quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Joseph Ratzinger - pecado original

“Falar do pecado original significa justamente que nenhum ser humano pode começar da estaca zero, ou seja, partir de um status integritatis (= totalmente imune em relação à história). Ninguém se encontra num estado inicial indemne em que só tenha de desenvolver-se livremente, realizando o bem que tem dentro de si. Todos vivem num contexto que é parte da sua própria existência” (p. 181).

Joseph Ratzinger - infinito: humano mais humano

“É a abertura para o todo e para o infinito que faz com que o ser humano seja humano. O homem é homem porque se ultrapassa infinitamente a si mesmo, e por isso é tanto mais homem quanto menos dica fechado em si, «limitado». Daqui se conclui – repitamo-lo mais uma vez – que é mais humano, e é até o ser humano por excelência, aquele que é mais ilimitado, que não apenas toca o infinito – o ser infinito! –, mas também é um com ele: Jesus Cristo” (p. 171)

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Joseph Ratzinger - Fé verdadeira é amor

“Uma fé que não seja amor não é uma fé verdadeiramente cristã, não passa de uma fé aparente”.

Joseph Ratzinger - a CRUZ é o lugar da origem da fé

“Hoje podemos afirmar com bastante certeza que a cruz é o lugar de origem da fé em Jesus, o Cristo, e de toda a fé cristã. O próprio Jesus não Se autoproclamou diretamente Cristo («Messias»). Esta afirmação, que no parece um pouco estranha, sobressai hoje com alguma nitidez no meio das disputas dos historiadores, qua causaram tantas confusões. E revela-se incontornável precisamente quando se assume a devida posição crítica diante do procedimento precipitado de subtração que atualmente domina a investigação sobre Jesus. Pode-se dizer, portanto, que Jesus não declarou claramente que era o Messias (Cristo) – quem o declarou foi Pilatos, que se baseou, por sua vez, na acusação feita pelos judeus; cedendo às instâncias deles, Pilatos mandou colocar no alto da cruz, nas línguas universais daquela época, o motivo pelo qual Jesus foi executado, proclamando-O rei (= Messias, Cristo) dos judeus. Este título de execução, ou seja, a sentença de morte proferida pela história, transformou-se, na sua unanimidade paradoxal, na «profissão de fé», no verdadeiro ponto de partida e na raiz da fé cristã que vê em Jesus o Cristo. Na sua condição de crucificado, esse Jesus é o Cristo, o rei. Ele é o rei enquanto crucificado. Ser rei é, no seu caso, ter-Se entregado a Si mesmo aos homens; a palavra, a missão e a existência tornam-se idênticas precisamente na entrega dessa existência. Assim, a sua existência é a sua palavra. Ele é a Palavra, porque é amor. A partir da cruz, a fé passa a entender cada vez melhor que esse Jesus não Se limitou simplesmente a fazer e a dizer algo, mas que n’Ele a missão e a pessoa são idênticas, de moto que Ele já é aquilo que diz… esse Jesus é «Palavra», é «Verbo», uma pessoa que não só tem palavras, mas também é a sua palavra e a sua obra, é o próprio logos («a Palavra», a razão), desde sempre e para sempre; ela é o fundamento sobre o qual se ergue o mundo. Quando encontramos uma pessoa assim, ela passa a ser aquela razão de ser que nos sustenta e pela qual todos somos sustentados.

Joseph Ratzinger - o Filho de Deus é o ser humano Jesus

“Escândalo propriamente dito da fé cristã: a profissão de fé no facto de que o homem Jesus, um indivíduo que foi executado por volta do ano 30 na Palestina, é o «Cristo» (o ungido, o escolhido) de Deus, e, mais do que isso, é o próprio Filho de Deus, o centro e o momento decisivo de toda a história humana. Parece simultaneamente pretensioso e insensato declarar que uma figura isolada, que com o distanciamento crescente deve desaparecer cada vez mais nas névoas do passado, é o centro decisivo de toda a história. Se a fé é logos, na razoabilidade do ser, corresponde perfeitamente a uma tendência da razão humana, vemo-nos confrontados agora, no segundo artigo do «Credo», com uma associação verdadeiramente exorbitante entre logos e sarx, ou seja, entre a razão e uma figura isolada da história. A razão que sustenta todo o ser fez-Se carne, isto é, entrou na história e individualizou-Se nela; Aquele que cinge a história e carrega nas suas mãos passou a ser um ponto dentro dela. A razão suprema de todo o ser já se encontrará, a partir desse momento, na visão do espírito que se eleva sobre o individual e o limitado para alcançar o geral…

… ligação entre logos e sarx, entre palavra e carne, entre fé e história. O ser humano histórico Jesus é o Filho de Deus, e o Filho de Deus é o ser humano Jesus. Deus acontece para o ser humano por meio do ser humano ou, falando de uma forma ainda mais concreta, por meio desse ser humano em que se manifesta o elemento definitivo do ser humano e que é, precisamente nessa condição, e ao mesmo tempo, o próprio Deus”.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Joseph Ratzinger - em Jesus, Deus é um dos nossos

(Joseph e a sua irmã)
“Em Cristo, Deus tornou-Se de facto Aquele que pode ser chamado. N’Ele, Deus entrou para sempre na coexistência connosco: o nome deixou de ser uma mera palavra à qual nos apegamos; ele passou a ser carne da nossa carne, ossos dos nossos ossos. Deus é um dos nossos. Dessa maneira se cumpre concretamente n’Ele, que como Deus é homem e como homem é Deus, aquilo que, desde o episódio da sarça, queria dizer a ideia do nome. Deus agora é um de nós e, por isso, pode ser chamado pelo nome, uma vez que participa da nossa existência”.

Joseph Ratzinger - Deus, um tapa-buracos?

       “É conhecida aquela  observação de Bonhoeffer em que ele diz que está na hora de parar de ver em Deus o tapa-buracos colocado nos limites das nossas possibilidades que só é chamado quando estamos numa situação sem saída. Deveríamos encontrar Deus não no lugar das nossas dificuldades e do nosso fracasso, mas no meio da plenitude das coisas terrenas e da vida; só assim mostraríamos que Deus não é uma escapatória nascida das nossas necessidades que se torna supérflua à medida que se ampliam os limites da nossa capacidade [nota de rodapé: R. Marlé: «Gostaria de falar de Deus não nos limites e sim no meio, não nas fraquezas e sim na força, portanto não na morte e na culpa e sim na vida e no bem do ser humano»].
       Na história da luta humana em torno de Deus encontramos ambos os caminhos, e ambos me parecem igualmente legítimos. Tanto as misérias da vida humana como a sua plenitude remetem para Deus. Sempre que experimentaram a existência nas suas plenitude, riqueza, beleza e grandeza, os homens deram-se conta de que essa era uma existência pela qual deviam estar agradecidos, por, nas suas claridade e grandeza, ela não é uma existência que o ser humano se dê a sim mesmo, surgindo antes como uma dádiva que se lhe adianta, que o recebe com a sua bondade antes de qualquer iniciativa sua e exige que ele dê sentido a tamanha riqueza para poder ele próprio ganhar sentido. Por outro lado, também a carência e a pobreza recordaram sempre ao ser humano que havia um outro totalmente diferente dele. A pergunta que o ser humano faz e que o constitui, a sua incompletude, a limitação que ele sente apesar de ansiar pelo ilimitado, essa sensação simultânea de confinamento e de desejo que procura o ilimitado e a abertura, que impediu o ser humano de se satisfazer consigo mesmo, dando-lhe a sensação de que não se basta a si próprio, de que só consegue encontrar-se passando para além de si mesmo, ao encontro do totalmente outro e infinitamente maior”.

Joseph Ratzinger - Deus que está dentro da história

“A fé cristã não se preocupa apenas com o eterno, como poderia parecer à primeira vista quando se fala de fé, com algo totalmente diferente, localizado fora do mundo humano e do tempo, antes tendo a ver com o Deus que está dentro da história, com Deus feito homem. Ao parecer vencer o abismo entre o eterno e o temporal, entre o visível e o invisível, ao fazer-se encontrar Deus como homem, o eterno como alho temporal, como um de nós, a fé apresenta-se como revelação. A sua reivindicação de ser revelação fundamenta-se precisamente no facto de ela ter trazido, por assim dizer, o eterno para dentro do nosso mundo…”
 

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Pelos prados e campinas... É o Senhor que me leva

       Proposta como cântico na Eucaristia Dominical, na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, de Tabuaço. Autoria do Pe. Zezinho:
1. Pelos prados e campinas verdejantes eu vou,
é o Senhor que me leva a descansar.
Junto às fontes de águas puras repousantes eu vou,
minhas forças o Senhor vai animar.

Tu és Senhor, o meu pastor:
por isso, nada na minha vida faltará. (2x)

2. Nos caminhos mais seguros junto d’Ele eu vou,
e para sempre o Seu nome eu honrarei.
Se eu encontro mil abismos nos caminhos eu vou,
segurança sempre tenho em Suas mãos.

3. Ao banquete em Sua casa muito alegre eu vou,
um lugar na Sua mesa me preparou.
Ele unge minha fronte e me faz ser feliz,
e transborda a minha taça em Seu amor.

4. Com alegria e esperança caminhando eu vou,
minha vida está sempre em Suas mãos.
E na casa do Senhor eu irei habitar,
e este canto para sempre irei cantar.

Joseph Ratzinger - a claridade de Deus

“É necessário realçar também, justamente ao lado da obscuridade, a claridade de Deus. A partir do prólogo de João, está no centro da nossa fé cristã em Deus o conceito do Logos, que significa «razão», «sentido», mas também «palavra» – um sentido, portanto, que é palavra, que é relação, que é criador. O Deus que é Logos afiança-nos a racionalidade do mundo, a racionalidade do nosso ser, a adequação da razão a Deus e a adequação e Deus à razão, mesmo que a sua razão ultrapasse infinitamente a nossa e nos apreça tantas vezes escuridão. O mundo vem da razão, e essa razão é pessoa, é amor – é isso o que a fé bíblica nos diz a respeito de Deus. A razão pode e deve falar de Deus; caso contrário, mutila-se a si própria. O que inclui o conceito de criação. O mundo não é apenas maia, ou seja, aparência que, em última análise devemos deixar para trás. Ele não é apenas roda infinita dos sofrimentos, da qual devemos tentar escapar. O mundo é positivo. Ele é bom, apesar de todo o mal e de todo o sofrimento que contém, e é bom viver nele. O Deus que é criador e que Se manifesta na sua criação dá direção e medida à ação do homem”.

Joseph Ratinger - sobre as Jornadas Mundiais da Juventude

“Durante as grandes Jornadas Mundiais da Juventude, como por exemplo na mais recente, realizada em Paris [1997], a fé torna-se experiência, transmitindo a alegria de estar junto. Comunica-se um certo êxtase no bom sentido. O êxtase límpido da luz, do encontro alegre no sol de Deus ergue-se contra o êxtase sombrio e destruidor das drogas, dos ritmos martelados, da barulheira e do delírio. Que ninguém diga que isso é apenas coisa passageira. Em muitos casos sê-lo-á, sem dúvida. Mas esse momento pode ser um ponto de partida que coloque a pessoa no caminho”.

Joseph Ratzinger - um trave solta nos liga a Deus

“Ele está atado à cruz, mas a cruz não está presa a nada e flutua sobre o abismo. Dificilmente se encontraria uma imagem mais precisa e instigadora para a situação do fiel cristão nos dias de hoje. Nada mais que uma trave solta balançando sobre o nada parecer sustentá-lo, e já podemos quase adivinhar o instante em que irá soçobrar. Uma trave solta liga-o a Deus; mas liga-o de maneira definitiva, tanto assim que ele sabe, no fim, que esse pedaço de madeira é mais forte do que o nada que fervilha debaixo dele e que continuará a ser verdadeira força ameaçadora da sua vida presente”

domingo, 27 de outubro de 2013

Pe. Senra Coelho - ser instrumento de paz

       Na revista Família Cristã, como habitualmente, o Pe. Senra Coelho responde a uma carta dos leitores. Na última edição, novembro 2013, intitula a reflexão "ser instrumento de paz, procurando apontar caminhos quando surgem dificuldades no seio da família:
SEIS PASSOS:
1.º estar em paz connosco memso, por para transmiir a paz, temos de estar em paz e para perdoarmos temos de nos sentir perdoados. Só controlando-nos e conquistando a serenidade podemos refletir e dialogoar.
2.º Delimitar a zona de conflito, sem deixar que as contendas alastrem a toda a família e a todos os aspetos familiares.
3.º Não ir além das ofensas recebidas, empolgando ou dramatizando, mas cultivar com a serenidade a leitura obejectiva dos factos.
4.º Controlar todos os ímpetos de rancor e vingança, percebendo que esses sentimentos são inferiores, pois o coação magnânimo é grande e sabe perdoar.
5.º Assumir a atitude de Jesus, que São Paulo recorda na Carta aos Romanos (12, 14-21): «Bendizei os que vos perseguem; bendizei, não amaldiçoeis. Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram. Preocupai-vos em andar de acordo uns com os outros; não vos preocupeis com as grandezas, mas entregai-vos ao que é humilde; não vos julgueis sábios por vós próprios. Não pagueis a ninguém o mal com o mal; interessai-vos pelo que é bom diante de todos os homens. Tanto quanto for possível e de vós dependa, vivei em paz com todos os homens. Não vos vingueis por vós próprios, caríssimos; mas deixai que seja Deus a castigar, pois está escrito: É a mim que compete punir, Eu é que hei-de retribuir, diz o Senhor. Em vez disso, se o teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer; se tem sede, dá-lhe de beber; porque, se fizeres isso, amontoarás carvões em brasa sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem».
6.º O perdão nos cristãos encontra um modelo em Jesus cristo, o qual amor e perdoou aqueles que O odiavam e decidiram eliminar: «Pai perdoa-lhes porque não sabem o que fazem»

Joseph Ratzinger - Introdução ao Cristianismo

JOSEPH RATZINGER. Introdução ao cristianismo. Prelecções sobre o «Símbolo Apostólico». Principia. Cascais 2006. 272 páginas.
 
       A Introdução ao Cristianismo é uma obra de referência para a teologia do século XX mas que entra inevitavelmente neste novo século e milénio, não fosse o seu autor um dos mais conceituados teólogos do mundo católico e cristão, Joseph Ratzinger, que viria a ser Bispo, Cardeal, Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, braço direito de João Paulo II e de Papa Bento XVI, de 19 de abril de 2005 a 28 de fevereiro de 2013, tendo decidido resignar para que o Evangelho ganhasse vigor num mundo cada vez mais exigente.
       Tinha sido um dos peritos do Concílio, acompanhando o seu Bispo. Era, e continuou a ser, um promissor teólogo. Professor, estudioso. Não deixando de o ser, mesmo assumindo a missão de Pastor.
       Este livro foi dado à estampa em 1968. Como se refere no prefácio à 10.ª edição, em pouco mais de um ano “vulgarizou-se”, com uma venda invulgar “ultrapassando inclusive as fronteiras entre o Oeste e o Leste e entre os diversos credos religiosos”.
       Em 2000, novo prefácio, que assinala dois anos especiais que atravessaram os 30 anos que tinha a obra: 1968 e 1989. Dois acontecimentos verdadeiramente revolucionários. No entanto, Ratzinger, agora Cardeal, mantem as linhas orientadoras do seu estudo, como contributo para a reflexão teológico, centrado no credo, no Símbolo dos Apóstolos, desde o início em que foi surgindo nas fórmulas batismais, de pergunta e resposta, e à volta do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Profissão de Fé que vem antes do dogma.
       Obviamente, ao longo doa anos, Ratizinger publicou outras obras, que aprofundam alguns aspetos, com outras matizes, com outros enquadramentos. Certamente que este é um livro fundamental para conhecer o pensamento de Ratzinger/Bento XVI. Vislumbram-se muitas das intuições presentes posteriormente em outros estudos, mas também em homilias, mensagens, discursos, conferências.
       Introdução ao Cristianismo foi preparado para ser publicado em livro, mas nasceu das prelecções proferidas pelo sacerdote Joseph Ratzinger, para audiências de todas as faculdades durante o semestre de verão de 1967, em Tübingen.
       É um texto de fácil compreensão, mas não tanto como outros mais pastorais. Evidentemente trata-se de uma obra de estudo, de reflexão, académica, ainda que bastante expositiva, viva no debate, com exemplos, pequenas histórias, centrando-se no CREDO mas dialogando com diversos ambientes, autores, épocas, diferentes áreas do saber.
       Duas notas muito em evidência em todo o texto: humildade de quem faz teologia, respeito por quem discorda acolhendo os aspetos mais relevantes. Desde o início que o sacerdote/professor deixa claro que a teologia não encerra o mistério de Deus. Quem pretender absolutizar a teologia corre o sério risco de limitar a omnipotência, colocando-se em seu lugar. Por outro lado, Ratzinger lança diversas pontes de diálogo e discussão com autores católicos, protestantes, e até judeus. Mesmo recusando argumentos de alguns autores bem conhecidos, sublinha sempre o trabalho, a seriedade que tiveram ou aqueles princípios que terão que ser melhor estudados, ou que deram um importante contributo à reflexão teológico e/ou científica, nesta ou naquela área. També aqui cai por terra, com facilidade, o preconceito que rodeou o teólogo, o Cardeal e o Papa (Bento XVI) que seria déspota ou demasiado rígido. Leia-se e ver-se-á a disponibilidade para o diálogo, e a humildade diante do mistério de Deus. E no final, como valor maior o amor. A fé é razão. O Verbo encarnou. O Verbo é o Logos, é razão. A fé é razoável. A fé não é escuridão, mesmo que haja momentos de treva, é sobretudo luz. É Palavra. É Pessoa, Jesus Cristo. É amor. Estas intuições estão muito presentes na primeira Carta Encíclica do Papa Francisco, preparada por Bento XVI.
       Outros livros mais acessíveis e onde Bento XVI aprimora o seu discurso, tornando-o mais simples e claro. Jesus de Nazaré (em três volumes), publicado já como Papa Bento XVI, obra sobre Jesus Cristo, mistério da encarnação, vida pública, morte e ressurreição; A Alegria da Fé, recolha de textos, discursos, homilias, trechos das encíclicas, exortações, centrados no CREDO e nos Sacramentos. Um livrinho que também recomendámos e que aborda sobretudo a questão da fé: Aprender a acreditar. Estas leituras são mais fáceis, acessíveis, mais pastorais, mais orais, se quisermos. Mas para quem quiser aprofundar mais o pensamento de Bento XVI, ou acompanhar um pouco mais o processo de reflexão, de argumentação, de estudo, será revelador a leitura desta obra.

LEITURAS: Bento XVI - Aprender a acreditar


BENTO XVI. Aprender a Acreditar. Paulus Editora. Lisboa 2012. 98 páginas.
       Envolvido na reflexão do papa Bento XVI, que há dias atrás propusemos para leitura – a Alegria da Fé – escolhemos outra obra para ler e que nos permite continuar a saborear a forma leve, acessível, contagiante da escrita/reflexão do Papa ancião. Homilias, discursos, cartas, mensagens, coligidos de forma sistemática por Giuliano Vigini, numa temática concreta, desta feita “Aprender a Acreditar”, título que integra uma coleção da Paulus Editora, “Introdução à Fé”, encorpando a compreensão do Ano da Fé, convocado por Bento XVI e que será concluído pelo Papa Francisco.
       Segundo Vigini, no prefácio a esta obra, “porque estamos num tempo de esquecimento de Deus, o Ano da Fé é como «a cidade levantada num monte» para o qual Bento XVI nos convida a subir. Daquele lugar, afastamo-nos com a imaginação e o coração desde os confins deste pequeno muno ancorado no presente; vamos subindo e observamos o espaço na direção dos horizontes sem confins da realidade futura, onde a luz ilumina de esperança a atualidade do homem. Inicia, por, ou retoma, a viagem à procura de Deus, com o propósito de O encontrar ou de O reencontrar, ou seja, de estabelecer com Ele uma relação pessoa que entre mais em profundidade no espaço e no testemunho da vida. Aprender a acreditar é um convite, uma exortação, um empenhamento”.
       Quatro capítulos cujos títulos são elucidativos: 1) A inquietação do coração; 2) O caminho da Procura; 3) Porque é difícil crer; 4) As respostas da Fé.
       O ponto de partida é a inquietação, partindo da humildade do coração. Nesta perspetiva, a inquietação dos jovens com tanta vida pela frente. Papel preponderante é a Esperança, não apenas em nós ou nas coisas materiais ou no tempo presente. À medida que realizamos as nossas aspirações, outras maiores vão surgindo, e a alma, nas palavras de Santo Agostinho, um dos santos prediletos de Bento XVI, conjuntamente com São José e São Bento (nomes de batismo e de pontificado, respetivamente), a nossa alma anda inquieta enquanto não repousar em Deus, a Esperança maior, a grande esperança, que não é aniquilada com a morte.
       A procura é contínua. Ajuda a reflexão de Santo Agostinho. Procurar, encontrar, voltar a procurar. Trata-se da conversão permanente, estamos a caminho. Por outro lado, procuramos Deus, mas também Deus nos procura, vem ao nosso encontro, em Jesus Cristo, caminha connosco. O Deus que Jesus nos mostra não é o da filosofia, distante, mas é Amor, próximo. Coração que ama. Sentindo-nos amados respondemos com amor. Daí também a perspetiva da caridade, sabendo que existem situações em que primeiro amamos, servimos, e só depois anunciamos Deus. Mas se Deus é amor, então ao amarmos já estamos a comunicar Deus.
       Um dos aspetos amplamente refletidos por Bento XVI, e de que dá nota esta recolha de textos, a dialética entre fé e razão. O mundo atual, e sobretudo o Ocidente, endeusou a ciência em contraponto com a fé. Bento XVI, em diversas ocasiões, afirma claramente a riqueza da fé, a fé como LUZ e não como obscuratimos, e como a fé e a razão se conjugam, se ajudam e mutuamente se purifica. A ciência leva ao desenvolvimento, mas falta-se a ética, que vem da fé, e da razão.
       A fé é dom, acolhido, rezado, celebrado. É uma luz na escuridão, uma Luz que irradia de Jesus e que se enriquece em Igreja, em comunidade. Sobretudo na quarta parte vislumbra-se a reflexão que está amplamente difundida na primeira Carta Encíclica do Papa Francisco, A Luz da Fé, preparada, num primeiro esboço, pelo próprio papa Bento XVI e cujas intuições aparecem na largueza das suas meditações, assumida por inteiro pelo atual Papa que lhe deu o seu cunho, aqui e além.
       Mais um belíssimo texto para ler. Não é preciso muito tempo. É necessário começar a ler e deixar-se conduzir pela fluidez do discurso. Vai poder enriquecer o seu vocabulário espiritual, humano.

sábado, 26 de outubro de 2013

XXX Domingo do Tempo Comum - ano C - 27 de outubro

       1 – Só a humildade nos alcança a misericórdia e a verdadeira sabedoria, que para nós cristãos, vem e está em Deus e nos é dada em Jesus Cristo, a Palavra, a Sabedoria por excelência. A soberba e a prepotência encerram-nos dentro de nós, como se estivéssemos em um castelo sem portas nem janelas, sem luz, sem dia, sem possibilidades de sair para apanhar ar fresco, ou nos deixarmos inundar pela claridade do sol. Se nos colocamos na atitude de dispensarmos tudo e todos, considerando-nos a nós mesmos como referência, perfeitos e acabados, melhores que todos os outros, como se fôramos deuses, ficaremos para sempre na ignorância que gera arrogância. Os outros são um inferno (Sartre), um estorvo, uma insignificância, uma nulidade, e nós a medida de todas as coisas.
       Joseph Ratzinger (Bento XVI), na sua Introdução ao Cristianismo (1968), contrapunha esta ideia: “o inferno é a solidão experimentada por aquele que não quer aceitar nada, que se recusa a ser mendigo, para se enclausurar em si mesmo”.
       A palavra de Deus aguça o nosso espírito, desperta a nossa mente e o nosso coração. A plenitude da Palavra é Jesus Cristo, Rosto e Presença do Deus eterno. É Palavra dada, que Se faz carne, Corpo, Pessoa, entre nós, um de nós, Deus connosco. É AMOR que nos guia para o Pai, assumindo-nos como irmãos, entregando-nos a Sua vida, dando-nos a Vida eterna.
       Sendo de condição divina, não Se arroga esse direito, identifica-Se connosco. Abaixa-Se para nos elevar. Faz-Se pobreza, despojamento, profundamente humano, para nos engrandecer com a Sua riqueza. É em atitude de HUMILDADE que assume realizar a vontade do Pai. Ele fala e age e vive não a partir de Si mesmo mas do Pai, e por nós homens e para nossa salvação. “O Filho, por si mesmo, não pode fazer nada… Eu não posso fazer nada” (Jo 5, 19.30).
       Como discípulos, não se espera outra opção que não seja o caminho de conversão, de abertura, de mudança de vida, de disponibilidade e disposição para permanentemente configurarmos a nossa vida com a Sua vida de inteira doação. Aprendizes. Alunos. Prontos para acolher o bem que dos outros nos vem e tudo o que de bom e belo nos chega do Outro.
       2 – Diante do Senhor não nos adianta ser o que não somos. Ele conhece-nos intimamente. Não precisamos de justificações, pois só a Sua misericórdia justifica a nossa vida. A oração abre-nos o coração para a escuta de Deus, para o acolhimento da sua vontade, predispondo-nos a alterar os aspetos da vida que ainda nos distanciam d’Ele e dos outros.
       Deus não quer que sejamos outros que não nós mesmos, com a nossa fragilidade e o nosso pecado. Não para nos humilhar. Não para nos espezinhar. Não para nos prender na miséria. Precisamente o contrário. Em Cristo, Deus assume a nossa debilidade para nos elevar, para nos envolver a viver mais humanamente. Enquanto verdadeiramente humano, Jesus introduz-nos no verdadeiramente divino.
       Conta Jesus mais uma parábola. Ao templo, à Igreja, acorrem dois homens. Um fariseu, um homem bem visto, considerado social e politicamente. Já se sente justificado. “Eu sou bom, Senhor, sou melhor que todos os outros. Cumpro todas as minhas obrigações e ainda me sobra tempo. Os outros são maus, bêbados, prevaricadores. Ainda bem que não sou um deles”.
       O outro, um cobrador de impostos, publicano, inimigo da gente boa, excluído do jet-set social, religioso, político. Abre o seu coração para Deus. Não precisa de fingir. Mantém-se em atitude suplicante, humildemente à distância, sabendo da sua pequenez e do seu pecado, mas aberto à confiança num Deus compassivo e bom: «Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador». O reconhecimento do nosso pecado coloca-nos na esteira da conversão. Se já nos consideramos o máximo, porquê abrirmo-nos à graça de Deus?
       Jesus apresenta este último como o modelo do discípulo. Aqueles que se exaltam serão humilhados. Aqueles que se humilham serão exaltados. O fariseu não se quer misturar. Está muito à frente. Curiosamente, Jesus vem misturar-se com os pecadores, vem para ser um de nós, não à distância do Céu, mas a partir da terra dos homens, deste chão que nos irmana.
       Olhemos para Maria, a cheia de graça. Não é Ela que assim se apresenta. É Deus que A reconhece. A sua postura é a da pobreza: «O Senhor… pôs os olhos na humildade da sua serva». «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38.48).

       3 – Nos regimes comunistas, sob a égide da luta de classes, procurava-se substituir os patrões, colocando no seu lugar os trabalhadores. Para elevar uns, destronavam-se os outros. Teoricamente a luta de classes visava a eliminação das mesmas. Na prática foi um desastre completo. Faltava-lhe a CARNE, o Amor, Alguém que superasse todo o egoísmo humano.
       O cristianismo, defendendo a participação de todos, a igualdade de oportunidades, no reconhecimento da fraternidade, na opção preferencial pelos mais pobres, está a quilómetros de distância do socialismo marxista, pois não se trata de substituir uns pelos outros, mas encontrar um justo equilíbrio na distribuição de bens, assente na partilha solidária, promovendo os mais frágeis para que sejam incluídos na convivência salutar da sociedade, da política, da religião. Isto é, não é preciso anular uns para promover outros, embora se exija uma maior responsabilização, maior equidade, e uma repartição mais efetiva de bens materiais e culturais, procurando que todos estejam bem, vivam dignamente, como irmãos, como família.
       Na verdade, “o Senhor é um juiz que não faz aceção de pessoas. Não favorece ninguém em prejuízo do pobre… Atende a prece do oprimido. Não despreza a súplica do órfão nem os gemidos da viúva… a oração do humilde atravessa as nuvens e não descansa enquanto não chega ao seu destino”. Confiamos como o salmista: “O Senhor está perto dos que têm o coração atribulado… os justos clamaram e o Senhor os ouviu…”
       Deus a todos atende, mas são os doentes que precisam de médico, não os sãos. Daí que Deus, e nós deveremos seguir a mesma opção, se debruce sobretudo em direção aos mais pobres, às pessoas mais fragilizadas, com menos meios, a viver em défice de dignidade.

       4 – A lógica é a da sempre. Na oração e na vida. Na fé e em tudo o que nos liga aos outros, diante de Deus. Humildade. Abertura. Serviço. Amor. Partilha de bens e de dons. Comunhão de irmãos em Cristo Jesus. Ele estará connosco. Até ao fim dos tempos. Sempre que estivermos ao serviço dos irmãos, sempre que em Seu nome nos reunirmos e fizermos o bem.
       O apóstolo São Paulo, dirigindo-se de novo a Timóteo, apresenta-se de consciência tranquila. Não se desviou de Jesus e do Seu caminho de serviço, no anúncio do Evangelho.
“Quanto a mim, já estou pronto para oferecer-me como sacrifício… Combati o bom combate, terminei a corrida, permaneci fiel. A partir de agora, já me aguarda a merecida coroa, que me entregará, naquele dia, o Senhor, justo juiz, e não somente a mim, mas a todos os que anseiam pela sua vinda… O Senhor esteve comigo e deu-me forças, a fim de que, por meu intermédio, o anúncio fosse plenamente proclamado e todos os gentios o escutassem. Assim fui arrebatado da boca do leão. O Senhor me livrará de todo o mal e me levará a salvo para o seu Reino celeste. A Ele, a glória, pelos séculos dos séculos. Ámen!”
       Também a oração de Paulo é confiante. Deus é um Deus que escuta a nossa prece e vem em auxílio da nossa fraqueza.

Textos para a Eucaristia (ano C): Sir 35, 15b-17.20-22a; Sl 33 (34); 2 Tim 4, 6-8.16-18; Lc 18, 9-14

Avalanches da Fé na Paróquia de Tabuaço

       No passado dia 12 de outubro, realizaram-se as Avalanches da Fé na Paróquia de Tabuaço. As vindimas e a apanha da maça dificultou a presença de mais jovens. De qualquer forma, com alegria e entusiasmo, juntaram-se jovens de Tabuaço e jovens que acompanharam o Pe. Giroto e o Pe. Ricardo, responsável pela Juventude no Arciprestado de Moimenta, Sernancelhe e Tabuaço. Aos jovens agregaram-se alguns adultos.
       Pelas 9h00, a oração da manhã e o envio. Pelas 13h00, o almoço. A Eucaristia, juntamente com as crianças da catequese, pelas 17h00, com a animação coral dos jovens. O dia de festa terminou com um lanche conjunto com os jovens das avalanches e com os meninos da catequese, pais e catequitas. Disponibilizamos algumas imagens deste dia:
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Início da Catequese Paroquial 2013/2014

       No passado dia 12 de outubro, em dia de AVALANCHES da FÉ na paróquia de Tabuaço, o início do ANO CATEQUÉTICO. Como em anos anteriores, um momento conjunto com os meninos/meninas da catequese, alguns pais, sobretudo do primeiro ano, catequistas. Segiu-se a clebração da Eucaristia, animada pelos jovens das avalanches.
       Depois da Eucaristia, um outro momento, também importante, para maior proximidade de crianças, catequistas e pais, lanche, ainda com a presença dos jovens das Avalanches. Algumas das imagens disponíveis:
(1.º ano de catequese)
(2.º ano de catequese)
(3.º ano de catequse)
(4.º ano de catequese)
(5.º ano de catequese)
(6.º ano de catequese)
(7.º ano de catequese)
(8.º ano de catequese)
(catequistas e pároco)
(pais)

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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

LEITURAS: Viver o Ano da Fé

PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO. Viver o ano da fé. Paulus Editora. Lisboa 2012. 226 páginas.
 
       Com a finalidade de ajudar a viver o Ano da Fé, o Conselho Pontifício para a Nova Evangelização, seguindo de perto as preocupações de Bento XVI, deu à estampa este subsídio, coordenado pelo Presidente do Conselho, Rino Fisichella, e com o contributo de alguns párocos, em Portugal integra uma coleção da Paulus Editora, “Introdução à Fé”. Além da reflexão teológica, várias sugestões pastorais, ou pelo menos desafios para concretizar nas comunidades.
       Logo no prefácio, Rino Fisichella diz ao que vem: “Este subsídio pastoral tem como intenção corresponder ao desejo do Santo Padre. Apresenta-se como um instrumento simples e sintético que percorre de novo quatro indicações propostas: confessar, celebrar, viver e rezar. Ele é fruto de uma reflexão comum e participada que envolveu teólogos, responsáveis da catequese e párocos”.
       Ao longo de diversas páginas, destaca-se, primeiramente, o CREDO, com os seus diversos artigos de fé, verdades que nascem das comunidades e da necessidade de assumir e professar publicamente o que se crê. Credo como identidade. Pai, Filho, Espírito Santo. Santa Igreja Católica, Una, Santa e Apostólica. Catecismo da Igreja Católica. Sacramentos. Da iniciação: batismo, eucaristia, confirmação. Da cura: penitência e unção dos enfermos. Em ordem à comunhão: ordem e matrimónio. Enquadramento. Celebração litúrgica. Fundamentos bíblicos. Evolução.
       Ao aproximar-se do final, a indicação mais prática de algumas atitudes a assumir nas comunidades paroquiais. Apresenta-se, especificamente, o episódio/imagem de Emaús, para uma Igreja missionária. Os dois discípulos em fuga e como um forasteiro, Jesus, vai ao seu encontro suscitando neles do desejo e a decisão de voltar a Jerusalém. Atitudes: APROXIMAR, PERGUNTAR, ESCUTAR, PROPOR, PARTIR. A comunidade há de procurar assimilar a postura de Jesus Cristo, aproximar-se e caminhar com eles. Perguntar, mesmo antes de dar respostas. Escutar, sem censurar, “escutar com o coração, perscrutar com os olhos afetuosos a experiência dos outros para os conduzir a Deus”. Propor, testemunhando o que aconteceu. Quem se predispõe a caminhar, a escutar, também poderá propor Jesus. Partir. “A comunidade parte sempre de Jerusalém, já não desiludida, porque a experiência de ter visto e encontrado o Senhor não pode ser simplesmente guardada para nós”.
       Esta é uma excelente obra para leitura, meditação, para formação cristã. Traz também a sugestão de celebrações para o Ano da Fé, para o início e para o encerramento.
       Certamente, que desde o início do ano da fé, muitos foram os títulos enquadrados com a preocupação de tornar a fé uma alegre notícia. Basta visitar uma livraria (religiosa), ou aceder através da internet. Com a resignação do Bento XVI e a eleição do Papa Francisco, mais se acentuou a pertinência da fé, a proximidade da Igreja, de Jesus Cristo, recuperando-se a reflexão de anos do Papa emérito, e com um olhar redobrado nas palavras e nos gestos do papa Francisco. Até este acontecimento foi providencial, clarificando a fé e a experiência de proximidade com Jesus Cristo, que transborda para a proximidade com os outros.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

João Paulo II - escancarai as portas a Cristo

HOMILIA de início de Pontificado do Papa João Paulo II, a 22 de outubro de 1978:
        Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo! (Mt. 16, 16).
       Estas palavras foram pronunciadas por Simão, filho de Jonas, na região de Cesareia de Filipe. Sim, ele exprimiu-as na sua própria língua, com uma profunda, vivida e sentida convicção; mas elas não tiveram nele a sua fonte, a sua nascente: .., porque não foram a carne nem o sangue quem to revelaram, mas o Meu Pai que está nos céus (Mt. 16, 17). Tais palavras eram palavras de Fé.
       Elas assinalam o início da missão de Pedro na história da Salvação, na história do Povo de Deus. E a partir de então, de uma tal confissão de Fé, a história sagrada da Salvação e do Povo de Deus devia adquirir uma nova dimensão: exprimir-se na caminhada histórica da Igreja. Esta dimensão eclesial da história do Povo de Deus tem as suas origens, nasce efectivamente dessas palavras de Fé e está vinculada ao homem que as pronunciou, Pedro: Tu és Pedro — rocha, pedra — e sobre ti, como sobre uma pedra, Eu edificarei a Minha Igreja (Cfr. Mt. 16, 18).
       Hoje e neste lugar é necessário que novamente sejam pronunciadas e ouvidas as mesmas palavras: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!
       Sim, Irmãos e Filhos, antes de mais nada estas palavras.
        O seu conteúdo desvela aos nossos olhos o mistério de Deus vivo, aquele mistério que o Filho veio colocar mais perto de nós. Ninguém como Ele, de facto, tornou o Deus vivo assim próximo dos homens e ninguém O revelou como o fez só Ele mesmo. No nosso conhecimento de Deus, no nosso caminhar para Deus, estamos totalmente dependentes do poder destas palavras: Quem me vê a Mim, vê também o Pai (Jo. 14, 9). Aquele que é infinito, imperscrutável e inefável veio para junto de nós em Jesus Cristo, o Filho unigénito, nascido de Maria Virgem no presépio de Belém.
       O vós, todos os que já tendes a dita inestimável de crer; vós, todos os que ainda andais a buscar a Deus; e vós também, os atormentados pela dúvida:
       — procurai acolher uma vez mais — hoje e neste local sagrado — as palavras pronunciadas por Simão Pedro. Naquelas mesmas palavras está a fé da Igreja; em tais palavras, ainda, encontra-se a verdade nova, ou melhor, a última e definitiva verdade — sobre o homem: o filho de Deus vivo. — Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo!
       Hoje o novo Bispo de Roma inicia solenemente o seu ministério e a missão de Pedro. Nesta Cidade, de facto, Pedro desempenhou e realizou a missão que lhe foi confiada pelo Senhor. Alguma vez, o mesmo Senhor dirigiu-se a ele e disse-lhe: Quando eras mais jovem, tu próprio te cingias e andavas por onde querias; mas quando fores velho, estenderás as mãos e outro cingir-te-á e levar-te-á para onde tu não queres (Jo. 21, 18).
        Pedro, depois, veio para Roma! E o que foi que o guiou e o conduziu para esta Urbe, o coração do Império Romano, senão a obediência à inspiração recebida do Senhor? — Talvez aquele pescador da Galileia não tivesse tido nunca vontade de vir até aqui; teria preferido, quiçá, permanecer lá onde estava, nas margens do lago de Genesaré, com a sua barca e com as suas redes. Mas, guiado pelo Senhor e obediente à sua inspiração, chegou até aqui.
       Segundo uma antiga tradição (e, qual foi objecto de uma expressão literária magnífica num romance de Henryk Sienkiewicz), durante a perseguição de Nero, Pedro teria tido vontade de deixar Roma. Mas o Senhor interveio e teria vindo ao encontro dele. Pedro, então, dirigindo-se ao mesmo Senhor perguntou: "Quo vadis Domine? — Onde ides, Senhor?". E o Senhor imediatamente lhe respondeu: "Vou para Roma, para ser crucificado pela segunda vez". Pedro voltou então para Roma e aí permaneceu até à sua crucifixão.
       Sim, Irmãos e Filhos, Roma é a Sede de Pedro. No decorrer dos séculos sucederam-se nesta Sede sempre novos Bispos. E hoje um outro novo Bispo sobe à Cátedra de Pedro, um Bispo cheio de trepidação e consciente da sua indignidade. E como não havia ele de trepidar perante a grandeza de tal chamamento e perante a missão universal desta Sede Romana?
       Depois, passou a ocupar hoje a Sé de Pedro em Roma um Bispo que não é romano, um Bispo que é filho da Polónia. Mas, a partir deste momento também ele se torna romano. Sim, romano! Até porque é filho de uma nação cuja história, desde os seus alvores, e cujas tradições milenárias estão marcadas por um ligame vivo, forte, jamais interrompido, sentido e vivido com a Sé de Pedro, de uma nação que a esta mesma Sé de Roma permaneceu sempre fiel. Oh, como é insondável o desígnio da Divina Providência!
       Nos séculos passados, quando o Sucessor de Pedro tomava posse da sua Sede, era colocado sobre a sua cabeça o símbolo do trirregno, a tiara papal. O último a ser assim coroado foi o Papa Paulo VI em 1963, o qual, porém, após o rito solene da coroação, nunca mais usou esse símbolo do trirregno, deixando aos seus sucessores a liberdade para decidirem a tal respeito.
       O Papa João Paulo I, cuja memória está ainda tão viva nos nossos corações, houve por bem não querer o trirregno; e hoje igualmente o declina o seu Sucessor. Efectivamente, não é o tempo em que vivemos tempo para se retornar a um rito e àquilo que, talvez injustamente, foi considerado como símbolo do poder temporal dos Papas.
        O nosso tempo convida-nos, impele-nos e obriga-nos a olhar para o Senhor e a imergir-nos numa humilde e devota meditação do mistério cio supremo poder do mesmo Cristo.
        Aquele que nasceu da Virgem Maria, o filho do carpinteiro — como se considerava —, o Filho de Deus vivo — confessado por Pedro — veio para fazer de todos nós um reino de sacerdotes (Cfr. Ex. 19, 6).
       O II Concílio do Vaticano recordou-nos o mistério de um tal poder e o facto de que a missão de Cristo — Sacerdote, Profeta, Mestre e Rei — continua na Igreja. Todos, todo o Povo de Deus é participe desta tríplice missão. E talvez que no passado se pusesse sobre a cabeça do Papa o trirregno, aquela tríplice coroa, para exprimir, mediante tal símbolo, o desígnio do Senhor sobre a sua Igreja; ou seja, que toda a ordem hierárquica da Igreja de Cristo, todo o seu "sagrado poder" que nela é exercitado mais não é do que o serviço, aquele serviço que tem como finalidade uma só coisa: que todo o Povo de Deus seja participe daquela tríplice missão de Cristo e que permaneça sempre sob a soberania do Senhor, a qual não tem as suas origens nas potências deste mundo, mas sim no Pai celeste e no mistério da Cruz e da Ressurreição.
       O poder absoluto e ao mesmo tempo doce e suave do Senhor corresponde a quanto é o mais — profundo do homem, às suas mais elevadas aspirações da inteligência, da vontade e do coração. Esse poder não fala com a linguagem da força, mas exprime-se na caridade e na verdade.
       O novo Sucessor de Pedro na Sé de Roma, neste dia, eleva uma prece ardente, humilde e confiante: O Cristo! Fazei com que eu possa tornar-me e ser sempre servidor do Vosso único poder! Servidor do Vosso suave poder! Servidor do vosso poder que não conhece ocaso! Fazei com que eu possa ser um servo! Mais ainda: servo dos Vossos servos.
        Irmãos e Irmãs:
       não tenhais medo de acolher Cristo e de aceitar o Seu poder! E ajudai o Papa e todos aqueles que querem servir a Cristo e, com o poder de Cristo, servir o homem e a humanidade inteira! Não, não tenhais medo! Antes, procurai abrir, melhor, escancarar as portas a Cristo! Ao Seu poder salvador abri os confins dos Estados, os sistemas económicos assim como os políticos, os vastos campos de cultura, de civilização e de progresso! Não tenhais medo! Cristo sabe bem "o que é que está dentro do homem". Somente Ele o sabe!
       Hoje em dia muito frequentemente o homem não sabe o que traz no interior de si mesmo, no profundo do seu ânimo e do seu coração, muito frequentemente se encontra incerto acerca do sentido da sua vida sobre esta terra. E sucede que é invadido pela dúvida que se transmuta em desespero. Permiti, pois — peço-vos e vo-lo imploro com humildade e com confiança — permiti a Cristo falar ao homem. Somente Ele tem palavras de vida; sim, de vida eterna.
       Precisamente neste dia, a Igreja inteira celebra o seu "Dia Missionário Mundial"; ou seja, reza, medita e age a fim de que as palavras de vida de Cristo possam chegar a todos os homens e por eles sejam. acolhidas como mensagem de salvação, de esperança e de libertação total.
       Quero agradecer a todos os presentes, que quiseram assim participar neste acto solene do início do ministério do novo Sucessor de Pedro.
       Agradeço do coração aos Chefes de Estado, aos Representantes das Autoridades, às Delegações de Governos, pela sua presença que muito me honra.
       Obrigado a Vós, Eminentíssimos Cardeais da Santa Igreja Romana!
       Agradeço-vos, amados Irmãos no Episcopado!
       Obrigado a vós, Sacerdotes!
       A vós, Irmãs e Irmãos, Religiosas e Religiosos das várias Ordens e Congregações, obrigado!
       Obrigado a vós, Romanos!
       Obrigado aos peregrinos, vindos aqui de todo o mundo!
       E obrigado a todos aqueles que estão unidos a este Rito Sagrado através da Rádio e da Televisão!
        E agora (em polaco) dirijo-me a vós, meus queridos compatriotas, Peregrinos da Polónia: aos Irmãos Bispos, tendo à frente o vosso magnífico Primaz; e aos Sacerdotes, Irmãs e Irmãos das Congregações religiosas, polacos, como também a vós, representantes da "Polónia" do mundo todo:
       E que vos direi a vós, os que viestes aqui da minha Cracóvia, da Sé de Santo Estanislau, de quem eu fui indigno sucessor durante catorze anos! Que vos direi? — Tudo aquilo que vos pudesse dizer seria pálido reflexo em confronto com quanto sente neste momento o meu coração e sentem igualmente os vossos corações. Deixemos de parte, portanto, as palavras. E que fique apenas o grande silêncio diante de Deus, o silêncio que se traduz em oração.
       Peço-vos que estejais comigo! Em Jasna Gora e em toda a parte. Não deixeis nunca de estar com o Papa, que neste dia ora com as palavras do poeta: "Mãe de Deus defendei vós a Límpida Czestochowa e resplandecei na 'Porta Aguda'!" (1). E as mesmas palavras eu as dirijo a vós, neste momento particular.
       Fiz um apelo (em italiano) e um convite à oração pelo novo Papa, apelo que comecei a exprimir em língua polaca...
       Com o mesmo apelo dirijo-me agora a vós, todos os filhos e todas as filhas da Igreja Católica. Lembrai-vos de mim, hoje e sempre, na vossa oração!
       Aos católicos dos países de língua francesa (em francês), exprimo todo o meu afecto e toda a minha dedicação! E permito-me contar com o vosso amparo filial e sem reservas! Oxalá façais novos progressos na fé! Aqueles que não partilham esta fé, dirijo também a minha respeitosa e cordial saudação. Espero que os seus sentimentos de benevolência facilitarão a missão que me incumbe e que não deixa de ter reflexos sobre a felicidade e a paz do mundo!
      A todos vós os que falais a língua inglesa (em inglês) envio, em nome de Cristo, uma cordial saudação. Conto com a ajuda das vossas orações e na vossa boa vontade, para levar avante a minha missão de serviço à Igreja e à humanidade. Que Cristo vos dê a Sua graça e a Sua paz, abatendo as barreiras da divisão e de tudo fazendo, n'Ele, uma só coisa.
       Dirijo (em alemão) uma afectuosa saudação a todos os representantes dos povos dos países de língua alemã, aqui presentes. Diversas vezes, e ainda recentemente durante a minha visita à República Federal da Alemanha, tive ocasião de conhecer pessoalmente e de apreciar a benéfica actividade da Igreja e dos seus fiéis. Oxalá que o vosso compromisso e o vosso sacrifício por Cristo venham, também no futuro, a tornar-se fecundos para os grandes problemas e as preocupações da Igreja em todo o mundo. É isto o que vos peço, recomendando às vossas especiais orações o meu novo ministério apostólico.
       O meu pensamento dirije-se agora para o mundo de língua espanhola (em espanhol), porção tão considerável da Igreja de Cristo. A vós, queridos Irmãos e Filhos, chegue neste momento solene a saudação afectuosa do novo Papa. Unidos pelos vínculos da comum fé católica, sede fiéis à vossa tradição cristã vivida num clima cada vez mais justo e solidário, mantende a vossa conhecida proximidade ao Vigário de Cristo e cultivai intensamente a devoção à nossa Mãe Maria Santíssima.
       Irmãos e Filhos de língua portuguesa (em português): Como "servo dos servos de Deus", eu vos saúdo afectuosamente no Senhor. Abençoando-vos, confio na caridade da vossa oração e na vossa fidelidade, para viverdes sempre a mensagem deste dia e deste rito: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!
      ...
       Abro o coração a todos os Irmãos das Igrejas e das Comunidades Cristãs, saudando-vos (em italiano) em particular a vós, os que estais aqui presentes, na expectativa do próximo encontro pessoal; mas desde já vos quero expressar sincero apreço por haverdes querido assistir a este rito solene. E quero ainda dirigir-me a todos os homens — a cada um dos homens (e com quanta veneração o apóstolo de Cristo deve pronunciar esta palavra, homem!):
       — rezai por mim!
     — ajudai-me, a fim de que eu vos possa servir!
       Ámen. 
FONTE: Vaticano: AQUI.