sábado, 8 de novembro de 2014

Dedicação da Basílica de São João de Latrão - 9/novembro

       1 – A dedicação de um altar e/ou de uma Igreja assinala e visualiza o fundamento de determinada comunidade crente, referencia um espaço especial dedicado a Deus, para uma maior proximidade, recolhimento e intimidade do homem com Deus, e para a comunidade se reunir e viver como Igreja.
       A basílica de São João de Latrão é a Sede do Bispo de Roma, considerada a igreja-mãe de todas as igrejas da Urbe e do Orbe (da cidade e do mundo), «preside à assembleia universal da caridade» (Santo Ambrósio). Celebrando a Dedicação desta Basílica, Cátedra de Pedro, sinalizamos o amor e a unidade à volta do Sucessor de Pedro.
       Quando se fala do Papa, logo nos lembramos do Vaticano e da Basílica de São Pedro. No entanto, o Papa é eleito antes de mais para se tornar Bispo da Diocese de Roma, que tem a Sua Cátedra (= Sé Catedral) em São João de Latrão.
       Na Diocese de Lamego, a data da Dedicação da Sé Catedral e a 20 de novembro, celebrando-se no Domingo seguinte. A Dedicação da Catedral sublinha a unidade à volta da sede episcopal, ou melhor, à volta do Sucessor dos Apóstolos, que preside àquela porção do Povo de Deus.
       2 – Os espaços sagrados aproximam-nos da nossa dimensão espiritual e transcendental. Somos muito mais do que o que comemos, vestimos e possuímos. A nossa vida estende-se, alarga-se e aprofunda-se para lá do tempo, para lá do espaço geográfico que percorremos ao longo dos nossos dias.
       Há um santuário em cada um de nós. Um santuário sagrado, dedicado, inviolável, para nos encontrarmos como pessoas, para encontrarmos a nossa origem e o nosso destino: Deus. Mas, além disso, como seres humanos, precisamos de espaço (e de tempos) para o encontro com os outros. Podemos acentuar a oração individual, e, dessa forma, também a fé. Contudo, encontrar-me com Deus implica que me encontre com os outros. Unir-me a Deus, pela oração e meditação, desemboca na união aos outros. Ou então a minha união com Deus não é nem séria, nem autêntica, nem transcendental, será apenas uma apropriação egoísta, temporária, possessiva e diabólica. O que me separa ou me afasta dos outros, o que me isola e me faz estar contra ou apesar dos outros, não vem de Deus. De todo.
       A Encarnação de Deus, com Jesus Cristo, faz disso expressão, sinal, sacramento: a eternidade, a transcendência, a divindade, o infinito, tornam-se acessíveis e percetíveis ao ser humano. Em Jesus, Deus assume a condição limitada, finita, temporal, submetendo-se, por amor, às coordenadas espácio-temporais. A mais sublime adoração é realizada em espírito e verdade. Mas, porquanto, não sendo nem anjos nem puros seres espirituais, situamo-nos perante os outros e perante a história, num determinado tempo e num espaço (físico) concreto. Assim também a nossa relação com Deus, situa-nos na história humana, onde Ele nos procura e nos encontra e onde Se deixa procurar e encontrar por nós.
       3 – Quando não houver espaços sagrados, nem tempos dedicados, deixamos de ser o que somos: pessoas, seres em relação com um mundo que vai além do nosso olhar. Há um mundo interior que nos protege dos outros, quando necessário, e que fundamenta a nossa individualidade, melhor, a nossa identidade. Esta forja-se em dois movimentos: o que nos diferencia e o que nos aproxima dos outros. Somos o que somos no confronto com o que os outros são. Se só existíssemos nós, não saberíamos o que somos, ou quem somos, ou o sentido da nossa estada neste mundo.
       Jesus sobe ao Templo de Jerusalém, na cidade santa, imagem evocativa da Jerusalém celeste, a mais santa das moradas do Altíssimo, e constata que o Templo erigido para honrar a Deus e aproximar as pessoas, afinal é usado para desonra de Deus, vendendo-O e negociando-O aos melhores preços. Ali se praticam todo o tipo de maquinações e injustiças, formas de ganhar mais, exigindo a quem tem menos, mas cuja fé os torna generosos muito para lá das suas possibilidades.
       A reação de Jesus é inesperada. Os que por ali andam já nem estranham. Também nós nos habituamos à realidade que nos circunda, à violência, à corrupção, ao sofrimento, à morte (notícias horripilantes, é o pão nosso de cada dia, já nada nos choca). Aceitamos porque não há nada a fazer ou porque sempre foi assim, pelo menos desde que nos lembramos. Jesus escandaliza-se, faz um chicote, expulsa os vendedores e cambistas, os vendilhões e os seus animais, derruba as mesas e o dinheiro dos cambistas e diz aos que vendem as pombas: «Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai casa de comércio».
       Sob tensão, Jesus mantém a delicadeza, tendo o cuidado de ordenar aos que vendem as pombas para as retirarem daquele espaço. Os judeus presentes, os que negoceiam, os que maquinam, os que se entranharam naquele espetáculo perguntam a Jesus: «Que sinal nos dás de que podes proceder deste modo?» E é então que Jesus faz a ponte para outro Templo: «Destruí este templo e em três dias o levantarei». Os judeus, porém, não percebem que Jesus lhes fala do Seu próprio Corpo, como Templo no qual somos resgatados e no qual nos encontramos como irmãos.
       4 – O que nos distingue dos outros seres vivos é o nosso mundo interior, a dimensão espiritual, a capacidade de amar e de acolher o amor, a capacidade de refletir a vida, o sofrimento e a morte, abstraindo-nos do que nos rodeia. Jesus, nesta como em outras ocasiões, aponta para esta prioridade essencial, a intimidade com Deus em Quem encontra mais intensidade para Se fazer próximo de nós.
       Desengane-se, todavia, quem quiser fazer da religião uma dimensão meramente espiritual e separada da vida, do mundo, do tempo, da história, do espaço. Tudo o que em nós é espiritual, está ligado à terra: somos um corpo espiritual. Deus encarnou. Não queiramos desencarnar e viver sobre as nuvens. “Peço-te ó Pai, não que os retires do mundo mas que os guardes do mal”.
       Tensão saudável esta entre a vida interior e, para ser autêntica e humana, a sua expressão exterior. Eu cá tenho a minha fé. Eu para rezar não preciso de ir à Igreja, rezo em casa. Deus está em todo o lado. Confessar-me? Confesso-me diretamente a Deus, afinal só Ele precisa de saber os meus pecados. Padrinhos? Que é que a Igreja tem a ver com isso? Eu escolho os que entendo serem os melhores. Ir à Missa? "Ouço-a" na televisão. Aliás vejo a da RTP e depois a da TVI e são Missas tão lindas. Gosto tanto de ir a Fátima, mas não me puxa para ir à “nossa” Igreja, ver as mesmas caras…
       Estas são algumas formas de espiritualizarmos e individualizarmos a fé e a religião.
       Fazer da religião um acontecimento sociológico, com um conjunto de ritos, de práticas, de tradições, oportunidade de encontro, de festa, de convívio, sem a fé, sem a ligação a Deus, sem a experiência pessoal de encontro com Jesus, é redutor. Mas dispensar a dimensão comunitária (social) da fé, é descarná-la. Ora, Deus veio ao mundo e assumiu um CORPO humano, sujeito ao tempo e ao espaço. Um corpo – a Sua vida por inteiro – que Ele entregou por nós. Encontramo-nos, descobrimo-nos e amamo-nos no corpo que somos, integrando o Corpo de Cristo que é a Igreja.
       Problema do nosso tempo é que temos menos casa e menos igreja. Atarefados com mil e uma coisas, não nos resta muito tempo para estarmos em casa e, sobretudo, em família. Do mesmo jeito, vamos à Igreja se não há mais nada para fazer. Se vêm uns amigos de Guimarães, ou se o almoço é de festa, deixamos a Igreja, pois pode esperar. Faltando a família e a comunidade (a casa e a Igreja), pouco nos resta para vivermos saudavelmente. Para os descrentes, para que não fiquem eternamente ensimesmados, frequentem espaços (e tempos) de encontro, de descoberta, de partilha…

       5 – São Paulo incentiva-nos a edificar o Corpo de Cristo, Verdade do amor de Deus em nós:
«Vós sois edifício de Deus. Segundo a graça de Deus que me foi dada, eu, como sábio arquiteto, coloquei o alicerce e outro levanta o edifício. Veja cada um como constrói: ninguém pode colocar outro alicerce além do que está posto, que é Jesus Cristo. Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é santo e vós sois esse templo».
       Somos o templo que Deus habita. Se o alicerce é Jesus Cristo, cada um de nós concorrerá para a construção do Corpo completo de Cristo, para o Seu templo sagrado, a Igreja. O edifício apoia-se e identifica-Se com Ele. Por aqui se conclui facilmente que a dimensão espiritual nos compromete com os outros, na imitação da Sua postura e da Sua opção preferencial pelos mais frágeis.

       6 – Aquilo que havemos de ser só se manifestará totalmente na eternidade. Para já caminhamos, deixando que Deus nos habite e sendo morada uns para os outros, com a certeza que Ele nos conduz às águas refrescantes, como Bom Pastor; do Seu Templo, como refere Ezequiel, saem águas que nos purificam e nos salvam. As fontes da salvação estão acessíveis em Cristo, no Seu Corpo que é a Igreja.
«Deus é o nosso refúgio e a nossa força, auxílio sempre pronto na adversidade. Por isso nada receamos ainda que a terra vacile e os montes se precipitem no fundo do mar. Os braços dum rio alegram a cidade de Deus, a mais santa das moradas do Altíssimo. Deus está no meio dela e a torna inabalável, Deus a protege desde o romper da aurora».
Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia: Ez 47, 1-2. 8-9. 12; Sl 45 (46); 1 Cor 3, 9c-11. 16-17; Jo 2, 13-22.

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