sábado, 30 de novembro de 2013

Domingo I do Advento - ano A - 1 de dezembro

       1 – Final de tarde. Viagem para a capital. Carro pronto para fazer-se à estrada. Bagagem acomodada. Férias de verão. Mãos no volante, pronto a arrancar. Irmã. Sobrinho. A criança é sentada na respetiva cadeirinha, no banco de trás. Menos de nada adormece sereno. A mãe ocupa o lugar de pendura, faz companhia ao condutor, para que este se mantenha desperto e atento à estrada, pondo-se a conversa em dia. Mãe sempre com o ouvido apurado e o olhar sorrateiro sobre o filho. Entretanto vem caindo a noite, escurece progressivamente. Do nada, a criança começa numa choradeira desalmada. Para-se o carro, a mãe passa para junto da criança que logo volta a sossegar, adormecendo novamente. Afinal a escuridão é a mesma, mas com a mãe ao lado, tudo é calmaria, nada assusta.
       Entramos num salão em total escuridão. Queremos passar de um para o outro extremo. Tateamos e nada. Nem um palmo vemos à frente do nariz. O medo de darmos uma canelada em algum móvel é maior, já antecipamos a dor, com a possibilidade de destruirmos algo de valioso que encontremos pela frente. Alguém entreabre a porta para a qual nos dirigimos, apenas uma nesga, uma luz ténue. E já nós avançamos seguros, ainda que nos circundem muitas trevas, uma vez que se vislumbra a direção e já podemos distinguir formas e objetos, avançamos. E quanto mais nos aproximamos da luz melhor vemos à nossa volta. É esta a dimensão de confiança que Jesus nos traz. A luz da fé orienta-nos no caminho a percorrer, a voz de Jesus atrai-nos.
       Ainda que envolvidos em trevas, mas o sabermos que uma mão nos segura, uma luz nos aponta a meta, Alguém caminha ao nosso lado, é chão seguro para acalmar a nossa dor, para antecipar a Alegria do encontro e da vida. Como reafirma o papa, na Sua primeira Exortação Apostólica, A Alegria do Evangelho (Evangelii Gaudium), mesmo nas circunstâncias mais adversas, a alegria “sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados”.
       2 – Percorremos um ciclo completo, de um Advento ao outro. É uma espiral, o círculo quase se fecha, com a solenidade de Cristo Rei, conclusão do ano litúrgico, mas logo outro tempo se apresenta, como dom, em continuidade, pois é um e o mesmo mistério da salvação, morte e ressurreição de Jesus, em cada Eucaristia renovando-nos e renovando a Igreja.
       Curiosamente ou não, os textos são muito próximos, falam-nos do fim/plenitude dos tempos e da vinda de Jesus, do desfecho mas sobretudo da confiança no amor de Deus que vive entre nós. Jesus fala abertamente, muitas coisas irão suceder. Os discípulos não estão isentos de sofrimentos, de perseguição, de injúrias, e morte. Guerras, cataclismos, violência, tumultos. Erguei-vos, levantai a cabeça, não temais, está perto a vossa salvação. O medo é próprio do desconhecido e do que vem aí, mas sabermo-nos apoiados por Alguém que vem do futuro e que antecipa a nossa salvação, dá-nos ganas para prosseguir com a segurança necessária. Melhor, e mais uma vez, como filhos que se lançam ao encontro dos braços delicados da mãe, ou dos braços fortes do pai, sem calcular a distância, ou a altura, olhando apenas para os olhos, o sorriso, o rosto, os braços abertos de quem lhes quer bem.
       Esta é a garantia de Jesus. Não é tempo para paralisarmos, é HORA de vivermos, uns com os outros e para os outros. “Portanto, vigiai, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor. Compreendei isto: se o dono da casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão, estaria vigilante e não deixaria arrombar a sua casa. Por isso, estai vós também preparados, porque na hora em que menos pensais, virá o Filho do homem”.
       No final não interessa tanto a cronologia, mas a vivência quotidiana, entre alegrias e esperanças, tristezas e angústias, procurando o feixe de Luz e de Vida que nos vem de Deus, e nos enlaça e entrelaça com os irmãos. Não caminhamos sozinhos. Ele vai connosco e, se Ele nos acompanha, outros connosco se fazem à estrada.
       3 – Quando caímos na realidade nem tudo é como sonhámos. As certezas que vêm do nosso empenho por uma sociedade mais justa e humana colidem, nas mais variadas situações, com outras vontades e correntes, com indiferenças e conformismos, com ambientes contrários nos quais prevalecem injustiças, egoísmos, o "salve-se quem puder". Porém, para o cristão é sempre HORA de se fazer à estrada, é caminhando que se faz caminho. É no caminho que Jesus nos encontra. É no nosso caminhar que Deus vem até nós.
       Aí está o profeta a gritar às multidões: «Vinde, subamos ao monte do Senhor, ao templo do Deus de Jacob. Ele nos ensinará os seus caminhos e nós andaremos pelas suas veredas. De Sião há de vir a lei e de Jerusalém a palavra do Senhor».
       E a voz do profeta também a nós nos garante: “Ele será juiz no meio das nações e árbitro de povos sem número. Converterão as espadas em relhas de arado e as lanças em foices. Não levantará a espada nação contra nação, nem mais se hão de preparar para a guerra. Vinde, ó casa de Jacob, caminhemos à luz do Senhor”.
       Já não são horas para nos escusarmos com os outros ou com as circunstâncias (talvez pouco favoráveis). “Chegou a hora de nos levantarmos do sono, porque a salvação está agora mais perto de nós do que quando abraçámos a fé. A noite vai adiantada e o dia está próximo. Abandonemos as obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz. Andemos dignamente, como em pleno dia, evitando comezainas e excessos de bebida, as devassidões e libertinagens, as discórdias e ciúmes; não vos preocupeis com a natureza carnal para satisfazer os seus apetites, mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo”. 

       4 – A vigilância não é passiva. Vigiar implica trabalhar pelo bem, irradiar a Boa Notícia, semear a paz, potenciar a concórdia, revestir-se de Jesus, por inteiro e em todo o tempo, e não apenas quando é mais fácil ou quando dá mais jeito. Não sabemos a hora de irmos em definitivo à presença do Senhor. E que importa? Importante é vivermos intensamente, procurando dar o melhor de nós mesmos, deixando marcas positivas no mundo, na relação com a família, com os colegas de trabalho, com os vizinhos, com os moradores do nosso bairro, com os que frequentam o mesmo café, a escola, o ambiente digital.
       E quando pecarmos, isto é, quando deixarmos vir ao de cima algo de menos bom, não desistamos, recorramos ao perdão de Deus e procuremos emendar o mal feito, aumentando ainda mais o nosso compromisso com o bem, com a luz, com a verdade. Parafraseando o nosso Bispo, no Encerramento do Ano da Fé, e Dia da Igreja Diocesana de Lamego: mais pertinho de Deus, mais pertinho dos irmãos. Não nos deixemos vencer pelas dificuldades, «quando as condições são adversas, não basta acender uma luz e mantê-la; é preciso aumentar constantemente a luz. Mais luz. Mais luz. Mais luz» (D. António).


Textos para a Eucaristia (ano A): Is 2, 1-5; Rom 13, 11-14; Mt 24, 37-44.

Novena da Imaculada Conceição - 1.º Dia

       Com o dia 29 de novembro, cada ano, iniciamos a NOVENA de preparação para a Festa de Nossa Senhora da Conceição, Padroeira desta paróquia de Tabuaço. Este ano assinalam-se também os 25 anos do Monumento a Nossa Senhora da Conceição que se encontra sobre a Vila, na Fraga do Tostão.
       A Novena é orientada pelo Pe. Jorge Henrique, natural de Ariz, no concelho de Moimenta da Beira, ordenado sacerdote em 15 de agosto de 2008, é pároco de Faia, Penso, Vila da Ponte e Vila da Rua.
       No primeiro dia, o pregador contextualizou o final do ano litúrgico, com as Leituras apocalípticas, numa toada de fim dos tempos, em lógica de esperança e confiança em Deus. Com o final do ano litúrgico um novo tempo se inicia, o do Advento.
       Por outro lado, o significado de uma Novena, espera, preparação, antecipação do que está para acontecer. A primeira Novena, que tem Maria como protagonista, a espera entre a Ascensão de Jesus e o Pentecostes, o envio do Espírito Santo. Nove dias de oração, de assembleia que se reúne para rezar confiante na vinda do Senhor, Ao décimo dia, o Pentecostes.
       Citando um professor, o Pe. Jorge sublinhou que mais do que falar de Maria, pois conhece-se o que Ela diz, importa viver Maria, viver como Ela viveu, com alegria e confiança. Sem alegria não pode haver cristãos saudáveis.
       No final da Eucaristia, o padre pregador deixou à comunidade, para rezar individualmente ou em família, uma oração do papa Francisco, retirada da Sua primeira Encicílica Lumen Fidei:
Ajudai, ó Mãe, a nossa fé.
Abri o nosso ouvido à Palavra,
para reconhecermos a voz de Deus e a sua chamada.
Despertai em nós o desejo de seguir os seus passos,
saindo da nossa terra e acolhendo a sua promessa.
Ajudai-nos a deixar-nos tocar pelo seu amor,
para podermos tocá-Lo com a fé.
Ajudai-nos a confiar-nos plenamente a Ele,
a crer no seu amor, sobretudo nos momentos de tribulação e cruz,
quando a nossa fé é chamada a amadurecer.
Semeai, na nossa fé, a alegria do Ressuscitado.
Recordai-nos que quem crê nunca está sozinho.
Ensinai-nos a ver com os olhos de Jesus,
para que Ele seja luz no nosso caminho.
E que esta luz da fé cresça sempre em nós
até chegar aquele dia sem ocaso que é o próprio Cristo,
vosso Filho, nosso Senhor.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

LEITURAS: Gabriel Magalhães - Espelho meu

GABRIEL MAGALHÃES. Espelho meu. A leitura diária do Evangelho pode mudar a vida. Paulinas Editora. Prior Velho 2013. 128 páginas.
       Mais um título da coleção "Poéticas do viver crente", coordenada pelo Pe. Tolentino Mendonça.
É um testemunho contado na primeira pessoa. O autor partilha a sua experiência de fé, mostrando como a leitura diária do Evangelho, ainda que um pequeno trecho, pode revolucionar a vida cristã e o compromisso com os outros. Também aqui há conversão e vida nova. O Evangelho, como a participação na Missa, pode passar quase indiferente. Faz parte da tradição. Escuta-se mas sem entrar, sem fazer mossa.
       O autor, como refere, pertence à geração daqueles que  achavam que a Igreja e o cristianismo pertenciam à menoridade, como que paralisando o desenvolvimento lúcido do pensamento e da vida. Aos 24 anos, mais ou menos, revolveu ter o Novo Testamento e lê-lo a partir da sua "perspectiva arrogante", sobretudo como forma de aumentar a cultura geral, já que não passaria disso. Mas a leitura revolucionou a sua vida e a forma de ver o Evangelho, como enriquecimento, como descoberta, como encontro. "Aquele livro era a vida, e a vida era aquele livro... Os Evangelho criam com a realidade uma relação de total fraternidade: de comunhão e de identidade... Os Evangelho são capazes desta transparência por causa da presença de Jesus. Ele é o cristal de amor, através do qual a verdade passa. O que há de mais absoluto nestes textos sagrados são as palavras de Jesus".
       Leitura partilhada do Evangelho. Momentos da vida de Jesus nos quais podemos rever-nos e encontrar-nos.
       Esta é uma reflexão muito interessante. Transparece a vivência quotidiana. Não são palavras de um erudito ou do professor universitário, mas as palavras de um crente cristão que se deixou transformar pelas palavras de Jesus e nos contagia com o seu testemunho. Claramente, a fé não obscurece a vida, pelo contrário e apesar das dificuldades que a todos afetam a fé ilumina, aponta mais para além, justifica e dá sentido à existência.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Bento XVI - morte e ressurreição de Jesus...

       No seu discurso de despedida, Jesus anunciou aos discípulos sua morte e ressurreição iminentes, com uma frase misteriosa: «Vou partir, mas voltarei para junto de vós» (Jo 14, 28). Morrer é partir. Embora fique ainda o corpo do morto – este pessoalmente partiu para o desconhecido e não podemos segui-lo (cf. Jo 13, 36). Mas, no caso de Jesus, há uma novidade única que muda o mundo. Na nossa morte, a partida é uma realidade definitiva, não há regresso. Pelo contrário Jesus, falando da sua morte, diz: «Vou partir, mas voltarei para junto de vós». É precisamente partindo que Ele vem. A sua partida inaugura um modo totalmente novo e maior da sua presença. Com a sua morte, Jesus entra no amor do Pai. A sua morte é um acto de amor. O amor, porém, é imortal. Por isso, a sua partida transforma-se numa nova vinda, numa forma de presença mais profunda que não acaba mais. Na sua vida terrena, Jesus, como todos nós, estava ligado às condições externas da existência corpórea: a um certo lugar e a um determinado tempo. A corporeidade coloca limites à nossa existência. Não podemos estar contemporaneamente em dois lugares diferentes. O nosso tempo tende a acabar. E entre o "eu" e o "tu" existe o muro da alteridade. Certamente, no amor, podemos de algum modo entrar na existência do outro. Mas permanece a barreira intransponível de sermos diversos. Pelo contrário, Jesus, que agora fica totalmente transformado por meio do acto de amor, está livre de tais barreiras e limites. É capaz não só de passar através das portas externas fechadas, como narram os Evangelhos (cf. Jo 20, 19), mas pode também passar através da porta interna entre o "eu" e o "tu", a porta fechada entre o ontem e o hoje, entre o passado e o amanhã. No dia da sua entrada triunfal em Jerusalém, quando um grupo de Gregos veio pedir para O ver, Jesus respondeu com a parábola do grão de trigo que, para dar muito fruto, deve passar através da morte. Predissera assim o seu próprio destino: Ele não queria simplesmente falar então com este ou aquele grego durante alguns minutos. Através da sua cruz, mediante a sua partida, por meio da sua morte como o grão de trigo chegaria verdadeiramente até junto dos gregos, de tal modo que estes pudessem vê-Lo e tocá-Lo na fé. A sua partida torna-se uma vinda no modo universal da presença do Ressuscitado, no qual Ele está presente ontem, hoje e para sempre; em que abraça todos os tempos e lugares. Agora pode ultrapassar também o muro da alteridade que separa o "eu" do "tu". Assim aconteceu com Paulo, que descreve o processo da sua conversão e do seu Baptismo com estas palavras: «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim» (Gal 2, 20). Por meio da vinda do Ressuscitado, Paulo obteve uma identidade nova. O seu "eu" fechado abriu-se. Agora vive em comunhão com Jesus Cristo, no grande "eu" dos crentes que se tornaram – segundo definição dele – «um em Cristo» (Gal 3, 28).
       Queridos amigos, deste modo resulta evidente que as palavras misteriosas de Jesus, no Cenáculo, agora – por meio do Baptismo – se tornam de novo presentes para vós. No Baptismo, o Senhor entra na vossa vida pela porta do vosso coração. Já não estamos um ao lado do outro ou um contra o outro. Ele atravessa todas estas portas. A realidade do Baptismo consiste nisto: Ele, o Ressuscitado, vem; vem até vós e une a sua vida com a vossa conservando-vos dentro do fogo vivo do seu amor. Passais a ser uma unidade: sim, um só com Ele e, deste modo, um só entre vós. Num primeiro momento, isto pode parecer bastante teórico e pouco realista. Mas quanto mais viverdes a vida de baptizados, tanto mais podereis experimentar a verdade desta palavra. As pessoas baptizadas e crentes nunca são verdadeiramente estranhas uma à outra. Podem separar-nos continentes, culturas, estruturas sociais ou mesmo distâncias históricas. Mas, quando nos encontramos, reconhecemo-nos com base no mesmo Senhor, na mesma fé, na mesma esperança e no mesmo amor, que nos formam. Então experimentamos que o fundamento das nossas vidas é o mesmo. Experimentamos que, no mais fundo do nosso íntimo, estamos ancorados à mesma identidade, a partir da qual todas as diferenças exteriores, por maiores que sejam, resultam secundárias. Os crentes nunca são totalmente estranhos um ao outro. Estamos em comunhão por causa da nossa identidade mais profunda: Cristo em nós. Deste modo, a fé é uma força de paz e reconciliação no mundo: fica superada a distância, no Senhor tornamo-nos próximos (cf. Ef 2, 13).
       Esta natureza íntima do Baptismo como dom de uma nova identidade é representada pela Igreja através de elementos sensíveis. O elemento fundamental do Baptismo é a água; ao lado desta e em segundo lugar, temos a luz, que, na liturgia da Vigília Pascal, sobressai com grande vigor. Lancemos apenas um olhar sobre estes dois elementos. No capítulo conclusivo da Carta aos Hebreus, encontra-se uma afirmação sobre Cristo, na qual não aparece directamente a água, mas, vista na sua ligação com o Antigo Testamento, deixa transparecer o mistério da água e o seu significado simbólico. Diz o texto: «O Deus da paz fez voltar dos mortos o Pastor grande das ovelhas em virtude do sangue de uma aliança eterna» (cf. 13, 20). Ecoa, nesta frase, um trecho do Livro de Isaías, onde Moisés é designado como o pastor que o Senhor fez sair da água, do mar (cf. 63, 11). Jesus aparece como o novo e definitivo Pastor que leva a cumprimento o que Moisés tinha feito: Ele conduz-nos fora das águas mortíferas do mar, fora das águas da morte. Neste contexto, convém recordar que Moisés tinha sido colocado pela mãe num cesto e deposto no Nilo. Depois, pela providência de Deus, fora tirado para fora da água, trazido da morte à vida, e assim – salvo ele próprio das águas da morte – podia conduzir os outros fazendo-os passar através do mar da morte. Por nós, Jesus desceu às águas obscuras da morte. Mas, em virtude do seu sangue – diz-nos a Carta aos Hebreus – foi feito voltar da morte: o seu amor uniu-se ao do Pai e, assim, da profundidade da morte Ele pôde subir para a vida. Agora eleva-nos a nós da morte para a vida verdadeira. Sim, isto mesmo acontece no Baptismo: Jesus levanta-nos para Ele, atrai-nos para dentro da verdadeira vida. Conduz-nos através do mar frequentemente tão obscuro da história, em cujas confusões e perigos não é raro sentirmo-nos ameaçados de afundar. No Baptismo como que nos toma pela mão, conduz-nos pelo caminho que passa através do Mar Vermelho deste tempo e introduz-nos na vida duradoura, na vida verdadeira e justa. Agarremos bem a sua mão! Suceda o que suceder e implicando mais ou menos connosco, não larguemos a sua mão! Caminharemos então pela via que conduz à vida.
       Em segundo lugar, temos o símbolo da luz e do fogo. Gregório de Tours refere o costume, que em diversos lugares se conservou durante muito tempo, de tomar o fogo novo, para a celebração da Vigília Pascal, directamente do sol por meio de um cristal: luz e fogo recebiam-se novamente, por assim dizer, do céu para depois, a partir deles, se acenderem todas as luzes e fogos do ano. Isto é um símbolo do que celebramos na Vigília Pascal. Com a radicalidade do seu amor, no qual se tocaram o coração de Deus e o coração do homem, Jesus tomou verdadeiramente a luz do céu e trouxe-a à terra – a luz da verdade e o fogo do amor que transformam o ser do homem. Ele trouxe a luz, e agora sabemos quem e como é Deus. De igual modo sabemos também como estão as coisas a respeito do homem: o que somos nós e para que fim existimos. Ser baptizados significa que o fogo desta luz desce ao nosso íntimo. Por isso, na Igreja Antiga, o Baptismo era chamado também o Sacramento da Iluminação: a luz de Deus entra em nós; assim nos tornamos nós próprios filhos da luz. Esta luz da verdade que nos aponta o caminho, não deixemos que se apague. Protejamo-la contra todas as forças que pretendem extingui-la para nos lançar novamente na escuridão de Deus e de nós mesmos. De vez em quando a escuridão pode-nos parecer cómoda. Posso esconder-me e passar a minha vida dormindo. Nós, porém, não somos chamados a viver nas trevas, mas na luz. Nas promessas baptismais, por assim dizer acendemos novamente, ano após ano, esta luz: sim, creio que o mundo e a minha vida não provêm do acaso, mas da Razão eterna e do Amor eterno, são criados por Deus omnipotente. Sim, creio que em Jesus Cristo, na sua encarnação, na sua cruz e ressurreição, se manifestou o Rosto de Deus; que, n’Ele, Deus está presente no meio de nós, nos une e conduz para a nossa meta, para o Amor eterno. Sim, creio que o Espírito Santo nos dá a Palavra da verdade e ilumina o nosso coração; creio que, na comunhão da Igreja, nos tornamos todos um só Corpo com o Senhor e, deste modo, vamos ao encontro da ressurreição e da vida eterna. O Senhor deu-nos a luz da verdade. Esta luz é ao mesmo tempo também fogo, força que nos vem de Deus: uma força que não destrói, mas quer transformar os nossos corações, para nos tornarmos verdadeiramente homens de Deus e para que a sua paz se torne operativa neste mundo.
       Na Igreja Antiga, havia o costume de o Bispo ou o sacerdote, após a homilia, exortar os crentes exclamando: "Conversi ad Dominum – agora voltai-vos para o Senhor". Isto significava, antes de mais, que eles se viravam para o Oriente – na direcção donde nasce o sol como sinal de Cristo que volta, saindo ao seu encontro na celebração da Eucaristia. Nos lugares onde isso, por qualquer razão, não era possível fazer-se, os crentes voltavam-se para a imagem de Cristo na ábside ou para a cruz, a fim de se orientarem interiormente para o Senhor. Com efeito, em última análise era deste facto interior que se tratava: da conversio, de voltar a nossa alma para Jesus Cristo e, n’Ele, para o Deus vivo, para a luz verdadeira. Com isto estava ligada também a outra exclamação, que ainda hoje é dirigida à comunidade cristã, antes do Cânone: "Sursum corda – corações ao alto", fora de todos os enredos das nossas preocupações, dos nossos desejos, das nossas angústias, do nosso alheamento – ao alto, os vossos corações, o vosso íntimo! Nas duas exclamações, somos de algum modo exortados a uma renovação do nosso Baptismo: Conversi ad Dominumsempre de novo nos devemos afastar das direcções erradas, em que tão frequentemente nos movemos com o nosso pensar e agir. Sempre de novo nos devemos voltar para Ele, que é o Caminho, a Verdade e a Vida. Sempre de novo nos devemos tornar "convertidos", com toda a vida voltada para o Senhor. E sempre de novo devemos deixar que o nosso coração seja subtraído à força da gravidade, que o puxa para baixo, e levantá-lo interiormente para o alto: para a verdade e o amor. Nesta hora, agradeçamos ao Senhor, porque Ele, com a força da sua palavra e dos sacramentos sagrados, nos orienta na justa direcção e atrai para o alto o nosso coração. E rezemos-Lhe deste modo: Sim, Senhor, fazei que nos tornemos pessoas pascais, homens e mulheres da luz, repletos do fogo do teu amor. Amen.

Bento XVI, A Alegria da Fé.
Homilia da Vigília Pascal 2008: Agência Ecclesia e Vaticano.

Bento XVI - a fé na vida eterna

       Chegou o momento, porém, de nos colocarmos explicitamente a questão: para nós, hoje a fé cristã é também uma esperança que transforma e sustenta a nossa vida? Para nós aquela é «performativa» – uma mensagem que plasma de modo novo a mesma vida – ou é simplesmente «informação» que, entretanto, pusemos de lado porque nos parece superada por informações mais recentes? Na busca de uma resposta, desejo partir da forma clássica do diálogo, usado no rito do Baptismo, para exprimir o acolhimento do recém-nascido na comunidade dos crentes e o seu renascimento em Cristo. O sacerdote perguntava, antes de mais nada, qual era o nome que os pais tinham escolhido para a criança, e prosseguia: «O que é que pedis à Igreja?». Resposta: «A fé». «E o que é que vos dá a fé?». «A vida eterna». Como vemos por este diálogo, os pais pediam para a criança o acesso à fé, a comunhão com os crentes, porque viam na fé a chave para a «vida eterna». Com efeito hoje, como sempre, é disto que se trata no Baptismo, quando nos tornamos cristãos: é não somente um acto de socialização no âmbito da comunidade, nem simplesmente de acolhimento na Igreja. Os pais esperam algo mais para o baptizando: esperam que a fé – de que faz parte a corporeidade da Igreja e dos seus sacramentos – lhe dê a vida, a vida eterna. Fé é substância da esperança. Aqui, porém, surge a pergunta: Queremos nós realmente isto: viver eternamente? Hoje, muitas pessoas rejeitam a fé, talvez simplesmente porque a vida eterna não lhes parece uma coisa desejável. Não querem de modo algum a vida eterna, mas a presente; antes, a fé na vida eterna parece, para tal fim, um obstáculo. Continuar a viver eternamente – sem fim – parece mais uma condenação do que um dom. Certamente a morte queria-se adiá-la o mais possível. Mas, viver sempre, sem um termo, acabaria por ser fastidioso e, em última análise, insuportável. É isto precisamente que diz, por exemplo, o Padre da Igreja Ambrósio na sua elegia pelo irmão defunto Sátiro: «Sem dúvida, a morte não fazia parte da natureza, mas tornou-se natural; porque Deus não instituiu a morte ao princípio, mas deu-a como remédio. Condenada pelo pecado a um trabalho contínuo e a lamentações insuportáveis, a vida dos homens começou a ser miserável. Deus teve de pôr fim a estes males, para que a morte restituísse o que a vida tinha perdido. Com efeito, a imortalidade seria mais penosa que benéfica, se não fosse promovida pela graça». [6] Antes, Ambrósio tinha dito: «Não devemos chorar a morte, que é a causa de salvação universal» [7].

       Independentemente do que Santo Ambrósio quisesse dizer precisamente com estas palavras, é certo que a eliminação da morte ou mesmo o seu adiamento quase ilimitado, deixaria a terra e a humanidade numa condição impossível e nem mesmo prestaria um benefício ao indivíduo. Obviamente há uma contradição na nossa atitude, que evoca um conflito interior da nossa mesma existência. Por um lado, não queremos morrer; sobretudo quem nos ama não quer que morramos. Mas, por outro, também não desejamos continuar a existir ilimitadamente, nem a terra foi criada com esta perspectiva. Então, o que é que queremos na realidade? Este paradoxo da nossa própria conduta suscita uma questão mais profunda: o que é, na verdade, a «vida»? E o que significa realmente «eternidade»? Há momentos em que de repente temos a sua percepção: sim, isto seria precisamente a «vida» verdadeira, assim deveria ser. Em comparação, aquilo que no dia-a-dia chamamos «vida», na verdade não o é. Agostinho, na sua extensa carta sobre a oração, dirigida a Proba – uma viúva romana rica e mãe de três cônsules –, escreve: no fundo, queremos uma só coisa, «a vida bem-aventurada», a vida que é simplesmente vida, pura «felicidade». No fim de contas, nada mais pedimos na oração. Só para ela caminhamos; só disto se trata. Porém, depois Agostinho diz também: se considerarmos melhor, no fundo não sabemos realmente o que desejamos, o que propriamente queremos. Não conhecemos de modo algum esta realidade; mesmo naqueles momentos em que pensamos tocá-la, não a alcançamos realmente. «Não sabemos o que convém pedir» – confessa ele citando São Paulo (Rm 8,26). Sabemos apenas que não é isto. Porém, no facto de não saber sabemos que esta realidade deve existir. «Há em nós, por assim dizer, uma douta ignorância» (docta ignorantia) – escreve ele. Não sabemos realmente o que queremos; não conhecemos esta «vida verdadeira»; e, no entanto, sabemos que deve existir algo que não conhecemos e para isso nos sentimos impelidos.[8]

       Penso que Agostinho descreve aqui, de modo muito preciso e sempre válido, a situação essencial do homem, uma situação donde provêm todas as suas contradições e as suas esperanças. De certo modo, desejamos a própria vida, a vida verdadeira, que depois não seja tocada sequer pela morte; mas, ao mesmo tempo, não conhecemos aquilo para que nos sentimos impelidos. Não podemos deixar de tender para isto e, no entanto, sabemos que tudo quanto podemos experimentar ou realizar não é aquilo por que anelamos. Esta « coisa » desconhecida é a verdadeira « esperança » que nos impele e o facto de nos ser desconhecida é, ao mesmo tempo, a causa de todas as ansiedades como também de todos os ímpetos positivos ou destruidores para o mundo autêntico e o homem verdadeiro. A palavra «vida eterna» procura dar um nome a esta desconhecida realidade conhecida. Necessariamente é uma expressão insuficiente, que cria confusão. Com efeito, «eterno» suscita em nós a ideia do interminável, e isto nos amedronta; «vida», faz-nos pensar na existência por nós conhecida, que amamos e não queremos perder, mas que, frequentemente, nos reserva mais canseiras que satisfações, de tal maneira que se por um lado a desejamos, por outro não a queremos. A única possibilidade que temos é procurar sair, com o pensamento, da temporalidade de que somos prisioneiros e, de alguma forma, conjecturar que a eternidade não seja uma sucessão contínua de dias do calendário, mas algo parecido com o instante repleto de satisfação, onde a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade. Seria o instante de mergulhar no oceano do amor infinito, no qual o tempo – o antes e o depois – já não existe. Podemos somente procurar pensar que este instante é a vida em sentido pleno, um incessante mergulhar na vastidão do ser, ao mesmo tempo que ficamos simplesmente inundados pela alegria. Assim o exprime Jesus, no Evangelho de João: «Eu hei-de ver-vos de novo; e o vosso coração alegrar-se-á e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria» (16,22). Devemos olhar neste sentido, se quisermos entender o que visa a esperança cristã, o que esperamos da fé, do nosso estar com Cristo.


Bento XVI, A Alegria da Fé.
Carta Encíclica Spe Salvi, nn 10-12

Papa Francisco - Ressurreição da Carne

Na Audiência Geral do dia 27 de novembro de 2013:


quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Bento XVI - fonte da alegria cristã: amor de Deus

       «A fonte da alegria cristã é esta certeza de sermos amados por Deus, amados pessoalmente pelo nosso Criador., por Aquele que tem nas Suas mãos o universo inteiro e que ama cada um de nós e toda a grande família humana com um amor apaixonado e fiel, um amor maior do que as nossas infidelidades e pecados, um amor que perdoa. Este amor é "de tal maneira grande que chega a virar Deus contra Si mesmo", como se vê de maneira definitiva no mistério da Cruz: "Deus ama tanto o homem que, tendo-Se feito Ele próprio homem, segue-o até à morte e, deste modo, reconcilia justiça e amor" (Deus Caritas est, n.º 10)»

Papa Francisco - Espírito Santo, o protagonista do perdão

Caros irmãos e irmãs, bom dia!
       Na quarta-feira passada falei sobre a remissão dos pecados, referida de modo especial ao Baptismo. Hoje aprofundamos o tema da remissão dos pecados, mas em referência ao chamado «poder das chaves», que é um símbolo bíblico da missão que Jesus confiou aos Apóstolos.
       Antes de tudo, devemos recordar que o protagonista do perdão dos pecados é o Espírito Santo. Na sua primeira aparição aos Apóstolos, no Cenáculo, Jesus ressuscitado fez o gesto de soprar sobre eles, dizendo: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos» (Jo 20, 22-23). Transfigurado no seu corpo, Jesus já é o homem novo, que oferece os dons pascais, fruto da sua morte e ressurreição. Quais são estes dons? A paz, a alegria, o perdão dos pecados e a missão, mas sobretudo o Espírito Santo, que é fonte de tudo isto. O sopro de Jesus, acompanhado pelas palavras com as quais comunica o Espírito, indica a transmissão da vida, a vida nova regenerada pelo perdão.
       Mas antes de fazer o gesto se soprar e conceder o Espírito, Jesus mostra as suas chagas, nas mãos e no lado: essas feridas representam o preço da nossa salvação. O Espírito Santo concede-nos o perdão de Deus, «passando através» das chagas de Jesus. As feridas que Ele quis conservar; também neste momento, no Céu, Ele mostra ao Pai as chagas com as quais nos resgatou. Em virtude destas feridas, os nossos pecados são perdoados: assim Jesus ofereceu a sua vida pela nossa paz, pela nossa alegria, pelo dom da graça na nossa alma, pelo perdão dos nossos pecados. É muito bom contemplar Jesus assim!
        Consideremos o segundo elemento: Jesus concede aos Apóstolos o poder de perdoar os pecados. É um pouco difícil compreender como um homem pode perdoar os pecados, mas Jesus confere este poder. A Igreja é depositária do poder das chaves, de abrir ou fechar ao perdão. Na sua misericórdia soberana, Deus perdoa cada homem, mas Ele mesmo quis que quantos pertencem a Cristo e à Igreja recebam o perdão mediante os ministros da Comunidade. Através do ministério apostólico, a misericórdia de Deus alcança-me, as minhas culpas são-me perdoadas e é-me conferida a alegria. Deste modo, Jesus chama a viver a reconciliação também na dimensão eclesial, comunitária. E isto é muito bom! A Igreja, que é santa e ao mesmo tempo carente de penitência, acompanha o nosso caminho de conversão durante a vida inteira. A Igreja não é senhora do poder das chaves, mas é serva do ministério da misericórdia e rejubila todas as vezes que pode oferecer este dom divino.
       Talvez muitas pessoas não compreendam a dimensão eclesial do perdão, porque predominam sempre o individualismo e o subjectivismo, e até nós cristãos sentimos isto. Sem dúvida, Deus perdoa cada pecador arrependido, pessoalmente, mas o cristão está unido a Cristo, e Cristo à Igreja. Para nós cristãos há um dom a mais, há sempre um compromisso a mais: passar humildemente através do ministério eclesial. Devemos valorizá-lo; é uma dádiva, uma atenção, uma salvaguarda e também a certeza de que Deus me perdoou. Vou ter com o irmão sacerdote e digo: «Padre, cometi isto...». E ele responde: «Mas eu perdoo-te; Deus perdoa-te!». Naquele momento, estou convicto de que Deus me perdoou! E isto é bom, é ter a segurança que Deus nos perdoa sempre, nunca se cansa de perdoar. E não devemos cansar-nos de ir pedir perdão. Podemos ter vergonha de confessar os nossos pecados, mas as nossas mães e avós já diziam que é melhor corar uma vez do que empalidecer mil vezes. Coramos uma vez, mas os pecados são-nos perdoados e vamos em frente.
       Enfim, um último ponto: o sacerdote, instrumento para o perdão dos pecados. O perdão de Deus, que nos é concedido na Igreja, é-nos transmitido mediante o ministério do nosso irmão, o sacerdote; também ele, um homem que como nós precisa de misericórdia, se torna verdadeiramente instrumento de misericórdia, comunicando-nos o amor ilimitado de Deus Pai. Inclusive os presbíteros e os Bispos devem confessar-se: todos nós somos pecadores. Também o Papa se confessa a cada quinze dias, porque inclusive o Papa é pecador. O confessor ouve os pecados que lhe confesso, aconselha-me e perdoa-me, porque todos nós precisamos deste perdão. Às vezes ouvimos certas pessoas afirmar que se confessam directamente com Deus... Sim, como eu dizia antes, Deus ouve sempre, mas no sacramento da Reconciliação envia um irmão a trazer-nos o perdão, a segurança do perdão em nome da Igreja.
       O serviço que o sacerdote presta como ministro, por parte de Deus, para perdoar os pecados é muito delicado e exige que o seu coração esteja em paz, que o presbítero tenha o coração em paz; que não maltrate os fiéis, mas que seja manso, benévolo e misericordioso; que saiba semear esperança nos corações e sobretudo que esteja consciente de que o irmão ou a irmã que se aproxima do sacramento da Reconciliação procura o perdão, e fá-lo como as numerosas pessoas que se aproximavam de Jesus para serem curadas. O sacerdote que não tiver esta disposição de espírito é melhor que, enquanto não se corrigir, não administre este Sacramento. Os fiéis penitentes têm o direito, todos os fiéis têm o direito de encontrar nos sacerdotes servidores do perdão de Deus.
       Caros irmãos, como membros da Igreja estamos conscientes da beleza desta dádiva que o próprio Deus nos concede? Sentimos a alegria deste esmero, desta atenção materna que a Igreja tem por nós? Sabemos valorizá-la com simplicidade e assiduidade? Não esqueçamos que Deus nunca se cansa de nos perdoar; mediante o ministério do sacerdote, Ele aperta-nos num novo abraço que nos regenera e nos permite erguer-se de novo e retomar o caminho. Porque esta é a nossa vida: devemos erguer-nos sempre de novo e retomar o caminho!
 

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Papa Francisco - Evangelii Gaudium | oração conclusiva

Oração conclusiva da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium:
Virgem e Mãe Maria,
Vós que, movida pelo Espírito,
acolhestes o Verbo da vida
na profundidade da vossa fé humilde,
totalmente entregue ao Eterno,
ajudai-nos a dizer o nosso «sim»
perante a urgência, mais imperiosa do que nunca,
de fazer ressoar a Boa Nova de Jesus.

Vós, cheia da presença de Cristo,
levastes a alegria a João o Baptista,
fazendo-o exultar no seio de sua mãe.
Vós, estremecendo de alegria,
cantastes as maravilhas do Senhor.
Vós, que permanecestes firme diante da Cruz
com uma fé inabalável,
e recebestes a jubilosa consolação da ressurreição,
reunistes os discípulos à espera do Espírito
para que nascesse a Igreja evangelizadora.

Alcançai-nos agora um novo ardor de ressuscitados
para levar a todos o Evangelho da vida
que vence a morte.
Dai-nos a santa ousadia de buscar novos caminhos
para que chegue a todos
o dom da beleza que não se apaga.

Vós, Virgem da escuta e da contemplação,
Mãe do amor, esposa das núpcias eternas
intercedei pela Igreja, da qual sois o ícone puríssimo,
para que ela nunca se feche nem se detenha
na sua paixão por instaurar o Reino.

Estrela da nova evangelização,
ajudai-nos a refulgir com o testemunho da comunhão,
do serviço, da fé ardente e generosa,
da justiça e do amor aos pobres,
para que a alegria do Evangelho
chegue até aos confins da terra
e nenhuma periferia fique privada da sua luz.

Mãe do Evangelho vivente,
manancial de alegria para os pequeninos,
rogai por nós.
Amen. Aleluia!

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Catequese | Acolhimento | Avalanches da Fé | Magusto


D. António Couto - Dia da Igreja Diocesana de Lamego

Homilia pronunciada na Igreja Catedral de Lamego, a 24 de Novembro de 2013

IR REQUER MUDANÇA DE LUGAR E DE MODO: IR É NÃO FICAR AQUI E NÃO FICAR ASSIM

1. Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. Encerramento do Ano da Fé. Dia da nossa Igreja Diocesana. Ordenação Diaconal do José Fonseca Soares.

2. Antes de mais, o título de Rei, com que hoje celebramos o único Senhor da nossa vida. Pode parecer um título ultrapassado e com forte conotação ideológica, que poria Jesus ao nível dos senhores ricos e poderosos deste mundo. Para não resvalarmos para equívocos e terrenos movediços, convém anotar desde já a descrição que o próprio Jesus faz dos Reis: «Os Reis das nações, diz Jesus, dominam sobre elas» (Lucas 22,25). E a sua advertência: «Não seja assim entre vós» (Lucas 22,26). E, todavia, Jesus diz-se Rei, confirmando, neste domínio, as suspeitas de Pilatos (Marcos 15,2; João 18,37).

3. Para sabermos o que é que Jesus tem em vista quando se afirma como Rei, é preciso saber como é que a Escritura traça o perfil do Rei. É como quem pinta um quadro, ou melhor, dois: um díptico. No primeiro quadro, o Rei é alguém muito próximo de Deus, completamente nas mãos de Deus, sempre atento à sua Palavra, de modo que deve ter, para seu uso pessoal, uma cópia da Lei de Deus, feita pela sua própria mão, para não poder dizer que não entende a letra, e deve lê-la todos os dias, nada fazendo por sua conta, mas sempre e só de acordo com a Palavra de Deus (Deuteronómio 17,18-19). No segundo quadro, que completa o primeiro, formando um díptico, o Rei é alguém muito próximo do seu povo, sempre atento ao seu povo, em ordem a levar-lhe a prosperidade, a saúde, a paz, a felicidade, a salvação. Aí está, então, o retrato completo de Jesus Rei: sempre pertinho de Deus, sempre pertinho de nós.

4. O Ano da Fé não se encerra. E não se encerra, porque não se pode encerrar. Exatamente porque a fé não é uma questão de conteúdos que se podem ensinar e aprender num ano, num curso semestral ou anual. Se perguntardes a um bebé porque é que ele se sente seguro no colo da sua mãe, ele não saberá responder. Mas mesmo que soubesse, acharia ridícula a pergunta. Do mesmo modo que perguntar a uma mãe quais são as razões que a levam a segurar no seu colo, com força e carinho, o seu bebé, será considerada uma pergunta sem sentido. Do mesmo modo que deixaríamos Abraão boquiaberto, se lhe fôssemos perguntar quais são os conteúdos da sua fé. Sim, não se acredita em conteúdos. Acredita-se em alguém. É uma relação pessoal, consciente e consistente que vamos tecendo juntos com Deus e uns com os outros por caminhos de confiança e de amor. Abriu-se o Ano da Fé, como Jesus abriu um dia, na sinagoga de Nazaré, o Ano da Graça do Senhor (Lucas 4,19). Entenda-se, então, que este Ano da Graça ou da Fé não é um Ano de 365 dias. É a vida toda, no duplo sentido em que é toda a duração da vida, e em que é mesmo necessário apostar tudo, com toda a intensidade.

5. O aniversário da Dedicação da nossa Igreja Catedral ocorreu no passado dia 20, e nós celebramos hoje o Dia da nossa Igreja Diocesana toda Dedicada ao seu Senhor. Vou contar-vos uma história edificante. O selêucida Antíoco IV Epifânio tinha profanado o Templo de Jerusalém, introduzindo lá cultos pagãos. Este acontecimento remonta ao ano 167 a. C. Contra esta helenização e paganização do judaísmo lutaram os Macabeus, e, no ano 164 a. C., Judas Macabeu procedeu à Purificação do Templo e à sua Dedicação ao Deus Vivo. É este importante acontecimento que deve ser celebrado todos os anos, durante oito dias, com a Festa da Dedicação, a partir do dia 25 do mês de Kisleu, que, no ano em curso de 2013, corresponde ao nosso dia 28 de Novembro.

6. A Festa da Dedicação celebra-se durante oito dias, e tem como símbolo o candelabro de oito braços. Relata o Talmude que, quando os judeus fiéis entraram no Templo profanado pelos pagãos, encontraram uma única âmbula de azeite puro de oliveira para reacender o candelabro de sete braços, que é um dos símbolos de Israel, e que deve arder permanentemente diante do Deus Vivo. Todavia, uma âmbula de azeite duraria apenas um dia, e eram precisos oito dias para preparar novo azeite puro. Pois bem, o azeite daquela única âmbula durou milagrosamente oito dias! Daí que, na Festa da Dedicação, se acenda um candelabro de oito braços. Mas acende-se apenas uma luz por dia, depois do pôr-do-sol, aumentando progressivamente até estarem acesas as oito luzes. Além disso, e ao contrário das luzes do candelabro do Templo e do Sábado, que alumiam o interior do Santuário e da casa de família respetivamente, as Luzes do candelabro da Dedicação, refere o ritual, devem ser vistas cá fora: devem alumiar o ambiente social, político, comercial e cultural. E também ao contrário das luzes do candelabro do Templo e do Sábado, não se acendem todas de uma vez, mas progressivamente uma por dia, porque, quando as condições são adversas, não basta acender uma luz e mantê-la; é preciso aumentar constantemente a luz. Mais luz. Mais luz. Mais luz.

7. Como este simbolismo é importante para os dias de hoje e para a Igreja! «IDE e fazei discípulos», é o lema da nossa Igreja de Lamego para este Ano Pastoral. IR requer mudança de lugar e de modo. IR é não ficar aqui, e não ficar assim! Há tanta gente à espera de que nós lhes levemos Cristo. Obrigado, jovens, por terdes estado na primeira linha com a vossa Alegria contagiante. Como eu desejaria poder ter-vos acompanhado nas vossas avalanches. Peço a todos, sacerdotes, consagrados, fiéis leigos, mais Luz, mais Luz, mais Luz. Mais Dedicação, mais Dedicação, mais Dedicação.

8. Felizmente temos hoje, neste Dia Festivo para a Igreja de Lamego, uma Ordenação Diaconal. De forma visível, o José Fonseca Soares afirma que quer Dedicar a sua vida ao serviço da Caridade e do Evangelho. Que Deus o abençoe e o proteja sempre.

+ António, vosso bispo e irmão, in Diocese de Lamego: AQUI.

Papa Francisco - homilia no encerramento do Ano da Fé

       A solenidade de Cristo Rei do universo, que hoje celebramos como coroamento do ano litúrgico, marca também o encerramento do Ano da Fé, proclamado pelo Papa Bento XVI, para quem neste momento se dirige o nosso pensamento cheio de carinho e de gratidão por este dom que nos deu. Com esta iniciativa providencial, ele ofereceu-nos a oportunidade de redescobrirmos a beleza daquele caminho de fé que teve início no dia do nosso Baptismo e nos tornou filhos de Deus e irmãos na Igreja; um caminho que tem como meta final o encontro pleno com Deus e durante o qual o Espírito Santo nos purifica, eleva, santifica para nos fazer entrar na felicidade por que anseia o nosso coração.
       Desejo também dirigir uma cordial e fraterna saudação aos Patriarcas e aos Arcebispos Maiores das Igrejas Orientais Católicas, aqui presentes. O abraço da paz, que trocarei com eles, quer significar antes de tudo o reconhecimento do Bispo de Roma por estas Comunidades que confessaram o nome de Cristo com uma fidelidade exemplar, paga muitas vezes por caro preço.
       Com este gesto pretendo igualmente, através deles, alcançar todos os cristãos que vivem na Terra Santa, na Síria e em todo o Oriente, a fim de obter para todos o dom da paz e da concórdia.
       As Leituras bíblicas que foram proclamadas têm como fio condutor a centralidade de Cristo: Cristo está no centro, Cristo é o centro. Cristo, centro da criação, do povo e da história.
 
       1. O Apóstolo Paulo, na segunda Leitura tirada da Carta aos Colossenses, dá-nos uma visão muito profunda da centralidade de Jesus. Apresenta-O como o Primogénito de toda a criação: n’Ele, por Ele e para Ele foram criadas todas as coisas. Ele é o centro de todas as coisas, é o princípio: Jesus Cristo, o Senhor. Deus deu-Lhe a plenitude, a totalidade, para que n’Ele fossem reconciliadas todas as coisas (cf. 1, 12-20). Senhor da criação, Senhor da reconciliação.
       Esta imagem faz-nos compreender que Jesus é o centro da criação; e, portanto, a atitude que se requer do crente – se o quer ser de verdade – é reconhecer e aceitar na vida esta centralidade de Jesus Cristo, nos pensamentos, nas palavras e nas obras. E, assim, os nossos pensamentos serão pensamentos cristãos, pensamentos de Cristo. As nossas obras serão obras cristãs, obras de Cristo, as nossas palavras serão palavras cristãs, palavras de Cristo. Diversamente, quando se perde este centro, substituindo-o por outra coisa qualquer, disso só derivam danos para o meio ambiente que nos rodeia e para o próprio homem.
 
       2. Além de ser centro da criação e centro da reconciliação, Cristo é centro do povo de Deus. E hoje mesmo Ele está aqui, no centro da nossa assembleia. Está aqui agora na Palavra e estará aqui no altar, vivo, presente, no meio de nós, seu povo. Assim no-lo mostra a primeira Leitura, que narra o dia em que as tribos de Israel vieram procurar David e ungiram-no rei sobre Israel diante do Senhor (cf. 2 Sam 5, 1-3). Na busca da figura ideal do rei, aqueles homens procuravam o próprio Deus: um Deus que Se tornasse vizinho, que aceitasse caminhar com o homem, que Se fizesse seu irmão.
       Cristo, descendente do rei David, é precisamente o «irmão» ao redor do qual se constitui o povo, que cuida do seu povo, de todos nós, a preço da sua vida. N’Ele, nós somos um só; um só povo unido a Ele, partilhamos um só caminho, um único destino. Somente n’Ele, n’Ele por centro, temos a identidade como povo.
 
       3. E, por último, Cristo é o centro da história da humanidade e também o centro da história de cada homem. A Ele podemos referir as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias de que está tecida a nossa vida. Quando Jesus está no centro, até os momentos mais sombrios da nossa existência se iluminam: Ele dá-nos esperança, como fez com o bom ladrão no Evangelho de hoje.
       Enquanto todos os outros se dirigem a Jesus com desprezo – «Se és o Cristo, o Rei Messias, salva-Te a Ti mesmo, descendo do patíbulo!» –, aquele homem, que errou na vida, no fim agarra-se arrependido a Jesus crucificado suplicando: «Lembra-Te de mim, quando entrares no teu Reino» (Lc 23, 42). E Jesus promete-lhe: «Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso» (23, 43): o seu Reino. Jesus pronuncia apenas a palavra do perdão, não a da condenação; e quando o homem encontra a coragem de pedir este perdão, o Senhor nunca deixa sem resposta um tal pedido. Hoje todos nós podemos pensar na nossa história, no nosso caminho. Cada um de nós tem a sua história; cada um de nós tem também os seus erros, os seus pecados, os seus momentos felizes e os seus momentos sombrios. Neste dia, far-nos-á bem pensar na nossa história, olhar para Jesus e, do fundo do coração, repetir-lhe muitas vezes – mas com o coração, em silêncio – cada um de nós: «Lembra-Te de mim, Senhor, agora que estás no teu Reino! Jesus, lembra-Te de mim, porque eu tenho vontade de me tornar bom, mas não tenho força, não posso: sou pecador, sou pecadora. Mas lembra-Te de mim, Jesus! Tu podes lembrar-Te de mim, porque Tu estás no centro, Tu estás precisamente no teu Reino!». Que bom! Façamo-lo hoje todos, cada um no seu coração, muitas vezes: «Lembra-Te de mim, Senhor, Tu que estás no centro, Tu que estás no teu Reino!»
       A promessa de Jesus ao bom ladrão dá-nos uma grande esperança: diz-nos que a graça de Deus é sempre mais abundante de quanto pedira a oração. O Senhor dá sempre mais – Ele é tão generoso! –, dá sempre mais do que se Lhe pede: pedes-Lhe que Se lembre de ti, e Ele leva-te para o seu Reino! Jesus é precisamente o centro dos nossos desejos de alegria e de salvação. Caminhemos todos juntos por esta estrada!
 
Praça de São Pedro, 24 de novembro de 2013: AQUI.