terça-feira, 23 de setembro de 2014

Catequese de Bento XVI sobre o santo Padre Pio

Queridos irmãos e irmãs,

No centro da minha peregrinação a este lugar, onde tudo fala da vida e da santidade de Padre Pio de Pietrelcina, tenho a alegria de celebrar para vós e convosco a Eucaristia, mistério que constitui o âmago de toda a sua existência: a origem da sua vocação, a força do seu testemunho e a consagração do seu sacrifício. Saúdo com grande afecto todos vós, aqui reunidos em grande número, e quantos se encontram unidos a nós mediante a rádio e a televisão. Em primeiro lugar, saúdo o Arcebispo Domenico Umberto D'Ambrosio que, depois de anos de serviço fiel a esta Comunidade diocesana, se prepara para assumir o governo da Arquidiocese de Lecce. Agradeço-lhe cordialmente também porque se fez intérprete dos vossos sentimentos. Saúdo os demais Bispos concelebrantes. Dirijo uma saudação especial aos Frades Capuchinhos, juntamente com o Ministro-Geral, Frei Mauro Jöhri, o Definitório Geral, o Ministro Provincial, o Padre Guardião do Convento, o Reitor do Santuário e a Confraria Capuchinha de San Giovanni Rotondo. Além disso, saúdo com reconhecimento aqueles que oferecem a sua contribuição ao serviço do Santuário e das obras adjacentes; saúdo as Autoridades civis e militares; saúdo os sacerdotes, os diáconos, os outros religiosos e religiosas, bem como todos os fiéis. Dirijo um pensamento afectuoso a quantos se encontram na Casa "Alívio do Sofrimento", às pessoas sozinhas e a todos os habitantes desta vossa cidade.


Há pouco ouvimos o Evangelho da tempestade acalmada, que foi acompanhado de um texto breve mas incisivo do Livro de Job, em que Deus se revela como o Senhor do mar. Jesus ameaça o vento e ordena ao mar que se acalme, interpelando-o como se ele se identificasse com o poder diabólico. Com efeito, segundo o que nos dizem a primeira Leitura e o Salmo 106 [107], na Bíblia o mar é cosiderado um elemento ameaçador, caótico e potencialmente destruidor, que somente Deus, o Criador, pode dominar, governar e acalmar.

Porém, existe uma outra força uma força positiva que move o mundo, capaz de transformar e renovar as criaturas: a força do "amor de Cristo", (2 Cor 5, 14) – como a define São Paulo na Segunda Carta aos Coríntios –: portanto, não essencialmente uma força cósmica, mas sim divina, transcendente. Age também no cosmos mas, em si mesmo, o amor de Cristo é um "outro" poder, e esta sua alteridade transcendente, o Senhor manifestou-a na sua Páscoa, na "santidade" do "caminho" por Ele escolhido para nos libertar do domínio do mal, como tinha acontecido no êxodo do Egipto, quando fez sair os judeus através das águas do Mar Vermelho. "Ó Deus – exclama o salmista – santos são os vossos caminhos... Sobre o mar foi o vosso caminho / e a vossa senda, no meio da águas caudalosas" (Sl 77 [76], 14.20). No mistério pascal, Jesus passou através do abismo da morte, porque Deus assim quis renovar o universo: mediante a morte e a ressurreição do seu Filho, "morto por todos", para que todos possam viver "para Aquele que, por eles, morreu e ressuscitou" (2 Cor 5, 16), e não vivam unicamente para si mesmos.

O gesto solene de acalmar o mar tempestuoso é claramente um sinal do senhorio de Cristo sobre os poderes negativos e leva a pensar na sua divindade: "Quem é Este – interrogaram-se admirados e cheios de terror os discípulos – a Quem até o vento e o mar obedecem?" (Mc 4, 41). A sua fé ainda não é sólida, mas está a formar-se; é um misto de medo e de confiança; o abandono confiante de Jesus ao Pai é, ao contrário, total e puro. Por isso, por este poder do amor, Ele pode adormecer durante a tempestade, completamente seguro nos braços de Deus. No entanto, virá o momento em que também Jesus sentirá medo e angústia: quando chegar a sua hora, Ele sentirá sobre si mesmo todo o peso dos pecados da humanidade, como uma onda alta que está prestes a cair sobre Ele. Esta, sim, será uma tempestade terrível, não cósmica, mas espiritual. Será o derradeiro e extremo assalto do mal contra o Filho de Deus.

Todavia, nessa hora Jesus não duvidou do poder de Deus Pai e da sua proximidade, embora tenha tido que experimentar plenamente a distância do ódio em relação ao amor, da mentira em relação à verdade e do pecado em relação à graça. Experimentou este drama em si mesmo de maneira dilacerante, especialmente no Getsémani, antes de ser preso, e depois durante toda a paixão, até à morte na cruz. Nessa hora Jesus, por um lado, foi um só com o Pai, abandonando-se plenamente a Ele; por outro, enquanto solidário com os pecadores, foi por assim dizer separado e sentiu-se como que abandonado por Ele.

Alguns Santos viveram intensa e pessoalmente esta experiência de Jesus. Padre Pio de Pietrelcina foi um deles. Um homem simples, de origens humildes, "arrebatado por Cristo" (Fl 3, 12) como escreve de si mesmo o Apóstolo Paulo para dele fazer um instrumento eleito do poder perene da sua Cruz: poder de amor pelas almas, de perdão e de reconciliação, de paternidade espiritual e de solidariedade efectiva para com aqueles que sofrem. Os estigmas, que o marcaram no corpo, uniram-no intimamente ao Crucificado-Ressuscitado. Seguidor autêntico de São Francisco de Assis, fez sua, a exemplo do Pobrezinho, a experiência do Apóstolo Paulo, como ele mesmo descreve nas suas Cartas: "Estou crucificado com Cristo! Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" (Gl 2, 19-20); ou então: "Em nós age a morte, e em vós a vida" (2 Cor 4, 11). Isto não significa alienação, perda da personalidade: Deus nunca anula o humano, mas transforma-o com o seu Espírito e orienta-o para o serviço do seu desígnio de salvação. Padre Pio conservou os seus dons naturais e até o seu próprio temperamento, mas ofereceu tudo a Deus, que pôde servir-se disto livremente para prolongar a obra de Cristo: anunciar o Evangelho, perdoar os pecados e curar os doentes no corpo e no espírito.

Como aconteceu com Jesus, a verdadeira luta, o combate radical, Padre Pio teve que enfrentá-los não contra inimigos terrenos, mas sim contra o espírito do mal (cf. Ef 6, 12). As maiores "tempestades" que o ameaçavam eram os assaltos do diabo, dos quais se defendia com "a armadura de Deus", com "o escudo da fé" e com "a espada do Espírito, que é a palavra de Deus" (Ef 6, 11.16.17). Permanecendo unido a Jesus, ele teve sempre em vista a profundidade do drama humano, e para isto se entregou e ofereceu os seus numerosos sofrimentos, e soube dedicar-se à cura e ao alívio dos doentes, sinal privilegiado da misericórdia de Deus, do seu Reino que há-de vir, aliás, que já se encontra no mundo, da vitória do amor e da vida sobre o pecado e a morte. Guiar as almas e aliviar os sofrimentos: assim se pode resumir a missão de São Pio de Pietrelcina, como pôde dizer dele também o Servo de Deus, Papa Paulo VI: "Era um homem de oração e de sofrimento" (Aos Frades Capitulares Capuchinhos, 20 de Fevereiro de 1971).

Estimados amigos, Frades Menores Capuchinhos, membros dos grupos de oração e todos os fiéis de San Giovanni Rotondo, vós sois os herdeiros de Padre Pio e a herança que ele vos deixou é a santidade. Numa das suas cartas, ele escreve: "Parece que Jesus não tem outra preocupação, a não ser a santificação da vossa alma" (Epist. II, pág. 155). Esta era sempre a sua primeira solicitude, o seu anseio sacerdotal e paterno: que as pessoas voltassem para Deus, que pudessem experimentar a sua misericórdia e, interiormente renovadas, redescobrissem a beleza e a alegria de ser cristãos, de viver em comunhão com Jesus, de pertencer à sua Igreja e de praticar o Evangelho. Padre Pio atraía para o caminho da santidade com o seu testemunho pessoal, indicando com o exemplo a "senda" que para ela conduz: a oração e a caridade.

Antes de tudo, a oração. Como todos os grandes homens de Deus, Padre Pio tornou-se ele mesmo oração, alma e corpo. Os seus dias eram um rosário vivo, ou seja, uma contínua meditação e assimilação dos mistérios de Cristo em união espiritual com a Virgem Maria. Assim se explica a singular coexistência, nele, de dons sobrenaturais e de consistência humana. E tudo tinha o seu ápice na celebração da Santa Missa: ali ele unia-se plenamente ao Senhor morto e ressuscitado. Da oração, como de uma fonte sempre viva, jorrava a caridade. O amor que ele trazia no coração e transmitia aos outros era repleto de ternura, sempre atento às situações concretas das pessoas e das famílias. De modo especial pelos doentes e pelos sofredores, nutria a predilecção do Coração de Cristo, e precisamente dela adquiriu origem e forma o projecto de uma grande obra dedicada ao "alívio do sofrimento". Não se pode compreender, nem interpretar adequadamente tal instituição, se a mesma for separada do seu manancial inspirador, que é a caridade evangélica, animada por sua vez pela oração.

Caríssimos, tudo isto é proposto de novo hoje por Padre Pio à nossa nossa atenção. Os riscos do activismo e da secularização estão sempre presentes; por isso, esta minha visita tem também a finalidade de vos confirmar na fidelidade à missão herdada do vosso amadíssimo Padre. Muitos de vós, religiosos, religiosas e leigos, estais tão ocupados com as numerosas incumbências exigidas pelo serviço aos peregrinos, ou então aos enfermos no hospital, que correis o risco de descuidar aquilo que é verdadeiramente necessário: ouvir Cristo, para cumprir a vontade de Deus. Quando vos dais conta de que estais próximos de correr este perigo, olhai para Padre Pio: para o seu exemplo, os seus sofrimentos; e invocai a sua intercessão, a fim de que vos obtenha do Senhor a luz e a força de que tendes necessidade para dar continuidade à sua própria missão, imbuída de amor a Deus e de caridade fraterna. E do Céu, que ele continue a exercer a maravilhosa paternidade espiritual que o caracterizou durante a sua existência terrena; continue a acompanhar os seus confrades, os seus filhos espirituais e toda a obra por ele encetada. Juntamente com São Francisco e com Nossa Senhora, que ele amou em grande medida e fez amar neste mundo, vele sobre todos e vos proteja sempre. E então, também nas tempestades que se podem elevar repentinamente, podereis experimentar o sopro do Espírito Santo que é mais forte que todo o vento contrário e que impele a barca da Igreja e cada um de nós. Eis por que motivo devemos viver sempre na serenidade e cultivar no coração a alegria, dando graças ao Senhor: "O seu amor é para sempre" (Salmo responsorial).

Amém!

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