sábado, 24 de maio de 2014

Domingo VI da Páscoa - ano A - 25 de maio de 2014

       1 – O que é que faz uma pessoa quando vai partir? A resposta dependerá do tipo de partida: se vai de viagem, em trabalho para um país estrangeiro ou para uma cidade distante para voltar seis meses depois, ou se a partida é definitiva, para a eternidade. Há, porém, pontos comuns e um deles é a casa arrumada, no aspeto mais físico mas sobretudo espiritual. Fazer as malas. Despede-se dos amigos. Passa os últimos momentos com a família, aproveitando para tranquilizar os que ficam, com a presença e o estímulo dos que o veem partir. Deixa recomendações, para a sua ausência, prometendo não se esquecer e não querendo, consequentemente, ser esquecido. Se é por algum tempo, terá meios, e hoje mais que nunca, de permanecer ligado, contactável, para que não seja tão intensa e desgastante a saudade e a distância. Se a partida é para sempre... para quem tem fé, o apelo à esperança, a certeza de um reencontro na eternidade, a fé de uma presença na Presença de Deus, pela oração. Para quem não tem fé, as palavras poderão não ser muito diferentes, esperando um "quem sabe!"
       Jesus, tomando consciência da HORA que se aproxima, prepara os seus discípulos. Pode ver-se, no evangelho HOJE proposto, a tensão para a Cruz mas também para a Ascensão ao Céu. "Não vos deixarei órfãos: voltarei para junto de vós. Daqui a pouco o mundo já não Me verá, mas vós ver-Me-eis, porque Eu vivo e vós vivereis... Eu pedirei ao Pai, que vos dará outro Paráclito, para estar sempre convosco: Ele é o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não O vê nem O conhece, mas que vós conheceis, porque habita convosco e está em vós".
       Foram tão intensos aqueles três anos com os discípulos, que estes terão oportunidade para reviver os momentos e as palavras, descobrindo novos significados, colocando em prática o que antes experimentaram. O passado não será uma prisão, ou um tempo para esquecer, mas um desafio para novas vivências, seguindo a postura do Mestre.
       2 – Ele vai partir. Há que esclarecer os seus discípulos, os amigos mais próximos, sossegando-os e fixando a condição para manterem a CONEXÃO: guardar o Seus Mandamentos. Não é propriamente um conjunto de regras ou normas que abriguem uma cartilha de pecados e de proibições. Guardar os Mandamentos significa acolher o amor de Deus, o amor que une o Pai e o Filho, enlaçado pelo Espírito Santo. Quem ama permanece em Deus e Deus permanece nele. Quem O ama, procura em tudo ser-Lhe agradável, como procuramos ser agradáveis para com as pessoas de quem gostamos. Sublinhe-se, que agradar a Deus não é um capricho divino, mas é a forma, o conteúdo, o instrumento, de entrarmos em lógica de salvação. Seremos agradáveis a Deus amando e servindo o próximo. Sentindo-nos úteis e protagonistas da história que se refaz pela compaixão, pelo amor, pelo serviço aos outros.
       «Se Me amardes, guardareis os meus mandamentos. Se alguém aceita os meus mandamentos e os cumpre, esse realmente Me ama. E quem Me ama será amado por meu Pai e Eu amá-lo-ei e manifestar-Me-ei a ele». Esta é a condição e a certeza de estar em Deus: cumprindo os Seus Mandamentos, viver amando. Exatamente a atitude que assumimos com aqueles que respeitamos, por aqueles a quem nos unem laços de amizade, ou por aqueles a quem temos a obrigação de servir.

       3 – Depois da morte de Jesus, os discípulos precisam de tempo para processar e atualizar tudo o que Ele lhes tinha dito, mas sobretudo precisam do Espírito Santo, dado com a Sua Ressurreição. Só à luz da Ressurreição se torna possível entender a Mensagem de Jesus e torná-la acessível para todos. Ressuscitando, Jesus aparece aos discípulos e logo lhes dará o Espírito Santo, para que a Sua Ascensão signifique sobretudo uma presença mais espiritual, mais abrangente, mais profunda. Doravante prevalecerá a fé e a esperança, animadas com a caridade, ligando deste modo a profissão de fé ao mundo e à história. Foi o Seu compromisso, terá de ser o dos seus discípulos, é o horizonte, o chão, o ambiente da nossa vida.
       Tudo se altera a partir da Vida Nova que Ele traz aos Seus, com a força do Espírito Santo, com a Luz que vem das alturas e inunda o mundo inteiro, a começar pelo túmulo onde fora colocado.
       É HORA de os discípulos espalharem a Boa Notícia da salvação. Aquele que foi morto, Deus O ressuscitou dos mortos. O projeto de perdão e de compaixão, de amor e de serviço, protagonizado por Jesus, volta agora com toda a força do Ressuscitado, a vastidão do Céu – feliz expressão de Bento XVI – chega até nós.
       O tempo das portas fechadas já lá vai: "Filipe desceu a uma cidade da Samaria e começou a pregar o Messias àquela gente. Houve muita alegria naquela cidade. Quando os Apóstolos que estavam em Jerusalém ouviram dizer que a Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram-lhes Pedro e João. Quando chegaram lá, rezaram pelos samaritanos, para que recebessem o Espírito Santo, que ainda não tinha descido sobre eles: só estavam batizados em nome do Senhor Jesus. Então impunham-lhes as mãos e eles recebiam o Espírito Santo". 
       Os dons de Deus não são um exclusivo dos primeiros, são privilégio que se estende ao mundo inteiro, a todos aqueles e aquelas que se predispuserem a acolher o próprio Deus. Deus não dá nada menos que a Si mesmo (Ratzinger/Bento XVI). Os Apóstolos recebem o Espírito Santo, anunciam o Evangelho, e comunicam-n'O a outros, aumentando o número dos discípulos de Jesus.
       4 – Eloquente e luminosa a mensagem de São Pedro, anunciando Jesus, convocando outros para O anunciarem, dando razões da fé professada, mas pedindo cuidado e respeito por todos, mesmo quando maltratados. Em tudo, o importante é fazer o bem, seguindo as pegadas de Jesus:
       "Venerai Cristo Senhor em vossos corações, prontos sempre a responder, a quem quer que seja, sobre a razão da vossa esperança. Mas seja com brandura e respeito, conservando uma boa consciência, para que, naquilo mesmo em que fordes caluniados, sejam confundidos os que dizem mal do vosso bom procedimento em Cristo. Mais vale padecer por fazer o bem, se for essa a vontade de Deus, do que por fazer o mal. Na verdade, Cristo morreu uma só vez pelos nossos pecados – o Justo pelos injustos – para nos conduzir a Deus. Morreu segundo a carne, mas voltou à vida pelo Espírito".
       A alegria que nos vem da fé há de ser ponte de diálogo, de encontro, de partilha, de comunhão, com novos laços, vida nova, libertando-nos para construir um mundo novo, inundado de Deus. O nosso testemunho há de ser perfume que atrai, que envolve, que provoca adesão e seguimento de Jesus Cristo. As palavras e os gestos que usamos deverão ser promotores de vida e de felicidade. Fazer o bem, sempre. Amor com amor se paga (São João da Cruz). Ao Amor recebido, de Deus, amor partilhado, com os irmãos. Mesmo à ofensa, responder com este Amor maior.

       5 – O anúncio da Boa Nova, que nos compromete, gera alegria em nós e a quem escuta de coração leve, disponível, humilde. É na humildade que Maria Se enche de Alegria, e prepara o Seu Corpo e a Sua vida por inteiro para acolher o Corpo de Deus e no-l’O dar.
       A primeira Igreja, Maria, alegra-se no Seu Senhor. A Sua alma rejubila em Deus, predispondo-Se a engrandecer a presença de Deus. E tal é o Seu sim, que a Palavra Se faz Carne e Vida n’Ela. E com este jeito simples, belo, humilde, de acolher Deus, a alegria que se estende a Isabel, aos noivos de Caná, e se renova com a vinda do Espírito Santo, em dias de Pentecostes, que breve celebramos como quem se dispõe a transparecer o Deus que também em nós quer ser carne e vida.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Atos 8, 5-8.14-17; Sl 65 (66) 1 Ped 3, 15-18; Jo 14, 15-21.

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