sábado, 9 de junho de 2012

X Domingo do Tempo Comum (ano B) - 10 de junho

       1 – Respondeu-lhes Jesus «Quem é minha Mãe e meus irmãos?» E, olhando para aqueles que estavam à sua vota, disse: «Eis minha Mãe e meus irmãos. Quem fizer a vontade de Deus esse é meu irmão, minha irmã e minha Mãe».
       É de todos conhecida esta reação de Jesus àqueles que O interpelaram sobre a presença de Maria e dos seus familiares mais próximos. Estranha-se esta passagem, até porque Maria e os seus familiares muitas vezes O acompanhavam sem que isso tenha suscitado admiração. Por outro lado, compreende-se numa situação que sugere que Jesus estava a passar das marcas e que alguém tivesse advertido a Sua Mãe e os familiares que poderiam ter alguma influência para levar Jesus para casa, para não provocar mais problemas.
       Aliás o contexto é esse mesmo. Jesus chama as pessoas e fala-lhes em parábolas como resposta a acusações de que estaria possuído por algum espírito demoníaco:
«Como pode Satanás expulsar Satanás? Se um reino estiver dividido contra si mesmo, tal reino não pode aguentar-se. E se uma casa estiver dividida contra si mesma, essa casa não pode aguentar-se. Portanto, se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não pode subsistir: está perdido. Ninguém pode entrar em casa de um homem forte e roubar-lhe os bens, sem primeiro o amarrar: só então poderá saquear a casa. Em verdade vos digo: Tudo será perdoado aos filhos dos homens: os pecados e blasfémias que tiverem proferido; mas quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca terá perdão: será réu de pecado eterno».
       Numa e noutra indicação, Jesus deixa um apelo à unidade, desafiando-nos a alargar o conceito de família, para lá das paredes da nossa casa física.
       Tal como um reino, também a família só sobrevive se os seus membros não estiverem permanentemente uns contra os outros. Por outro lado, a família biológica, fundamental ao crescimento da pessoa, há de dar lugar à família dos filhos de Deus. Jesus aponta para uma identidade que quebre fronteiras e nos projete no Coração de Deus.

       2 – A família é a célula primária e fundamental de uma sociedade adulta, democrática, saudável, é essencial na comunicação da vida e dos valores, no cultivo da liberdade e da solidariedade (entre pessoas e entre as diversas gerações), na inserção positiva e estruturação da social.
       Quando a família é descaracterizada, todo o tecido social se ressente. A casa, a família, é o tempo, o lugar e o alfobre da vida em qualidade. Nela cada pessoa aprende a falar, a ler o seu semelhante, a reconhecer a sua identidade, na abertura aos outros e ao Totalmente Outro (expressão de E. Levinas), ou melhor, ao Totalmente Próximo (expressão de Gongalez Faus).
       A urgência e a grandeza da família é para Jesus uma certeza inabalável. Na casa de Nazaré, Jesus descobre-se filho, relaciona-se no seio da vida familiar reconhecendo-se irmão com familiares e vizinhos, aprende a ser pessoa em relação, com os mais próximos mas também com as pessoas que vêm de outros lugares, das pessoas que passam para pedir abrigo, esmola, proteção. A sensibilidade de Jesus resulta da vivência em família, na atenção ao próximo, na riqueza da caridade e na importância do trabalho honesto e dedicado.
       É também da sua casa paterna/materna que Jesus é introduzido na casa de Deus, na religião judaica, com os seus ritmos e com as suas tradições. É por ter da família uma visão por demais positiva que Jesus concebe uma família mais alargada.
       A sua mãe, os seus irmãos, a sua família, são todos aqueles e aquelas que procuram viver em sintonia com Deus, com a Sua vontade. Como em outra passagem, Jesus deixa claro: mais felizes são aqueles que escutam a palavra de Deus e a põem em prática. E não bastam as palavras, não basta dizer "Senhor, Senhor", é preciso traduzir em obras o que se professa com os lábios, para assim integrar o reino de Deus.

       3 – A pessoa é um ser em relação. Das muitas definições que se encontram sobre a pessoa, esta é das mais expressivas para nos dizer da solidariedade específica e inolvidável do ser humano. Obviamente, que não se pode reduzir a vida e a pessoa à sua capacidade de relação, com o grave perigo de suprimir a vida do ser humano a quem não se reconheça capacidade relacional, ainda que a relação exista para lá das aparências biológicas. A pessoa é um ser único e irrepetível, é filho/a de Deus, desde a concepção à morte (natural).
       Desde o início que estamos "condenados" a relacionar-nos com os outros, em família, com o mundo, a natureza, com o mundo espiritual, na nossa vida interior e o apelo em nós inscrito à transcendência. Mais uma vez a valoração da família humana, na qual aprendemos a ser pessoas e a nos relacionarmos saudavelmente com outros, e da família que integramos pela fé. A nossa vida limitada ao tempo e ao mundo terrenos reduziria a nossa esperança a pó, a nada, ao vazio, ao ocaso, fazendo-nos cair em depressão definitiva, ou num cinismo selvagem.
       São Paulo, num texto bem conhecido, ilustra a nossa vocação à transcendência, à vida espiritual, ao sobrenatural:
"Aquele que ressuscitou o Senhor Jesus também nos há de ressuscitar com Jesus e nos levará convosco para junto d’Ele... Ainda que em nós o homem exterior se vá arruinando, o homem interior vai-se renovando de dia para dia. Porque a ligeira aflição dum momento prepara-nos, para além de toda e qualquer medida, em peso eterno de glória. Não olhamos para as coisas visíveis, olhamos para as invisíveis: as coisas visíveis são passageiras, ao passo que as invisíveis são eternas. Bem sabemos que, se esta tenda, que é a nossa morada terrestre, for desfeita, recebemos nos Céus uma habitação eterna, que é obra de Deus e não é feita pela mão dos homens".
       Em relação com os outros, na nossa fragilidade e limitação humanas, por vezes desviámo-nos da vontade de Deus, contornámos o caminho que nos levará à morada eterna, obra de Deus. Desde o início, o ser humano se confrontou com a sua liberdade. A falta de solidariedade em família, ou na comunidade, leva à ruína, é o pecado que nos condena à solidão e ao conflito (infernal), e promove a desculpa e a acusação:
Disse Deus: «Quem te deu a conhecer que estavas nu? Terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira comer?» Adão respondeu: «A mulher que me destes por companheira deu-me do fruto da árvore e eu comi». O Senhor Deus perguntou à mulher: «Que fizeste?» E a mulher respondeu: «A serpente enganou-me e eu comi».
       O projeto original é salvo pelo amor, pelo regresso à família de Deus, pela adesão à vontade divina, para que prevaleça em nós a obra de Deus, até à eternidade.

Textos para a Eucaristia (ano B): Gen 3, 9-15; 2 Cor 4, 13 – 5, 1; Mc 3, 20-35.

Sem comentários:

Enviar um comentário