sábado, 1 de março de 2014

Domingo VIII do Tempo Comum - ano A - 2 de março

       1 – «Não vos inquieteis com o dia de amanhã, porque o dia de amanhã tratará das suas inquietações. A cada dia basta o seu cuidado».
       Por mais esforços que façamos, não é possível dispensarmos o que somos ou o futuro que almejamos. Todavia, o passado não pode ser empecilho para vivermos e nos comprometermos com a atualidade, no trabalho, na família, na Igreja. Más experiências podem tirar-nos confiança e deixar-nos com pouca vontade para insistirmos... O futuro pode assustar-nos. Perante o mundo que nos envolve, cujo pessimismo é justificado por milhentas situações destrutivas, também o amanhã poderá surgir sombrio.
       E, no entanto, a palavra de Deus desafia-nos à temperança, caldeada na esperança e na fé, colocando o nosso olhar e a nossa vida em Deus. Só Ele garante que o chão não nos foge debaixo dos pés, mesmo quando experimentamos a instabilidade do mar alto, com o nevoeiro das nossas limitações, com as tempestades dos nossos fracassos. Ele está no nosso barco, ainda que pareça que vai a dormir. Ele está. Quantas situações nos apetece gritar por Ele, que Ele nos dê um sinal, uma prova, uma evidência?
       Aos seus discípulos, e hoje somos nós, Jesus mostra um CAMINHO claro de salvação e vida: «Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro».
       Aí está mais uma chave de leitura, uma escolha a fazer, uma prioridade a assumir. Se o fim da nossa vida é colocado nos outros ou nos bens materiais, vamos pouco a pouco perdendo o pé e sairemos desiludidos. E por quê? Quanto às pessoas, por mais queridas que sejam, são seres humanos, limitados, finitos, e por mais perfeitas que sejam há aspetos em que nos desiludem, ou pelo menos não plenizam o que esperávamos. Por outro lado, temporalmente não nos acompanharão sempre, alguém deixará esta vida mais cedo.
       Quanto aos bens materiais, ao dinheiro, sabendo que são necessários para vivermos com dignidade, não os podemos assumir como fim da nossa vida, pois seria de uma pobreza estéril. No no final o que precisaremos é da companhia, da presença de alguém que nos compreenda, e nos apoie, que goste de nós e a quem possamos confiar os nossos segredos mais íntimos. Se o dinheiro for o nosso deus maior, então nunca estaremos satisfeitos, mesmo que tenhamos o justo para viver bem quereremos sempre mais, mais não seja para termos mais que os outros. E também isto nos tira o sono e a tranquilidade. Também isto nos traz fadiga e desilusão, nos traz doença e traz a morte ao humano que existe em nós.
        2 – «Não vos inquieteis com o dia de amanhã, porque o dia de amanhã tratará das suas inquietações. A cada dia basta o seu cuidado». O convite de Jesus é verdadeiramente libertador. A ambição, com conta peso e medida, ambição solidária, que procura melhorar o mundo e não apenas a própria vida à custa dos outros, sabendo que estamos no mesmo barco, para o bem e para o mal. O que se descarta é a ganância, pura e simples, pela qual os fins justificam todos os meios, e até as pessoas são usadas enquanto geram lucro. Isto é algo destrutivo, desumano.
       Precisamos de pouco para viver bem: saúde, amor, amigos, companhia, saber que ALGUÉM nos sustem para lá da instabilidade e para lá do tempo.
       Vale a pena ler/escutar o texto do Evangelho:
«Não vos preocupeis, quanto à vossa vida, com o que haveis de comer, nem, quanto ao vosso corpo, com o que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que o vestuário? Olhai para as aves do céu: não semeiam nem ceifam nem recolhem em celeiros; o vosso Pai celeste as sustenta. Não valeis vós muito mais do que elas? Quem de entre vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar um só côvado à sua estatura? ... Bem sabe o vosso Pai celeste que precisais de tudo isso. Procurai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo».
       A nossa humildade passa por aqui, tomarmos consciência que o essencial da nossa vida está dentro de nós, na atitude que assumimos perante os outros, na postura face à vida, com as suas dificuldades e com as suas potencialidades. Há muitas coisas que não dependem de nós. Estas podem paralisar-nos, se queremos controlar todas as coordenadas, ou podem libertar-nos se, reconhecendo as nossas limitações, nos apoiamos na bondade de Deus sem temermos arriscar a própria vida. As coordenadas são-nos interiores: Deus, bem, amor, verdade, perdão, comunhão. E estão ao nosso alcance.

       3 – «Não vos inquieteis com o dia de amanhã, porque o dia de amanhã tratará das suas inquietações. A cada dia basta o seu cuidado». O futuro por vezes serve de desculpa para hoje não nos comprometermos. Duas razões: por medo, pois não sabemos o que trará o dia de amanhã, assusta-nos, e também face à nossa história de vida que não nos permite agir com confiança. E para quê sofrermos por antecipação? Por outro lado, adiamos, logo se vê, amanhã as coisas podem estar melhor, quando tivermos tempo, quando tivermos mais dinheiro, quando as condições forem mais favoráveis. Mas as circunstâncias nunca serão ideais, e o que deixarmos de fazer hoje, amanhã poderá escapar-nos ou não teremos mais tempo, como aquele filho que foi adiando o encontro com o pai para lhe pedir perdão pela distância, pela arrelia, pela rebeldia; quando se resolveu já não chegou a tempo, o pai tinha falecido na semana anterior. E agora? Muitas vezes está macambúzio pelo tempo que perdeu longe da ternura do Pai lamentando-se pelas vezes que esteve quase a telefonar e a visitá-lo.
       "O amor começa hoje. Hoje alguém sofre. Hoje alguém está na rua. Hoje alguém tem fome. Hoje temos de começar. Ontem já passou. Amanhã ainda não chegou. Somente hoje podemos anunciar Deus, amando, servindo, alimentando os que têm fome, vestindo os que estão nus, dando aos pobres um teto sobre as suas cabeças. Não espereis até amanhã. Amanhã eles estarão mortos, se nada lhes dermos hoje" (Madre Teresa de Calcutá).
       A vida não é preto e branco, é multicolor. Nem todos conseguem exercitar-se de tal forma que nem o passado nem o futuro paralisem as suas vidas, mas é pelo menos um desafio, deverá ser um compromisso, para nos tornarmos mais saudáveis, para não nos arrependermos depois, para potenciarmos os nossos talentos, para ajudarmos o mundo a ser uma casa para todos.

       4 – «Não vos inquieteis com o dia de amanhã, porque o dia de amanhã tratará das suas inquietações. A cada dia basta o seu cuidado». Quantas preocupações me afetam agora? Pode acontecer que não saiba para onde me virar e em quem poderei confiar.
       Em Isaías vêm ao de cima do lamento de Sião: «O Senhor abandonou-me, o Senhor esqueceu-Se de mim». Mas logo a resposta pronta do Senhor: «Poderá a mulher esquecer a criança que amamenta e não ter compaixão do filho das suas entranhas? Mas ainda que ela se esquecesse, Eu não te esquecerei».
        É nesta certeza que rezamos: "Só em Deus descansa a minha alma, d’Ele me vem a salvação. D’Ele vem a minha esperança. Ele é meu refúgio e salvação, minha fortaleza: jamais serei abalado". Ainda que os meus pés vacilem, nada temerei porque o Senhor está comigo.
       À semelhança do salmista, também o Apóstolo São Paulo confia no Senhor e na Sua misericórdia, pelo que não receia o juízo rápido e impaciente dos homens: «De nada me acusa a consciência, mas não é por isso que estou justificado: quem me julga é o Senhor. Portanto, não façais qualquer juízo antes do tempo, até que venha o Senhor, que há de iluminar o que está oculto nas trevas e manifestar os desígnios dos corações. E então cada um receberá da parte de Deus o louvor que merece».
        Saber que só Deus em definitivo me julgará e que posso contar com a Sua misericórdia infinita, alarga as possibilidades de hoje me comprometer sabendo que o futuro está assegurado por Ele, e não será em vão todo o bem que possa fazer pelos que me acompanham nesta viagem pelo tempo e pela história.

Textos para a Eucaristia (ano A): Is 49, 14-15; Sl 62 (63); 1 Cor 4, 1-5; Mt 6, 24-34.

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