sábado, 14 de junho de 2014

Festa da Santíssima Trindade - 15 de junho de 2014

       1 – “Sede alegres, trabalhai pela vossa perfeição, animai-vos uns aos outros, tende os mesmos sentimentos, vivei em paz. E o Deus do amor e da paz estará convosco. Saudai-vos uns aos outros com o ósculo santo. Todos os santos vos saúdam. A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco”.
       São Paulo, partindo da realidade das comunidades e das tensões próprias de grupos humanos, sabendo que não é fácil conjugar as variadas sensibilidades, remete para a origem e fundamento da fé e da comunidade: o Deus de Jesus Cristo – o amor do Pai, a graça do Filho, Jesus Cristo, e a comunhão do Espírito Santo. Que todos, embora diferentes, procurem viver com os mesmos sentimentos, em dinâmica de paz.
       2 – Somos pouco trinitários, na Igreja e na sociedade. Existem muitas pessoas e grupos que promovem a corresponsabilidade, a participação de todos, procurando as melhores soluções, criando as condições para que todos se sintam em casa. Porém, o ideal "eu quero, posso e mando" está muito vincado e são demasiadas as situações que vem ao de cima a prepotência, o egoísmo, a imposição das próprias ideias pela chantagem, pelo poder, pelo controlo dos instrumentos de decisão.
       São conhecidos os totalitarismos do passado, as ditaduras derrubadas que em muitos países foram substituídas por outras mais sofisticadas, por vezes mudando o extremo. Para já não falar na ditadura do mercado, a economia, a inflação e os lucros em crescendo, muitas vezes à custa de trabalho escravo. Melhorar os objetivos de produção. Novos objetivos. Mais horas de trabalho, secundarizando a família, a saúde, os tempos de descanso e de lazer, os tempos dedicados a outras atividades humanizadoras, cultura, desporto, religião... Há dias ouvi um comentário que me faz refletir. Uma empresa aumenta o lucro, o funcionário faz mais trabalho pelo mesmo ordenado, então é possível dispensar alguns trabalhadores, ou substituí-los por máquinas automáticas, para que o lucro seja maior. A lógica expectável seria: maior lucro para manter os postos de trabalho e eventualmente empregar mais pessoas, melhorando as condições de trabalho e a sustentabilidade da empresa.
       Olhando para as últimas eleições europeias, em que a maioria simplesmente ficou em casa, indiferente ou como protesto, uma das leituras possíveis é o cansaço e a desconfiança das pessoas em relação àqueles que nos governam, prevalecendo minorias que se impõem pelo radicalismo de posições. O descontentamento beneficiou os partidos e ideologias mais fixistas, mais radicais, mais extremistas, onde prevalece o líder como o único a decidir e a pensar e todos os outros seguem atrás, ou diluindo as ideias próprias num projeto impessoal do partido. Reclama-se por uma refundação da democracia, mas o desejo, expresso em votos, é promover alguém que obrigue, imponha, expulse, exclua, vire costas aos que não são da família ou não têm a mesma ideologia ou a mesma nacionalidade. E lembrar-nos que o Hitler foi eleito…

       3 – O papa Francisco, tal como fazia em Buenos Aires, tem insistido na cultura do encontro, na cultura do diálogo. Esta cultura implica dar e receber. Todos temos algo de útil e positivo a dar. Todos temos a ganhar recebendo dos outros. Se parto para um diálogo para impor a minha vontade, decidido a não fazer cedências, esperando que os outros renunciem às suas ideias e convicções, pois as minhas propostas são as melhores que se podem encontrar no mercado, não será possível encontrar-me verdadeiramente com o outro. Em vez de diálogo temos monólogo, em vez de encontro, submissão, em vez de compromisso, imposição.
       Em grupos eclesiais, associações, partidos políticos, clubes desportivos, vem muitas vezes ao de cima a prevalência de uma pessoa, ou de um conjunto de ideias que rejeitam tudo o mais, mesmo antes de escutar e/ou avaliar. Veja-se, por exemplo, uma disputa eleitoral. Aquele que ganha, ilude-se, muitas vezes, pensando que as suas ideias são as melhores do mundo. Ora, o eleito pode vencer por diversos motivos, simpatia, competência reconhecida, capacidade de liderança.
       Na cultura do encontro, o diálogo fala e escuta, acolhe e contribui, interage para melhorar propostas, as relações pessoais, familiares, comunitárias, empresariais, profissionais. Se eu sei tudo e ninguém me pode ensinar, em nenhum aspeto, fecho-me a toda a novidade e a toda a riqueza que outros me tragam, deixo de progredir. Um sonho sonhado sozinho não passa de um sonho, um sonho sonhado com os outros torna-se realidade (frase atribuída a John Lennon).
       A evolução humana, social, política, cultural e religiosa, passa pelo diálogo, pelo encontro, pelo contributo de várias pessoas e povos. Há génios e descobertas extraordinárias. Mas ainda assim contam com os outros, a começar pelos genes, pela vida, e por intuições anteriores. Dessa forma, a humanidade avança. O "criador" humano não parte do nada, do vazio, ou de um início absoluto, avança a partir de alguma coisa, de outros, de outras invenções.

       4 – Viver trinitariamente, assumir na vida quotidiana o que professamos na nossa fé cristã coloca-nos imensos desafios, mas que nos engrandecem, descobrindo o melhor de nós e dos outros. Em Deus, a perfeita comunhão de vida e de amor. Três Pessoas, UM só Deus, como Jesus revela na oração sacerdotal: Eu e o Pai somos UM, para que vós sejais UM. Um só Deus, Trindade de Pessoas.
       Quando nos guiamos só por nós, pela nossa intuição, pelo nosso instinto, não passamos de animais entre animais. Também as outras espécies animais se regulam pelo instinto de sobrevivência e proteção dos da sua espécie. Há, a esse propósito, espécies animais que conseguem ser mais eficazes na entreajuda e na sobrevivência, trabalhando em grupo. A nossa inteligência pode e deve levar-nos mais longe. Celebrar o Pentecostes, celebrar a Santíssima Trindade é assumir que o caudal de Amor que circula em Deus se estende e se ramifica em nós e, através de nós, no mundo.
       A vida humana não se reduz à biologia, mas floresce na vida interior, na vida espiritual, na vontade, na reflexão. Somos um TODO, corpo, alma e espírito. Somos corpo que se situa no tempo e no espaço, somos espírito que se enlaça, afetiva e espiritualmente, nos outros.
       O Evangelho mostra-nos como Jesus vive trinitariamente. Dirige-Se ao Pai, evocando a força do Espírito Santo. Em situações concretas desafia os seus discípulos a acolher a novidade do Espírito e o bem que vem dos outros. Como não lembrar aquela missão em que os discípulos foram enviados a anunciar a Boa Nova, com o poder de curar e de expulsar demónios. Ao regressarem, dizem a Jesus o que viram e ouviram e como proibiram outros de agir do mesmo modo, só porque não faziam parte do grupo. A resposta de Jesus é clarificadora: quem não está contra nós, está por nós. Deixai que eles continuem. Não podem fazer algo em Meu nome e estarem contra Mim. O próprio grupo dos discípulos é heterogéneo, na origem, nos interesses, na maneira de ser. Une-os o mesmo amor ao Mestre, ou o poder que esperavam alcançar.

       5 – A cultura do diálogo e do encontro há de conduzir à civilização do amor, de que falava Paulo VI, tema retomado muitas vezes por João Paulo II. É a o AMOR, o Espírito Santo, que une o Pai e o Filho. O Pai que ama, o Filho que é amado, e o Espírito Santo, o Amor que faz a comunhão. É na Trindade que nasce a Igreja. É por amor, para nos salvar, que, em Jesus, Deus assume a nossa frágil condição humana. É por amor que Jesus vai até ao fim, dando a última gota de sangue. É por amor que Deus faz permanecer Jesus, através do Espírito Santo.
       Diz Jesus a Nicodemos: «Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele».
       A condenação não é querida por Deus. Resulta da nossa liberdade. Podemos recusar o amor, podemos destruir a esperança. Podemos fechar-nos em oposição aos outros. A vontade de Deus é a vida dos homens, a sua salvação. Moisés faz essa experiência de proximidade: invoca Deus que desce da nuvem e vem ao seu encontro. A oração de Moisés ajuda-nos a colocar-nos diante de Deus: «O Senhor, o Senhor é um Deus clemente e compassivo, sem pressa para Se indignar e cheio de misericórdia e fidelidade... Se encontrei, Senhor, aceitação a vossos olhos, digne-Se o Senhor caminhar no meio de nós. É certo que se trata de um povo de dura cerviz, mas Vós perdoareis os nossos pecados e iniquidades e fareis de nós a vossa herança».
       Apesar da dureza do caminho, e também por isso, Moisés, em nome de todo o povo, pede que Deus caminhe no meio, perdoando os seus, os nossos, pecados.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia: Ex 34, 4b-6. 8-9; 2 Cor 13, 11-13; Jo 3, 16-18.

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