por todo o bem que façamos. Vive quando acolhemos os que Ele acolheu, amou e serviu, os mais frágeis.
       A Ascensão torna claro que Jesus agirá nos e pelos Apóstolos. Agora são eles. Agora somos nós. Ficar especados a olhar para o Céu para que Deus resolva o que nos compete não nos insere no reino de Deus. Este constrói-se connosco, com os nossos talentos, com o nosso esforço. Melhor, com a mesma docilidade de Jesus, deixando que Deus Pai atue em nós pelo Seu Santo Espírito.
        Vejamos como é que o Pentecostes mudou para sempre a vida dos discípulos. A acentuação de Lucas não deixa espaço para demissão, para o medo ou para cruzar os braços. Os apóstolos estão encerrados em casa. Eis que "subitamente, fez-se ouvir, vindo do Céu, um rumor semelhante a forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde se encontravam. Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo, que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que se exprimissem".
       Com tamanha barulheira, percebe-se que outras pessoas acorram para ver o que se passa. Sublinha Lucas que eram "judeus piedosos, procedentes de todas as nações que há debaixo do céu". O Espírito Santo não se confina a um lugar ou a um grupo de pessoas. Se alguém se sente agraciado e se abre ao Espírito de Deus perceberá que é constituído missionário a favor de outros. Os Apóstolos são inundados com o fogo do Espírito e imediatamente se tornam o que são: Apóstolos de Jesus Cristo. Quem os ouve percebe-os. É a linguagem do Espírito, do amor, é a linguagem do bem e dos afetos. Todos percebem. Também nós percebemos e nos fazemos perceber se a linguagem é da escuta, do acolhimento e do serviço, da misericórdia, da bênção e do perdão.

       4 – A Páscoa envolve-nos no mistério de Deus. É dom e graça. Não depende de nós, vem de Deus e se de Deus nos vem então só Ele nos pode ensinar a acolher, a perceber e a viver.
       O Apóstolo São Paulo di-lo categoricamente: "Ninguém pode dizer «Jesus é o Senhor» a não ser pela ação do Espírito Santo". É o Espírito Santo que suscita a vocação e nos impele à missão evangelizadora. É do Espírito que recebemos os dons para nos dedicarmos uns aos outros e transformarmos o mundo, a começar pela família, pela comunidade, por aqueles que estão mesmo à nossa beira. Os apóstolos começaram de imediato a irradiar o Evangelho do Reino. Também nós fomos constituídos filhos e herdeiros para repartirmos a herança que recebemos de Cristo pelo Espírito Santo. De facto, diz São Paulo, "há diversidade de dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diversas operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum. Assim como o corpo é um só e tem muitos membros e todos os membros, apesar de numerosos, constituem um só corpo, assim também sucede com Cristo. Na verdade, todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito, para constituirmos um só Corpo. E a todos nos foi dado a beber um único Espírito".
       Verdadeiramente nosso é o que partilhamos com os outros. Não existem dons que não sejam partilháveis. Pelo contrário, se não são para compartir não são dons. O que é dado é para ser ofertado. Nisto se reconhece a bondade e o amor de Deus que se manifesta nos dons que nos aproximam e nos irmanam.
       5 – O Espírito Santo conforma-nos na esperança e anima-nos nas tribulações. Promessa de Jesus: "Quando vos entregarem, não vos preocupeis nem como haveis de falar nem com o que haveis de dizer; nessa altura, vos será inspirado o que tiverdes de dizer. Não sereis vós a falar, mas o Espírito do vosso Pai é que falará por vós" (Mt 10, 19-20).
       A vida em Cristo, pelo Espírito Santo, sob a bênção do Pai, não nos garante uma vida anestesiada, sem dor e sem sabor. Jesus previne os seus discípulos, dizendo-lhes que se O perseguiram a Ele que é Mestre e Senhor, o mesmo farão aos seus seguidores. Vale a pena encaixar aqui algumas palavras do Papa Francisco sobre a dádiva do Espírito e a esperança a que somos chamados: «A esperança é um dom que Deus nos concede, se sairmos de nós mesmos e nos abrirmos a Ele. Esta esperança não dececiona porque o Espírito Santo foi infundido nos nossos corações. Não faz com que tudo apareça bonito, não elimina o mal com a varinha mágica, mas infunde a verdadeira força da vida».

Pe. Manuel Gonçalves



Textos para a Eucaristia (C): Atos 2, 1-11; Sl 103 (104); 1 Cor 12, 3b-7. 12-13; Jo 20, 19-23.

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