quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Domingo II do Tempo Comum - ano C - 17 de janeiro

       1 – O Apóstolo São Pedro, no livro dos Atos dos Apóstolos (10, 34-38), lembra-nos que «Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo demónio, porque Deus estava com Ele».
       O Batismo de Jesus marca uma viragem na Sua vida. O nosso batismo há de marcar um tempo novo, de graça e de salvação. Seguindo entre o Povo, Jesus faz-Se batizar, connosco, para que nos batizemos com Ele. Pedro e os demais apóstolos são batizados na morte e na ressurreição de Jesus, Batismo consumado. A partir desta luz que irradia da Páscoa de Jesus, os discípulos seguem-n'O, anunciando-O, levando-O a todo o mundo, testemunhando-O com palavras e com a vida. Assim terá de ser connosco, batizados, novas criaturas, para vivermos de maneira nova, à maneira de Jesus, amando, servindo, dando a vida, transformando a água em vinho novo para a festa da partilha e da comunhão.
       Na vida de Jesus, e na Liturgia da Igreja, ao batismo segue-se a vida pública. Jesus irrompe pelas aldeias e pelas cidades, pelas montanhas e pelos vales, em terra ou em mar, a anunciar a salvação de Deus, a libertação das pessoas e dos povos, pela misericórdia e pela graça, pelo perdão e pelo amor sem medida, ou melhor, com a medida do amor de Deus.
       2 – No atual ciclo de leituras, ano C, aberto com o primeiro domingo do Advento, o evangelista que mais de perto nos acompanha é São Lucas. Porém, aqui e além, a oportunidade de escutar e mastigar outros evangelhos. Hoje a Liturgia da Palavra brinda-nos com o primeiro milagre de Jesus, segundo o evangelista São João, e que ocorre nas Bodas de Caná da Galileia.
       À primeira vista, Jesus, como Messias esperado e prometido, passa despercebido. Está na festa como convidado. Maria, a Mãe de Jesus foi convidada e em atenção à Mãe também Jesus e os seus discípulos são convidados.
       Jesus não é nenhum bicho de 7 cabeças, estranho, esquisito, extraterrestre. Ele assume-nos por inteiro. E assume-Se como verdadeiro Homem. Sendo Deus é Deus connosco, confunde-Se connosco, encarna, caminha connosco, vive como nós. Não cai do Céu aos trambolhões, nasce de uma Mulher, tem uma família, tem amigos, vai às festas dos familiares, participa nas dores e nas tristezas do seu povo. Não é romantismo, é a vida real de Jesus. Nas Bodas de Caná, Jesus está descontraidamente a festejar. Envolvido. Entre familiares e amigos.
       3 – A festa decorre normalmente. Os noivos estão felizes da vida, talvez um pouco ansiosos, falando com uns e com outros, preocupados em que tudo corra bem e todos se sintam felizes. Do mesmo jeito, os seus pais mal apreciam a comida e a bebida para se assegurarem que nada vai faltar aos convidados.
       Maria é apresentada como Mãe. As mães sempre desenvolvem uma grande perspicácia: atentas a tudo o que diz respeito aos seus filhos, ao que fazem, ao que dizem, ao que sentem, procurando adivinhar-lhes as preocupações. Muitas vezes alargam esta sensibilidade maternal às outras pessoas. Maria, Mãe de Jesus, tal como o Filho, está festejando. Mas mantém-se atenta. É amiga da família e preocupa-se com que tudo corra bem. Há pessoas assim. Maria é modelo e referência. Apercebe-se antes de todos os outros que o vinho está a faltar.
       Diante dos contratempos poderemos bloquear sem saber o que fazer, ou passemos à frente como se não nos dissesse respeito, deixando que outros resolvam. Maria toma a iniciativa e faz o que está ao Seu alcance. Vai ter com Jesus e diz-lhe: «Não têm vinho». Mais que um pedido parece ser um desabafo, isto é, se quiseres podes agir! A oração de Maria não força Deus, mas confia.
       A resposta de Jesus – «Mulher, que temos nós com isso?» – sintoniza, num primeiro tempo, com aquilo que pensamos, por que é que nos havemos de intrometer num problema que não criámos e que não nos diz respeito diretamente?
       «Ainda não chegou a minha hora». Jesus tem consciência do tempo em que Se manifestará a todos. Ainda não terá chegado a hora! Por vezes também nos acontece. Nós é que sabemos, quando, como, com quem, em que circunstâncias. E ficamos retinentes quando nos dizem que temos de fazer isto ou aquilo. Por casmurrice não fazemos. Também aqui Jesus nos dá uma lição importante, fazendo-nos olhar para Maria, Sua Mãe, que não desiste, dizendo aos serventes, que hoje somos nós: «Fazei tudo o que Ele vos disser». O que pedirmos com fé à Mãe, o Filho não deixará de atender. Ela intercede por nós, porque também nos assume como filhos.
       4 – Jesus não demora em justificações ou desculpas. Poderia passar culpas! Quem vai para o mar prepara-se em terra! Se os noivos e as suas famílias marcaram a festa de noivado-compromisso, então deveriam prever o número das pessoas e os dias da festa. Quem não quer ajudar sempre arranja desculpas. Quem se dispõe a ajudar, ajuda quando é preciso ajudar.
       Jesus manda os serventes – que hoje somos nós – encher as talhas de água. Seis talhas de pedra destinadas à purificação dos judeus. 600 litros de água transformada em 600 litros de vinho de qualidade.
       Os serventes seguem Jesus e fazem o que Ele lhes pede. Jesus conta com eles e connosco: «Tirai agora e levai ao chefe de mesa». Sem saber a origem deste vinho novo, o chefe de mesa prova e fica admirado, dizendo ao noivo: «Toda a gente serve primeiro o vinho bom e, depois de os convidados terem bebido bem, serve o inferior. Mas tu guardaste o vinho bom até agora».
       Jesus serve-nos o melhor vinho. Serve-nos a Sua vida por inteiro, cuja abundância já se visualiza neste primeiro milagre. Transforma a água em vinho. Transforma a Sua vida para Se nos dar, no pão e no vinho, com o Seu Corpo e o Seu sangue, em abundância, a abundância do amor.
       5 – As promessas de Deus ao Seu povo, anunciadas pelos profetas, começam a realizar-se. Não podemos não ouvir a voz sonante de Isaías. Também aqui se usa a imagem do noivado.
       "Por amor de Sião não me calarei, por amor de Jerusalém não terei repouso, enquanto a sua justiça não despontar como a aurora e a sua salvação não resplandecer como facho ardente. Os povos hão de ver a tua justiça e todos os reis a tua glória... Não mais te chamarão «Abandonada», nem à tua terra «Deserta», mas hão de chamar-te «Predileta» e à tua terra «Desposada», porque serás a predileta do Senhor e a tua terra terá um esposo. Tal como o jovem desposa uma virgem, o teu Construtor te desposará; e como a esposa é a alegria do marido, tu serás a alegria do teu Deus".
        Deus desposa o Seu povo, permanecendo por perto, não Se afastando mesmo quando é afastado. Os afastamentos trazem a diabolização, as divisões, a conflitualidade nas famílias e nas comunidades. Deus não Se impõe. O "contrato" de casamento é (quase) unilateral. Deus ama primeiro e ama sempre, além do nosso pecado e das nossas infidelidades, além do nosso esfriamento e das nossas hesitações. O olhar de Deus e a Sua mão não se afastam, para não nos perder, para não perder o Seu povo. Deus não desiste. Nunca desiste de nós.

        6 – Com Jesus realizam-se as promessas de Deus. A abundância da Sua vinda e da Sua vida leva-nos ao louvor e à ação de graças: "Cantai ao Senhor um cântico novo, cantai ao Senhor, terra inteira, cantai ao Senhor, bendizei o seu nome. Anunciai dia a dia a sua salvação, publicai entre as nações a sua glória, em todos os povos as suas maravilhas".

       7 – Na segunda leitura, São Paulo lembra-nos que todos somos batizados no mesmo Espírito para formarmos um só povo, vivendo ao serviço uns dos outros, como Jesus que veio para viver connosco, assumindo os nossos sonhos e os nossos pecados, o nosso sofrimento. Cabe-nos, imitando-O, dar a vida pelos nossos irmãos, pelas pessoas que Deus coloca na nossa vida.
       Há diversidade de dons espirituais, de ministérios, de operações, mas "é o mesmo Deus que realiza tudo em todos". Com efeito, os dons recebidos e os ministérios assumidos são em ordem ao bem de todos. "É um só e o mesmo Espírito que dá a um o dom da fé, a outro o poder de curar; a um dá o poder de fazer milagres, a outro o de falar em nome de Deus; a um dá o discernimento dos espíritos, a outro o de falar diversas línguas, a outro o dom de as interpretar. Mas é um só e o mesmo Espírito que faz tudo isto, distribuindo os dons a cada um" para o bem comum.
       Não nos ensoberbeçamos com os dons recebidos, que nos são "emprestados" para o utilizarmos a favor dos outros, como Jesus Cristo que sendo rico Se fez pobre para nos enriquecer com a Sua pobreza. "Infundi em nós, Senhor, o espírito da vossa caridade, para que vivam unidos num só coração e numa só alma aqueles que saciastes com o mesmo pão do Céu."

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano C): Is 62, 1-5; Sl 95 (96); 1 Cor 12, 4-11; Jo 2, 1-11.

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