sábado, 6 de outubro de 2012

XXVII Domingo do Tempo Comum - ano B - 7 de outubro

        1 – A leitura do livro do Génesis, que neste domingo nos é proposta, permite-nos refletir na dimensão social do ser humano, na necessidade que temos uns dos outros para sermos felizes – só nos encontramos e sabemos o que somos se nos confrontarmos com iguais –, e a vontade de Deus, neste como em outros textos, para o ser humano: a felicidade de todos.
Disse o Senhor Deus: «Não é bom que o homem esteja só: vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele»... Da costela do homem o Senhor Deus formou a mulher e apresentou-a ao homem. Ao vê-la, o homem exclamou: «Esta é realmente osso dos meus ossos e carne da minha carne. Chamar-se-á mulher, porque foi tirada do homem».
       Deus criou-nos por amor, capacitados para amar e ser amados, partilhar o melhor de nós, viver em comunhão, desfrutando da presença uns dos outros.
       Ninguém é feliz sozinho. O primeiro pecado da humanidade é o egoísmo (individualismo), o querer viver sem o outro, achar que se pode colocar para os outros como deus, soberano, independente, autossuficiente, sem precisar de prestar contas a outro que seja da mesma carne.
       Lembra Ermes Ronchi, “Adão, senhor de todas as coisas, busca no Éden uma ajuda semelhante a ele. Busca a coisa mais importante da sua vida: o assombro da infinita abertura. Ao outro mundo, a si mesmo. Adão está triste: o paraíso não vale a ausência de Eva... Só quando te sentes amado, podes desabrochar em todos os teus aspetos; só quando te sentes escutado, dás o melhor de ti próprio... O amor, em todas as suas formas, desvenda o sonho de Deus de que está repassada toda a criação...”.
       Segundo este autor, a primeira expressão do mal é a solidão. É o próprio Deus a concluir: não é bom que o homem esteja só. E essa solidão original só pode ser colmada por outro semelhante. Precisamos de outro coração para amar, precisamos de outro coração a quem amar. Só no encontro de corações acontece a redenção. E por conseguinte, na belíssima imagem deste texto, a mulher é “criada” a partir da costela do homem, ou seja, formada do coração do homem, para amar e ser amada, para se situarem lado a lado.
       2 – Deus criou-nos por amor e criou-nos livres. Não somos marionetas. Criou-nos inteligentes, relacionáveis, criativos, com criadores, diferentes e com qualidades que podem interagir e complementar-se, o homem com a mulher, e as pessoas entre si.
        Contudo, a liberdade tem um preço. Somos livres, nós e os outros, e por vezes, na nossa fragilidade muito humano, colidimos com a liberdade dos outros. Usando uma linguagem quotidiana, diríamos que no geral a liberdade é um dom de inestimável riqueza, que deve ser defendido, protegido, salvaguardado por todos e para todos. Mas ao descermos ao concreto da vida, nem sempre é fácil respeitar e promover a liberdade de todos. Na diferença enriquecemo-nos mutuamente, mas a conciliação de vontades próprias nem sempre é exequível. O encontro de liberdades engrandece-nos, obrigando, porém, ao diálogo. Ou melhor, ao amor, purificado pelo perdão.
       Diante de situações reais, de casas destruídas, de corações traídos, de famílias expostas ao egoísmo e ao pecado, perguntam a Jesus: «Pode um homem repudiar a sua mulher?». Ao que Jesus replica: «Que vos ordenou Moisés?». Eles responderam: «Moisés permitiu que se passasse um certificado de divórcio, para se repudiar a mulher». Jesus responde com a nossa limitação e fragilidade: «Foi por causa da dureza do vosso coração que ele vos deixou essa lei. Mas, no princípio da criação, ‘Deus fê-los homem e mulher. Por isso, o homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa, e os dois serão uma só carne’. Deste modo, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu».
       O encontro de dois corações, duas vidas, duas casas, do homem e da mulher, que são imagem e semelhança de Deus na comunhão de amor, é o que existe de mais belo e extraordinário e criativo, é o que existe de mais sagrado. Dois corações que se prendem e se libertam mutuamente (do egoísmo, da solidão, da tristeza), é a força maior, a maior revolução. É nesse diálogo de vidas, interação de casas – a minha casa entra na casa alheia e aquela torna-se a minha casa e eu a sua casa – dá-se a salvação, descubro o melhor de mim no encontro com outro semelhante a mim, da mesma carne, há uma parte de mim que habita nela e que me atrai como um íman e me completa: o amor (e não a costela). E o que se refere para o gérmen da família, o encontro de homem e da mulher, é exemplo para que a humanidade se torne uma grande família, dos pais com os filhos, dos patrões com os trabalhadores. Em Cristo não há judeus nem gregos, homens ou mulheres, livres ou escravos, todos são filhos amados de Deus, irmãos.

       3 – Como nas semanas anteriores, o exemplo para uma convivência sadia e fraterna, em casa, na família, e nas comunidades, vem das crianças, da sua delicadeza e simplicidade, da espontaneidade com que se dão em sorriso transparente aos outros, até aos estranhos.
       Relembramos que as crianças, como as mulheres, como os escravos, como os pecadores públicos, como as pessoas com alguma deficiência, não contavam, não faziam número. Jesus conta com uns e com outros. Não são números, ontem como hoje, são pessoas, e o mais insignificante também vale, vale tudo, é rosto, é presença de Deus. Jesus trá-los para a luz, para o meio, para junto dos seus discípulos. É assim com as mulheres, que seguem anonimamente atrás de Jesus, discretamente, em serviço, prestáveis, e que não chamam a atenção e aparecem quando expostas por homens. Jesus altera a postura. Faz incidir sobre elas a luz, reconhecendo-as como iguais. Do mesmo modo em relação às pessoas excluídas, leprosos, enfermos, surdos e mudos, coxos, publicanos e pecadores. Jesus convive com eles. Come à mesma meda e do mesmo pão. Vai ao seu encontro, não se desvia, e repreende os discípulos sempre que afastam crianças, ou querem silenciar alguém que grita por Ele.
“Apresentaram a Jesus umas crianças para que Ele lhes tocasse, mas os discípulos afastavam-nas. Jesus, ao ver isto, indignou-Se e disse-lhes: «Deixai vir a Mim as criancinhas, não as estorveis: dos que são como elas é o reino de Deus. Em verdade vos digo: Quem não acolher o reino de Deus como uma criança, não entrará nele». E, abraçando-as, começou a abençoá-las, impondo as mãos sobre ela”.
       A receita de Jesus, para a família, e para a humanidade, é o amor, o perdão, a fraternidade, ir buscar os últimos, os que servem, os que não contam, trazê-los para a vida, para o centro, para a luz do dia. O maior no reino de Deus é o que serve, o que ama, o que acolhe, o que protege e dá as mãos. O pecado e a destruição da família e da sociedade resulta do egoísmo e da solidão, que exclui e marginaliza.

       4 – Neste nosso peregrinar, mais esclarecidos ou titubeantes, no confronto com uma realidade quotidiana inundada de mil cores, de muitas situações felizes e de muitas outras controversas e destrutivas, de momentos luminosos e de momentos obscurecidos pela tristeza, pela solidão, não estamos sós, Jesus é o nosso garante, o nosso fim, a nossa salvação.
       Na epístola aos Hebreus, Jesus é reconhecido e apresentado como o sumo-sacerdote. Vem de Deus, para nos elevar para Ele. Faz-Se história, encarna, entranha-se no sofrimento humano, “ensina-nos” a viver humanamente. Morre e introduz-nos na eternidade de Céu, onde Se encontra a interceder por nós, de onde nos atrai e desafia.
“Jesus, que, por um pouco, foi inferior aos Anjos, vemo-l’O agora coroado de glória e de honra por causa da morte que sofreu, pois era necessário que, pela graça de Deus, experimentasse a morte em proveito de todos. Convinha, na verdade, que Deus, origem e fim de todas as coisas, querendo conduzir muitos filhos para a sua glória, levasse à glória perfeita, pelo sofrimento, o Autor da salvação. Pois Aquele que santifica e os que são santificados procedem todos de um só. Por isso não Se envergonha de lhes chamar irmãos”.
       N'Ele tornamo-nos irmãos, e na abertura recíproca aos outros e a Deus, encontraremos a salvação. Não é bom estarmos sós. Só com semelhantes poderemos progredir e caminhar. Só tornando-nos como crianças, na disponibilidade de servir, de amar, de perdoar, de dar o que temos e o que nos dão, seremos verdadeiramente humanos.
Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano B): Gen 2, 18-24; Hebr 2, 9-11; Mc 10, 2-16.

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