sábado, 21 de novembro de 2015

Solenidade de Jesus Cristo Rei do Universo - 2015

       1 – Deus liberta-nos para vivermos como filhos, constituindo-nos herdeiros, Sua família, abençoando-nos, reconhecendo-nos irmãos de Jesus Cristo, em Quem recebemos a plenitude da redenção. Com Ele a eternidade fica ao nosso alcance. Participamos da santidade de Deus que Se faz Um connosco, Um de nós. Só há verdadeira fraternidade quando nos considerarmos como iguais, da mesma carne e do mesmo sangue, com a mesma origem e o mesmo fim (destino). Em Jesus Cristo, Deus abaixa-Se, coloca-Se, como dom, ao mesmo nível que nós, prova o sofrimento e a morte, a fragilidade e a finitude, a alegria e a festa, o encontro e a partilha que comunica e gera vida em nós e no mundo que nos circunda.
       Não acima. Não à margem. Não indiferente. Não alheio ou insofrível. Não distante nem juiz iníquo. Não intocável ou sobranceiro à humanidade. Um de nós, Um connosco. Entra na história e no tempo. Caminha connosco. Acompanha-nos. Vive. Ama. Sofre. Sente. Sorri. Cansa-Se. Tem fome e sede e deseja matar a fome e a sede e encontrar o sentir das pessoas, dando sentido à vida. Alegra-Se. Chora. Comove-Se e envolve-Se. Deus, em Jesus Cristo, não é (somente) um Ser Espiritual, tem ROSTO, e carne e corpo e vida. Deixa-Se ver e ouvir, deixa-Se tocar e perceber, deixa-Se amar e odiar, deixa-Se perseguir e matar.
       E ainda assim Aquele Deus que em Jesus Se torna tão próximo, continua a ser Deus. Na história de Jesus, Deus deixa-Se ver. Deixa-Se tocar. Podemos segui-l'O. A divindade como a realeza de Deus é caracterizada pelo abaixamento. É uma soberania de amor, a partir de baixo, a partir de dentro. Deus não Se impõe. Deus propõe-Se, expõe-Se. Sujeita-Se às coordenadas do espaço e do tempo. Sujeita-se a ser rejeitado, perseguido e morto.
       2 – A realeza de Cristo, que hoje celebramos, está despida de poder e de todas as armaduras que pesam, distanciam, afastam e amedrontam. A coroa não tem pérolas ou esmeraldas. É uma coroa de espinhos, tecida com os fios do amor de Deus para connosco. Para Ele a nossa vida vale. Cada vida vale. Só não vale matar – tirar a vida – em nome d'Ele que nos dá a Sua própria Vida. Ele dá a Sua vida, para que a nossa seja abundante.
       Não se levanta para matar ou destruir. Oferece-Se como sacrifício. Dá a Sua vida para que nenhuma vida dada seja tirada ou desperdiçada. Puro dom, entrega total. Até ao fim. Até à última gota de sangue. Não se vislumbram grandezas. Nem exército, nem segurança pessoal, nem palácio, nem cetro. Somente Jesus, somente Ele, com a Sua vida, dando-Se. A realeza está no olhar, no falar, no tocar, no chamar, no amar, no servir. A realeza de Jesus está no encontro, no perdão, na bênção. A realeza de Jesus exprime-se pela proximidade e pela compaixão. Por nós.
       Pilatos fica intrigado com Jesus. Pergunta-lhe se Ele é Rei. Jesus responde-lhe: «O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que Eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui». E logo acrescenta: «Sou Rei. Para isso nasci e vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade».
       A busca do poder é uma característica (ou tentação) muito humana, mas que por vezes desumaniza. A manutenção do poder a qualquer custo, em qualquer situação, não com o ensejo de servir e de melhorar o mundo, mas como possibilidade de subjugar vontades e pessoas, em benefício pessoal, para autossatisfação, tirando proveitos à custa do trabalho e sacrifício de outros, torna o poder preservo.
       Não seja assim entre vós. Dizia Jesus aos seus discípulos, preparando-os para um tempo novo em que eles se tornassem artífices dos novos céus e nova terra. Quem entre vós quiser ser o primeiro seja o servo de todos. Será como o Filho do Homem que veio não para ser servido mas para servir e dar a vida por todos. É um Rei que parte (para a guerra) para morrer em vez dos seus soldados, evitando que se percam. Ele não foge, não Se esconde, não envia outros em Seu lugar, não permite que outros “paguem” por Ele. Quem buscais? Jesus de Nazaré? Sou Eu mesmo!
       3 – Só Deus é Deus e ainda bem. Jesus Cristo como Rei do Universo remete-nos para uma realeza de outra ordem, não é deste mundo, mas ainda assim é realeza, soberania. E ainda bem, pois desta forma não se poderá subjugar a interesses egoístas e livra-nos de despotismos prolongados no tempo. Se Deus é Deus ninguém poderá ocupar esse lugar. Derrubando Deus, privatizando-O, remetendo-O para um lugar secundário e acessório, o perigo real, e que se concretizou em diferentes períodos da história, de pessoas, instituições, ideologias ocuparem o Seu lugar, submetendo tudo e todos em benefício de uns poucos.
       Em Jesus Cristo vislumbra-se a realeza de Deus, como dom a favor da humanidade. "Foi-lhe entregue o poder, a honra e a realeza, e todos os povos, nações e línguas O serviram. O seu poder é eterno, não passará jamais, e o seu reino não será destruído".
       A vinda de Deus é garantia que dá sentido à nossa existência e esperança que nos convoca para a transformação do mundo. Saber que há Alguém que assegura a nossa vida para além do tempo e da história, além das injustiças e sofrimentos atuais, dá-nos coragem para prosseguir caminho. O bem vencerá, e a alegria desta certeza, no encontro com Jesus Cristo, permite encontrar forças para um compromisso permanente, pois em todo o bem que façamos nos encontramos com Deus e realizamos a nossa condição humana.
       Com efeito, "Jesus Cristo é a Testemunha fiel, o Primogénito dos mortos, o Príncipe dos reis da terra. Àquele que nos ama e pelo seu sangue nos libertou do pecado e fez de nós um reino de sacerdotes para Deus seu Pai, a Ele a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Amen. Ei-l’O que vem entre as nuvens, e todos os olhos O verão, mesmo aqueles que O trespassaram; e por sua causa hão de lamentar-se todas as tribos da terra. Sim. Ámen. «Eu sou o Alfa e o Ómega», diz o Senhor Deus, «Aquele que é, que era e que há de vir, o Senhor do Universo».
       4 – Peçamos ao Senhor a humildade para nos submetermos à Sua soberania de amor e conciliação, a sabedoria para percebermos a Sua vontade, a audácia para prosseguimos na luta pelo bem, pela justiça e pela verdade, transparecendo-O nas nossas palavras e nos nossos gestos.
       "Deus eterno e omnipotente, que no vosso amado Filho, Rei do universo, quisestes instaurar todas as coisas, concedei propício que todas as criaturas, libertas da escravidão, sirvam a vossa majestade e Vos glorifiquem eternamente" (oração de coleta).
       A glória de Deus é o homem vivo (Santo Ireneu). Glorificamos Deus na nossa carne, no nosso corpo, na nossa vida, na história, neste momento que nos é dado viver. Não amanhã. Não ontem. É hoje, aqui e agora (hic et nunc). Não com o mundo inteiro. Não com todas as pessoas. É hoje, com as pessoas que estão aqui, que me rodeiam, que Deus me deu para cuidar. Começa aqui e agora. Não depois. Não quando tiver mais tempo. Não quando as condições forem mais favoráveis. Não quando houver mais recursos. É agora que Deus me chama, me convoca, me provoca e me desafia. É agora que Deus me envia. Agora, não logo ou quando tiver mais tempo. É agora que sou discípulo e, simultaneamente, missionário.
       O mundo inteiro é já o meu coração, a minha casa. É a minha disponibilidade para escutar e para a acolher Deus. Para escutar e acolher aquele que vem, aquele que chega, cruzando-se comigo, em casa, na rua, no trabalho, no local de lazer ou em qualquer lugar que os nossos passos e os nossos olhares e os nossos corações e a nossa vida se cruzarem. Começa agora. Não importa deitar contas à vida, ao passado, ao que foi ontem, ainda que o ontem seja integrado hoje. Não amanhã com as possibilidades e os riscos que vêm lá, ainda que a prudência e a preparação nos ajudem quando o futuro se tornar presente. Somos hoje, PRESENTE de Deus para o mundo, para este tempo, para as pessoas que podemos ajudar. O mundo inteiro está aí, o mundo inteiro é a pessoa que posso cuidar, agora, porque nesta pessoa, o meu filho, a minha mãe, o meu vizinho, o meu marido ou a minha esposa, o meu colega de trabalho ou a minha inimiga de estimação, é o mundo inteiro, o tempo todo, o espaço completo, que tenho para amar Deus, para transformar a vida, o mundo, para criar os novos céus e a nova terra. É assim Jesus, em cada olhar, em cada encontro. Com cada pessoa. Há mais pessoas. Mas é esta que tenho de amar, é nesta que tenho de encontrar Deus, é a esta que tenho de dar Deus.

Pe. Manuel Gonçalves



Textos para a Eucaristia (B): Dan 7, 13-14; Sal 92 (93); Ap 1, 5-8; Jo 18, 33b-37.

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