sábado, 8 de fevereiro de 2014

Domingo V do Tempo Comum - ano A - 9 de fevereiro

       1 – Disse Jesus aos seus discípulos: «Vós sois o sal da terra. Mas se ele perder a força, com que há de salgar-se? Não serve para nada, senão para ser lançado fora e pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; nem se acende uma lâmpada para a colocar debaixo do alqueire, mas sobre o candelabro, onde brilha para todos os que estão em casa. Assim deve brilhar a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus».

       2 – Jesus continua a abrir a mente e o coração dos seus discípulos, com ensinamentos, gestos, encontros, situações que exigem respostas concretas e, por vezes, imediatas. Hoje, utiliza duas analogias, duas imagens, para fazer compreender aos seguidores a sua missão no mundo, na vida, na história. Vós sois para o mundo o que o sal é na comida: tempero, sabor, sentido. Sois no mundo o que a luz é no meio das trevas: caminho, orientação, transparência.
       Já todos fomos surpreendidos, em alguma ocasião, por uma refeição insossa, sem sal, sem sabor, intragável. É certo que por questões de saúde alguns têm de reduzir ao sal, mas leva tempo até o paladar se habituar a uma comida que parece não saber a nada. Curiosamente, a sabor está nos alimentos, na carne, no peixe, na hortaliça, nas batatas, no arroz, nos ovos. O sal permite-nos apreciar as diferentes dietas alimentares. Se falta sal nada sabe bem. (Por questões de saúde a cozinha substitui o sal por outros condimentos, mas é o referencial simbólico mantém-se).
       O sal, como o fermento, dá forma, textura, potencia o sabor dos alimentos. Não se dá conta do sal ou do fermento. Só a sua falta se faz notar. Assim, mutatis mutandis, os discípulos de Jesus. Mesmo que de forma impercetível deverão levar sabor e sentido ao mundo, atuando com eficácia e persistência, como o sal, como o fermento, nos alimentos.
       Habituados que estamos à eletricidade, quando falha logo ficamos desnorteados. Para alguns é o acesso à internet, a televisão, a rádio, os eletrodomésticos que permitem confecionar os alimentos, o aquecimento ou o ar condicionado. Mas de imediato, e estamos a falar da tarde-noite, procuramos resolver o problema da luz, com uma vela, uma lanterna, com a luz do telemóvel, prosseguindo com dificuldade às apalpadelas com o medo de chocar contra algum objeto. É um transtorno. Mesmo conhecendo o local em que nos movemos é com muita dificuldade que saímos do sítio. Esperamos um pouco a ver se a luz volta ou se os olhos se habituam à escuridão.
       Mas basta um lampejo de claridade e já nos orientamos. E se cada um de nós for essa pequena luz para os outros? E se juntarmos a nossa à luz do vizinho?
        3 – O discípulo de Jesus não pode seguir na correnteza da moda ou da opinião pública, pois esta tanto pode ser positiva e inclusiva, como destrutiva e desagregadora. Podemos até não pisar terra firme e encontrarmo-nos sobre as águas nos mares das Galileias do nosso tempo, podemos até ser apanhados por vendavais e tempestades, mas a referência, a LUZ, o farol que nos guia, é Jesus Cristo, e Ele garante-nos que nada nos separará do Seu amor. Ele estende-nos a mão. Atrai-nos com o Seu olhar. Não nos safa das dificuldades. Porém, sabermos que Alguém está por perto, nos conforta e nos dá ânimo para prosseguir, permite-nos enfrentar o que nos assusta e o que nos faz sofrer. Precisamos dos amigos, dos pais, da família, para que nos deem coragem, nos animem, estejam connosco e nos amem, independentemente das variáveis da nossa vida. O maior dos sofrimentos e das doenças do nosso tempo é precisamente a solidão.
       Vivemos numa época com diversos riscos: cada um querer salvar-se sozinho; seguir por atalhos, facilidades imediatas sem meta nem objetivos; querer apenas o que os outros querem, fazendo coro com a opinião generalizada; afastamento de tudo o que possa sugerir esforço, sacrifício, sofrimento. Obviamente que deveremos combater todo o mal, e livrar-nos do sofrimento, mas este é inevitável. Quem se sujeita a amar, sujeita-se a padecer. Mas só o amor nos livra do cinismo, nos livra de uma vida sem sal, sem luz, sem sentido, e da solidão. A vida não é um descafeinado permanente. Como alguns filósofos sublinham, queremos o sabor mas sem as respetivas consequências: comidas e bebidas light, café sem cafeína, adoçante sem açúcar. Amor livre, ocasional, sem amarras, sem compromissos duradouros, sem porto. Quando nos damos conta estamos sós. E a vida perde o seu encanto. Há pessoas que ficam imediatamente doentes quando pensam que vão ficar sozinhas. Outras lamentam-se quando é demasiado tarde para cultivar amizades, para valorizar a família, para dar prioridade aos afetos e à proximidade. Não se isole! Quem se encerra no seu casulo acabará por se afastar da luz, a que vem de dentro e a que vem do alto.
        4 – E como ser luz e sal, que dá tempero e ilumina a vida, no nosso dia-a-dia?
       A belíssima página de Isaías mostra-nos o caminho, revelando-nos as palavras de Deus: «Reparte o teu pão com o faminto, dá pousada aos pobres sem abrigo, leva roupa ao que não tem que vestir e não voltes as costas ao teu semelhante. Então a tua luz despontará como a aurora e as tuas feridas não tardarão a sarar... Se tirares do meio de ti a opressão, os gestos de ameaça e as palavras ofensivas, se deres do teu pão ao faminto e matares a fome ao indigente, a tua luz brilhará na escuridão e a tua noite será como o meio-dia».
       Na mesma sequência o salmista nos envolve na resposta à palavra de Deus: «O justo deixará memória eterna. Ele não receia más notícias: seu coração está firme, confiado no Senhor. O seu coração é inabalável, nada teme; reparte com largueza pelos pobres, a sua generosidade permanece para sempre e pode levantar a cabeça com altivez».
       Como sublinha Jesus no Evangelho: as vossas/nossas boas obras serão a luz que brilha diante dos homens e iluminam o mundo.

       5 – O cristianismo não é um exercício intelectual, uma abstração, ou uma generalidade. É uma realidade concreta, situada no tempo e no espaço. O ponto de partida e de chegada, o chão que nos ampara, é Deus e o Deus de Jesus Cristo. Deus connosco. Próximo, e que Se faz estrada e vem sujar as mãos na terra, envolvendo-se com a nossa fragilidade e finitude. Procura-nos.
       A fé cristã tem um ROSTO vivo, Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Não é, como em alguns ambientes religiosos se crê, uma religião do Livro. É uma Pessoa, um Acontecimento, que se traduz e atualiza na nossa vida, na nossa história. É Jesus Cristo, numa VIDA de entrega, de amor, numa história que se mistura com a nossa. É mistério. É dádiva. Ele entrega a Sua vida para que nós tenhamos vida e vida em abundância (cf. Jo 10,10). É na Sua morte e ressurreição que ancoramos a nossa fé, a nossa militância crente.
       É isto mesmo que sublinha o apóstolo, que não se anuncia a si mesmo ou alguma doutrina especial, que não tenta iludir com bonitas palavras, mas apresenta Jesus Cristo: “Irmãos, pensei que, entre vós, não devia saber nada senão Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado. A minha palavra e a minha pregação não se basearam na linguagem convincente da sabedoria humana, mas na poderosa manifestação do Espírito Santo, para que a vossa fé não se fundasse na sabedoria humana, mas no poder de Deus”.
       A fé une-nos uns aos outros e compromete-nos com o bem de todos. Não é possível, sob pena de nos tornarmos mentirosos, separar a fé das obras e da vida. A fé faz-nos olhar para Deus com amor. Se olhamos para Deus com Amor, acolhendo-O na nossa vida, não poderemos desprezar a vida dos nossos irmãos, que são ROSTO e PRESENÇA de Deus, aqui e agora (hic et nunc).

Textos para a Eucaristia (ano A): Is 58, 7-10; Sl 111 (112); 1 Cor 2, 1-5; Mt 5, 13-16.

Sem comentários:

Enviar um comentário