quinta-feira, 9 de abril de 2015

Domingo da Divina Misericórdia - ano B - 12 de abril

       1 – «Meu Senhor e meu Deus!» A profissão de fé de Tomé, simples, breve, direta, fica como marca indelével da caminhada crente, da dúvida diante do mistério de Deus que irrompe na nossa vida, espanto perante tão grande novidade, seguimento após encontro com o Senhor Ressuscitado, e que conduzirá ao testemunho alegre.
       A ressurreição não é um acontecimento da história. Segundo D. António Couto, Bispo desta mui nobre Diocese de Lamego, no programa Ecclesia, emitido pela RTP 2, na passada segunda-feira de Páscoa, o conteúdo da ressurreição vem de fora. A Paixão é relatada, a ressurreição não tem um relato, é uma notícia que vem de fora, é uma vida completamente nova, está fora das coordenadas do tempo e da história. A nossa história humana termina com a morte. A ressurreição é algo de novo, que nos ultrapassa. Vem do alto, vem de Deus, da eternidade, mas deixa marcas na história, esbarra connosco. A partir do primeiro dia da semana, tempo novo, de graça e de salvação, as mulheres, os discípulos, todos os que se deixam encontrar pelo Ressuscitado, transformam as suas vidas e assumem-se como verdadeiras testemunhas da boa notícia da ressurreição que nos aproxima e irmana, para sermos um só Povo.
       2 – O encontro com o Senhor Ressuscitado, dimensão sobrenatural, tem local e hora marcada. Tarde do primeiro dia da semana, em casa onde se encontram reunidos os discípulos, com as portas e janelas trancadas, com medo dos judeus, vem Jesus, coloca-Se no MEIO, o lugar que congrega, reúne, forma família. Estando Jesus no MEIO, o medo dá lugar à alegria, a tristeza converte-se em júbilo.
       Inesperado. Novo. As mulheres já tinham anunciado a ressurreição. Mas é tão difícil compreender como é que Alguém que foi morto possa estar vivo! É uma dúvida que acentua a nossa humanidade. Aquele que não duvida não caminha, pois não tem a capacidade da procura, da descoberta, da conversão. Tomé, o irmão gémeo, nosso gémeo, mostra-nos como passar da incredulidade à fé e ao testemunho. Quando damos tudo por adquirido, fechamo-nos à novidade, ao futuro, àquilo que vem dos outros. “A incredulidade de Tomé é mais útil que a fé dos discípulos que acreditam” (São Gregório Magno). A busca deve ser constante e cada encontro com o Senhor Ressuscitado deve provocar nova procura.
       Deus não Se impõe. Respeita o ritmo de cada um, mas desafia: «Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente... Porque Me viste acreditaste: felizes os que acreditam sem terem visto».
       A fé tem uma dimensão pessoal, encontro com Jesus, que se insere e nos insere na comunidade. Se estamos fora da comunidade, a nossa fé é insegura, titubeante, descaracterizada, não tem raízes que a sustentem. Tomé não estava com a comunidade na tarde daquele primeiro dia. Regressa à comunidade, com Jesus no MEIO, e dá-se a integração e a maturação da sua fé: Meu Senhor e Meu Deus. A comunidade de irmãos ajuda-nos a encontrar Jesus, a amadurecer a fé, a fortalecer a esperança, a potenciar a caridade. Precisamos do encontro pessoal com Jesus Cristo, porém, a comunidade pode preparar-nos e encaminhar-nos para este encontro.
       3 – A Páscoa traz-nos a vastidão do Céu (Ratzinger/Bento XVI), reconcilia-nos com Deus, que pela Sua misericórdia infinita ultrapassa a barreira do nosso pecado, limitação e fragilidade. Jesus, sumo e eterno Sacerdote, liga-nos a Deus, dando-nos Deus, reconciliando-nos uns com os outros.
       «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Recebemos a paz como dom do Ressuscitado, para a comunicarmos aos outros. O encontro com Jesus transforma-nos e torna-nos irmãos.
       A comunidade dos discípulos segue as pegadas do Mestre, procurando que a Sua mensagem e a Sua postura seja traduzida HOJE nos comportamentos de cada cristão. «A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma; ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas tudo entre eles era comum. Os Apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus com grande poder e gozavam todos de grande simpatia. Não havia entre eles qualquer necessitado, porque todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas e traziam o produto das vendas, que depunham aos pés dos Apóstolos. Distribuía-se então a cada um conforme a sua necessidade».
       A ressurreição recupera os discípulos que se perderam, à exceção de Judas. Voltam a seguir Jesus, procurando colocá-l’O no centro, atualizando os seus gestos, a Sua Mensagem de amor e de perdão, a Sua opção preferente pelos mais frágeis.
       Vê-se bem como as comunidades primitivas não apenas pregam mas vivem verdadeiramente a chamada justiça social, partilhando conforme a necessidade de cada um.

       4 – O mistério pascal, a experiência de encontro com Jesus, leva à conversão pessoal e comunitária. Como víamos antes, a fé faz-nos caminhar em conjunto. Não faria sentido que partindo e orientando-nos para Deus, estivéssemos isolados ou de costas voltadas. Quando isso acontece, é sinal que o nosso coração e a nossa vida se desviaram da sua identidade cristã.
       «Onde se destrói a comunhão com Deus, que é comunhão com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo, destrói-se também a raiz e a fonte de comunhão entre nós. Onde a comunhão entre nós não for vivida, também a comunhão com o Deus-Trindade não é viva nem verdadeira» (Bento XVI, Sacramentum Caritatis, 76).
       Belíssima, esclarecedora e interpelativa a página da primeira Carta de São João:
«Quem acredita que Jesus é o Messias, nasceu de Deus, e quem ama Aquele que gerou ama também Aquele que nasceu d’Ele. Nós sabemos que amamos os filhos de Deus quando amamos a Deus e cumprimos os seus mandamentos, porque o amor de Deus consiste em guardar os seus mandamentos. Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé».
       As primeiras comunidades responderam rapidamente ao discipulado, provendo às necessidades de todos, procurando que todos se tratassem como irmãos, identidade recebida de Jesus Cristo, morto e ressuscitado.
       Como respondem HOJE as nossas comunidades e cada um de nós como membros do único Corpo de Cristo que é a Igreja? Vivemos como irmãos? Sentimos como nossas as dores dos vizinhos? Apostamos na misericórdia ou na crítica? Somos assíduos à oração, participamos da vida da comunidade cristã a que pertencemos? Fazemo-lo com alegria ou como um peso?

       5 – Neste Domingo da Misericórdia, o segundo de Páscoa, instituído por São João Paulo II, os textos da liturgia facilmente nos remetem para a misericórdia de Deus, que, em Jesus Cristo, nos gera para uma vida nova. É por amor que Deus nos dá Jesus; é por amor que no-l’O devolve vivo; é por amor que assiste à Sua Igreja pelo Espírito Santo.
       O amor de Deus, a Sua misericórdia, faz em nós maravilhas, transforma o mundo que habitamos em lugar de encontro e de fraternidade. Jesus leva à plenitude a caridade divina ao entregar-Se por nós e ao introduzir-nos na eternidade de Deus, com a Sua ressurreição de entre os mortos, antecipando o nosso futuro, para trabalharmos no presente com mais afinco.
       É como família nova e renovada que rezamos: «Diga a casa de Israel: é eterna a sua misericórdia… A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular. / Tudo isto veio do Senhor: é admirável aos nossos olhos. /Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de alegria».

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano B): Atos 4, 32-35; Sl 117 (118); 1 Jo 5, 1-6; Jo 20, 19-31.

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