quarta-feira, 26 de março de 2014

Ao lado dos Pobres - Teologia da Libertação

GUSTAVO GUTIÉRREZ e GERHARD LUDWIG MÜLLER. Ao lado dos Pobres. A Teologia da Libertação é uma Teologia da Igreja. Paulinas Editora. Prior Velho 2014. 208 páginas.
       Com a eleição do então Cardeal Jorge Mario Bergoglio, em 13 de março de 2013, escolhendo o nome de Francisco, em homenagem a Francisco de Assis, colocando o acento tónico na Igreja pobre e dos pobres, a Teologia da Libertação ganhou nova visibilidade. Longe vão os tempos em que a Teologia da Libertação esteve sob suspeita, sendo acusada, por ignorância e preconceito, de uma teologia marxista, partindo da análise socioeconómica, na persecução do mesmo objetivo da luta de classes.
       Desde logo, no centro da Teologia da Libertação, cuja paternidade tem um rosto de fidelidade à Igreja e ao Magistério, e fidelidade e compromisso com os pobres do Peru, sua terra natal, englobando toda a América Latina e Caribe, a opção preferencial pelos pobres, expressão acarinhada pelos Bispos locais em diversas Assembleias, é uma opção que decorre do amor gratuito e misericordioso de Deus pelos pobres, não pela bondade dos mesmos. Em Jesus, Deus que encarna e Se "localiza", os pobres têm lugar à mesa, hão de ser os primeiros a ser servidos. A Teologia da Libertação é verdadeira teologia, parte de Deus, do Evangelho, acolhe o magistério eclesial, colocando o enfoque precisamente na opção pelos pobres, não como adenda, mas como compromisso irrenunciável. Por outro lado, mesmo servindo-se das ciências humanas e sociais, da análise socioeconómica, não visa, como no marxismo, a troca de uma classe social por outra, mas a dignidade da pessoa humana, de todas as pessoas. A economia de mercado, a globalização da economia, na maioria das vezes não levou a melhorias da vida da maioria, mas sobretudo a abertura dos mercados emergentes para obrigar o escoamento dos produtos das nações mais ricas.
       Vê-se como o autor - não renunciando ao enfoque próprio da Teologia da Libertação, mostrando com clareza que toda a teologia tem em conta a particularidade, a começar pelo próprio Jesus, judeu de nascimento - mantém uma pose de grande humildade e abertura, explicando uma ou outra vez, sublinhando que o mais importância nem é a relevância da Teologia da Libertação, mas o serviço aos mais pobres.
       O Papa Francisco tem precisamente sublinhado como a Igreja deverá ir às periferias geográficas e sobretudo existenciais, tendo vindo também ele de uma periferia.
       A reflexão resultante do Concílio Vaticano II, sobretudo com a Constituição Gaudium et Spes, com a abertura da Igreja ao mundo e a necessidade de uma leitura atenta e atual aos sinais dos tempos, é precisamente berço para o nascimento da Teologia da Libertação, que procura ler e responder aos sinais de uma América Latina pobre, empobrecida, periférica. Gustavo Gutiérrez não se deixou enredar em polémicas e respondeu sempre com abertura às estruturas da Igreja, nomeadamente perante a Congregação para a Doutrina da Fé, com o então Cardeal Ratzinger, como o próprio [Ratzinger] a empenhar-se pessoalmente no diálogo frutuoso com o pai da Teologia da Libertação, acolhendo a riqueza deste património, cuidando para minorar os riscos de desvio e apropriação da Teologia da Libertação por algum regime ditatorial.
       Curiosamente, o parceiro desta publicação é o atual Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Gerhard Ludwig Müller (feito Cardeal no dia 21 de fevereiro de 2014, pelo Papa Francisco). Outra curiosidade, é que foi nomeado para Prefeito por Bento XVI, a 2 de julho de 2012, para substituir o cardeal norte-americano William Joseph Levada, por limite de idade.
        O próprio Gutiérrez sublinha o risco de alguns desvios teóricos e práticos da Teologia da Libertação, sem que seja essa a sua génese. No livro, Gerhard Müller, deixa claro que "o movimento eclesial e teológico latino-americano conhecido como "Teologia da Libertação", que se espalhou por outras partes do mundo depois do Concílio Vaticano II, deve, em minha opinião, ser incluído entre as correntes mais importantes da teologia católica do século XX".
       Continua a haver muitos críticos da Teologia da Libertação, que o fazem uma e outra vez por ignorância e preconceito. Mas também a polémica se gera do lado dos que arremessam com esta Teologia contra a Igreja e o Magistério. No entanto, a coletânea dos textos recolhidos neste livro, publicada em 2004, na Alemanha, mais os textos do de Gerhard Müller, afastam-se claramente de qualquer polémica, num equilíbrio ímpar. Sublinhe-se também, que durante a reflexão/análise na Congregação para a Doutrina da Fé, sob a batuta do então Cardeal Joseph Ratzinger, nunca o movimento foi criticado. Por outro lado, o Papa João Paulo II recorrerá por diversas vezes à linguagem nova que vem das Conferências Episcopais da América Latina e Caribe, reunidas em Medellín (1968), Puebla (1979), Santo Domingo (1992). A "opção preferencial pelos pobres" entra definitivamente no vocabulário da Igreja e a necessidade da Nova Evangelização enraíza-se precisamente nas Assembleias do episcopado latino-americano, sancionando a Teologia da Libertação. Posteriormente, a Assembleia da CELAM (Episcopado Latino-Americano) em Aparecida, no Brasil, em 2007, e tal como o fez João Paulo II, também Bento XVI lhe dirigiu palavras de estímulo num discurso muito cristológico.
       Para melhor compreender o que significa Teologia da Libertação, mas sobretudo a opção preferencial pelos pobres, que ao tempo de Cristo tinham nome - Lázaro -, e que agora são uma maioria sem nome e sem chão, este é um excelente texto, de fácil compreensão. O propósito da Teologia da Libertação, com um enfoque específico, visa o mesmo que toda a Teologia, que Cristo seja tudo em todos.

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