sábado, 6 de setembro de 2014

XXIII Domingo do Tempo Comum - ano A - 7 de setembro

       1 – "Antes quebrar que torcer". Este popular provérbio, de origem desconhecida, usado numa das cartas de Sá de Miranda (1481-1558), tem, como outras máximas, um sentido positivo e um sentido negativo. Pode revelar uma teimosia inútil e infantil, recolhendo-se na própria ignorância, na inabalável certeza de se ser dono da verdade, numa ambição desmedida e egoísta que tem em conta apenas as próprias ideias e interesses. Por outro lado, poderá significar a força de vontade perante as adversidades e contratempos. Não desistir da vida. Não desistir de procurar uma vida melhor, com justiça e verdade, lutando pelos próprios direitos e pelos direitos dos outros. Ir à procura de soluções e de respostas sem baixar os braços e mesmo no meio da intempérie ser capaz de ver o sol para lá das nuvens.
       A mentalidade atual inclina-se perigosamente para um sentido negativo: a nossa vida sem os outros. Quando os outros não estão por nós, há que colocar um travão. O muro de Berlim caiu, mas levantaram-se muitos outros muros, como o de Jerusalém, muitas barreiras culturais, religiosas, políticas, sexistas, ideológicas, que nos afastam e fazem que em vez de irmãos sejamos efetivamente inimigos.
       Nas relações pessoais, familiares, na relação patrão-empregado (e vice-versa), num grupo ou associação, quando chegam as primeiras arrelias vai cada um para seu lado. Obviamente que não é de hoje. Ao longo da história da humanidade e, concretamente, na vida da Igreja, essas cisões acontecerem, pese embora os esforços em sentido contrário.
       Jesus Cristo convida-nos a um sentido positivo, inclusivo, acentuando a caridade e o perdão. Devemos combater o pecado, mas procurar, sempre, salvar o pecador, pois este é Filho de Deus. Certo será que como os pais, Deus tudo fará para reconciliar todos os que andam desavindos. E com Ele também nós temos esta tarefa.
       2 – Vejamos o texto do Evangelho:
«Se o teu irmão te ofender, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se te escutar, terás ganho o teu irmão. Se não te escutar, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão fique resolvida pela palavra de duas ou três testemunhas. Mas se ele não lhes der ouvidos, comunica o caso à Igreja; e se também não der ouvidos à Igreja, considera-o como um pagão ou um publicano… Digo-vos ainda: Se dois de vós se unirem na terra para pedirem qualquer coisa, ser-lhes-á concedida por meu Pai que está nos Céus. Na verdade, onde estão dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles».
       Desistimos de muitas coisas, por preguiça ou por cansaço. Desistimos facilmente das pessoas. Chateiam-nos? Então que sigam outro caminho. Nós seguiremos tranquilamente o nosso caminho, procurando que os espinhos não manchem a harmonia da nossa vida. Como se isso fosse possível! Com efeito, as pedras que encontramos no caminho podem ajudar-nos a ir mais longe, a subir mais alto, se as utilizarmos como degraus e não como tropeço. “Se encontrares um caminho sem obstáculos, provavelmente não leva a nenhum lugar” (Frank A. Clark).
       A REDENÇÃO só é possível pela CARIDADE traduzível e concretizável no PERDÃO.
       Não se pode desistir do outro só porque nos ofendeu, ou porque não vamos com a sua cara. Não é cristão. Ser cristão é seguir as pegadas de Jesus, o seu jeito de DIZER e de FAZER. As Sua palavras são autoritárias pois realizam o que prometem. Brotam do coração. São a Sua vida. Os seus gestos trazem a autenticidade do Seu amor por nós. Há de ir tão longe quanto possível. Até à última gota de sangue. Mesmo nos momentos finais, de angústia, Ele tem o discernimento e a força para perdoar – Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem –; a grandeza para nos confiar Maria por Mãe, e a benevolência para nos entregar com Ele ao Pai.
       Perdoar não é esquecer o mal feito, é aceitar o outro com as suas fragilidades e reconhecer que também nós somos barro e, mesmo que não seja intencional, podemos magoar os outros.
       Há que esgotar todas as possibilidades de reconciliação, na certeza que a rutura ainda que seja entre duas pessoas envolve toda a comunidade, pois destrói o tecido que nos une a todos como irmãos.
       Quando dois ou três se reunirem em nome de Jesus, Ele estará no meio deles. A Oração torna-nos irmãos, une-nos a Deus. Em Deus somos irmãos. A oração dispõe-nos ao perdão, deixando-nos transformar pelo amor, autorizando que Deus nos resgate de toda a divisão, de todo o mal.
       3 – Somos RESPONSÁVEIS PELOS OUTROS no bem e no mal (Ezequiel):

Eis o que diz o Senhor: «Filho do homem, coloquei-te como sentinela na casa de Israel. Quando ouvires a palavra da minha boca, deves avisá-los da minha parte. Sempre que Eu disser ao ímpio: ‘Ímpio, hás de morrer’, e tu não falares ao ímpio para o afastar do seu caminho, o ímpio morrerá por causa da sua iniquidade, mas Eu pedir-te-ei contas da sua morte. Se tu, porém, avisares o ímpio, para que se converta do seu caminho, e ele não se converter, morrerá nos seus pecados, mas tu salvarás a tua vida».
       Se Jesus refere a necessidade de não desistir da pessoa que nos ofendeu, também Ezequiel visualiza a responsabilidade que temos para com aquele que se transviou dos caminhos do Senhor. Deus pedir-nos-á conta se lavamos as mãos, como Pilatos. Já no Génesis, Deus, bom e compassivo, perdoa e resgata Caim, mas responsabiliza-o pela morte do irmão.

       Quando Deus pergunta a Caim pelo irmão Abel, a contra pergunta é sintomática: «Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9). Quantas vezes também nós fizemos ou fazemos esta pergunta? Serei responsável pelas asneiras dos outros? Terei que pagar pelos seus pecados? Se ele está no erro, por que é que me hei de estar a chatear?
       As palavras de Deus são inequívocas: pedir-te-ei contas! A nossa missão não é obrigar o outro, mas mostrar, em palavras e com a vida, o caminho que leva à felicidade, ao bem, a Deus.

       4 – A nossa responsabilidade pelos outros deriva da CARIDADE que nos vem de Jesus. Seguindo-O, a nossa vida terá que se caracterizar pela compaixão, misericórdia, perdão, pela procura da justiça e da verdade, pelo compromisso com a dignidade de cada pessoa. Sou responsável pelo meu irmão, especialmente pelo irmão desprotegido, desventurado.
       Vejamos a belíssima página de São Paulo:
Não devais a ninguém coisa alguma, a não ser o amor de uns para com os outros, pois, quem ama o próximo, cumpre a lei. De facto, os mandamentos que dizem: «Não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás», e todos os outros mandamentos, resumem-se nestas palavras: «Amarás ao próximo como a ti mesmo». A caridade não faz mal ao próximo. A caridade é o pleno cumprimento da lei.
       Que mais acrescentar? Caridade. Caridade. Caridade. Como bem resumiu Santo Agostinho: Ama e faz o que quiseres. O amor aperfeiçoa todas as leis que abençoam e protegem.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Ez 33, 7-9; Sl 94 (95); Rom 13, 8-10; Mt 18, 15-20.

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