terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Editorial Agência Ecclesia: homens de diálogo

A Agência Ecclesia nasce do trabalho que D. Manuel Falcão inaugurou no início da década de sessenta

       “O trabalho começa hoje e não acaba nunca”. A afirmação é do Papa Paulo VI e compõe o penúltimo parágrafo da primeira encíclica do seu pontificado. Paulo VI falava do diálogo – teria de ser – e da prática que encontra tanto no “interior da Igreja” como com os de fora. Isso é sinal de que “a Igreja está hoje mais do que nunca viva”. “Mas – continua de imediato -, reparando bem, parece que tudo está ainda por fazer”.
       Na Ecclesiam Suam, Paulo VI escreve 65 vezes a palavra diálogo. O documento é programático e de um pontificado que dava continuidade aos trabalhos do Concílio Vaticano II e teria de os fazer chegar à universalidade da Igreja. O Papa Montini reserva metade do texto, a segunda, para falar de diálogo. Antes, de outras duas atitudes que propõe para a Igreja Católica: consciência, renovação.
       Na década de sessenta, e nos dias de hoje, o diálogo “com tudo o que é humano” é o horizonte. Paulo VI assume “de bom grado” essa “primeira universalidade”: “a vida, com todos os seus dons e problemas”. Depois, na definição de “círculos concêntricos” onde a Igreja Católica é chamada a estar em diálogo, refere os “crentes em Deus”; num terceiro círculo, o “mundo que se intitula cristão”. O Papa fala depois no diálogo dentro da Igreja, um “diálogo doméstico”, que deseja “familiar e intenso”.
       O programa não é de há 50 anos. É dos dias de hoje. A comprová-lo, acontecimentos e sobretudo histórias de vida.
       Entre os acontecimentos, dois exemplos: a participação ativa e criativa de pessoas e instituições da Igreja Católica em iniciativas como Braga Capital Europeia da Juventude ou Guimarães Capital Europeia da Cultura.
       Entre as vidas, sobressai a notoriedade de algumas. Sobretudo quando correspondem não a comportamentos ocasionais, antes a uma atitude permanente. É o caso de D. Manuel Franco Falcão
        Despedirmo-nos deste homem exige sobretudo dizer-lhe obrigado! Ao longo dos seus 89 anos, na universidade, no sacerdócio, no ministério episcopal viveu a urgência do diálogo. E dialogou; lançou-se ao encontro do outro, nos mesmos círculos concêntricos propostos pelo Papa Paulo VI.
       Na História da Igreja em Portugal, D. Manuel Franco Falcão deixa capítulos inovadores sobre sociologia da religião, sobre diálogo da e na Igreja, sobre preservação e fruição do património. Deixa também largos passos dados na valorização dos meios de comunicação social. Concretamente, a Agência Ecclesia nasce do trabalho que D. Manuel Falcão inaugurou no início da década de sessenta. Por isso e por tudo, obrigado! Sobretudo por sempre ter valorizado essa fronteira do diálogo, onde a Igreja é chamada a estar cada vez com mais intensidade, o mundo dos media.

A palavra de Deus é como a chuva...

       Assim fala o Senhor. «A chuva e a neve que descem do céu não voltam para lá sem terem regado a terra, sem a haverem fecundado e feito produzir, para que dê a semente ao semeador e o pão para comer. Assim a palavra que sai da minha boca não volta sem ter produzido o seu efeito, sem ter cumprido a minha vontade, sem ter realizado a sua missão» (Is 55, 10-11).
       A presença de Deus no mundo, na história e no tempo, é invisível, como o é o amor - e Deus é amor -, mas eficaz e criativo. Assim também a palavra de Deus produz efeito, ainda que momentaneamente ao nosso olhar sobre-venham a injustiça, a violência,o conflito. Mas a promessa de Deus é para cumprir.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A jovem cerejeira

       Na colina da aldeia havia algumas cerejeiras. A primavera ainda estava longe, mas os habitantes esperavam ansiosamente por verem desabrochar as delicadas flores brancas, coloridas de rosa.
       Junto de uma velha cerejeira havia uma outra ainda muito nova. Mas ela tinha uma imensa pressa de crescer, para mostrar a beleza das suas flores.
       A jovem cerejeira perguntava muitas vezes à mais velha:
       - Quando posso florir? Falta muito tempo?
       Ela respondia-lhe sempre:
       - Tens de ter paciência, cara amiga. Na natureza há leis a cumprir. Espera pela tua hora. Verás que, quando terminar o inverno, florirás. Serás bela como uma noiva. Depois virão as primeiras cerejas. Por agora, tens de ter paciência.
       A jovem cerejeira, embora lhe custasse muito esperar, suspirava:
       - Está bem!
       Um certo dia de fevereiro amanheceu com um sol radioso. Parecia mesmo um dia de primavera.
       A jovem cerejeira, ao princípio da tarde, perguntou:
       - Já posso florir?
       A velha cerejeira, indisposta, disse:
       - Uff! Vós, as grandes, sois sempre assim! Só sabeis dizer que é preciso ter paciência. Estou farta de vos ouvir! Está um maravilhoso e, a partir de agora, serei eu a mandar em mim.
       E foi assim que dos botões da jovem cerejeira despontavam belíssimas flores. As pessoas passavam por ali e ficavam maravilhadas ao contemplar essas flores brancas coloridas de rosa.
       A jovem cerejeira sentia-se feliz, contemplando-se a si própria e admirando a sua beleza. Era na paisagem a única cerejeira florida.
       Infelizmente, esses dias de sol primaveril duraram pouco tempo. Veio de novo o frio e o gelo, queimando todas as suas flores. Tinha querido ser adulta antes do tempo e estragou a vida.

In revista Juvenil, n.º 552, fevereiro 2012.

Do sofrimento humano...

"O sofrimento humano,
quando bem trabalhado,
torna-se uma ferramenta que lapida a alma e estimula a sabedoria".

domingo, 26 de fevereiro de 2012

D. Manuel Falcão - o mistério da morte física

       D. Manuel Falcão, bispo emérito de Beja, faleceu no dia 21 de fevereiro. Vale a pena ler e meditar o texto que se segue, que lemos via "Notícias de Beja", e que está disponível na página da Diocese de Beja.
À laia de testamento espiritual (5)
O MISTÉRIO DA MORTE FÍSICA

Depois de termos reflectido sobre o mistério do sofrimento e do mal, é lógico que reflictamos sobre o mistério da morte e no que há para lá dela.

O fim da vida temporal

       A morte como fim da vida temporal é uma certeza que resulta da observação do que acontece a todos os seres humanos. Os cientistas chegam mesmo a calcular que estamos programados para uma duração máxima da ordem dos 120 anos. Isto, independentemente de motivos acidentais que levam à morte em qualquer idade da vida.

O mistério da morte

       Se a morte é uma certeza, ela é sobretudo um mistério, tanto mais que parece contradizer a ideia de que nós fomos feitos para viver. De facto, seria absurdo que em nós tudo terminasse com a morte. Daqui a intuição de que a morte não é o nosso fim, mas que ela abre caminho a nova forma de viver. A História da Humanidade diz-nos que os homens de todos os tempos acreditaram numa vida para além da morte.
       E assim é. A revelação divina diz-nos que os nossos primeiros pais estavam destinados a viver num paraíso. E que melhor paraíso se pode imaginar do que a convivência íntima por toda a eternidade com o Deus de bondade e de amor? A mesma revelação diz-nos que, se tal não aconteceu, foi pelo mau uso da liberdade, que levou os nossos primeiros pais ao pecado de orgulho, querendo ser semelhantes ao seu Criador, o que se projectou na sua descendência pelo chamado “pecado original”, de que um dos efeitos é precisamente a passagem pela morte.
       Podemos perguntar se no caso de não terem pecado os nossos primeiros pais ascenderiam à plena comunhão com Deus na visão de face a face, sem morrer. Apenas podemos conjeturar que a passagem desta vida temporal à vida eterna se teria passado na mais plena alegria.
       Também agora, pelo mistério da redenção operada por Jesus Cristo, os santos, purificados dos seus pecados, cheios da graça divina e animados pelo Espírito Santo, encarnam a morte com semelhante alegria, na esperança, tornada em certeza, de que ela abre as portas à plena comunhão com Deus. É isto, aliás, o que Deus quer ver em todos nós.

A actual perspectiva da morte

       Perante o mistério da morte, hoje não falta quem fuja a pensar nela. Aliás, nas idades activas, o pensamento está absorvido pelos problemas da vida. Só mais tarde se é levado a pensar na morte, podendo cada um, ao anoitecer, dizer a si mesmo : “Mais um dia; menos um dia”.
       Ao contrário dos tempos passados, em que a morte era sentida como um dos mais profundos mistérios da nossa existência, o mundo moderno tende a esquecê-la, nomeadamente pela dispensa dos sufrágios, pela banalização dos funerais, optando pela cremação dos cadáveres e pela supressão do luto. É ver como em geral os meios de comunicação social noticiam o falecimento de alguém, pouco mais relatando além do que ela foi em vida.
       Pelo contrário, nós, cristãos devemos encarar a morte com espírito de fé, como aviso de que neste mundo somos peregrinos ao encontro da Pátria definitiva, onde a morte nos introduz para conviveremos com Deus por toda a eternidade.

Que acontece depois da morte?

       Pouco sabemos ao certo do que se passa após a morte, tanto mais que não é fácil imaginar como se relacionam o “tempo” e a “eternidade”, embora saibamos que esta relação acontece no actual relacionamento de Deus eterno connosco nesta vida temporal. A revelação diz-nos que, após a nossa morte, a alma é sujeita a um “juízo particular”, que decide do nosso destino eterno, ou o Céu ou o Inferno; diz-nos também que os destinados ao Céu passam por uma purificação dos restos de pecados no chamado “Purgatório”; diz-nos ainda que, no chamado “fim do mundo”, se dá a ressurreição pela reentrada das almas nos respectivos corpos tornados espirituais, à semelhança do corpo do Cristo e da Virgem Maria.
       Os sufrágios pelos mortos, que já vêm do A.T. (Mac 12,46), são prática na Igreja que nos assegura a existência do “Purgatório”. Quanto ao resto, da revelação, o saberemos na plenitude da vida eterna.

+ Manuel Franco Falcão,
Bispo emérito de Beja, 01.01.2012, in Diocese de Beja.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Se tirares do meio de ti toda a opressão... brilhará a tua luz

       O profeta Isaías, no seguimento de ontem, insiste em mostrar-nos o que agrada ao Senhor: a justiça, a solidariedade, a atenção aos indigentes. Fixemo-nos na leitura e meditemos nas suas palavras:
       "Eis o que diz o Senhor: «Se tirares do meio de ti toda a opressão, os gestos de ameaça e as palavras ofensivas, se deres do teu pão ao faminto e matares a fome ao indigente, brilhará na escuridão a tua luz e a tua noite será como o meio-dia. O Senhor será sempre o teu guia e saciará a tua alma nos lugares desertos. Dará vigor aos teus ossos e tu serás como o jardim bem regado, como nascente cujas águas nunca faltam. Reconstruirás as ruínas antigas e levantarás os alicerces seculares; e serás chamado ‘reparador de brechas’, ‘restaurador de casas em ruínas’. Se te abstiveres de profanar o sábado e de tratar de negócios no dia santificado, se chamares ao sábado as tuas delícias e o consagrares à glória do Senhor, se o respeitares não fazendo viagens, evitando os teus negócios e empreendimentos, então encontrarás no Senhor as tuas delícias; Eu te levarei em triunfo às alturas da terra e farei que te alimentes da herança de teu pai Jacob». Assim falou a boca do Senhor" (Is 58, 9b-14).

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Quaresma 2012 Mensagem de Bento XVI (3)

  «Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» (Heb 10, 24)
3. «Para nos estimularmos ao amor e às boas obras»: caminhar juntos na santidade.

       Esta afirmação da Carta aos Hebreus (10, 24) impele-nos a considerar a vocação universal à santidade como o caminho constante na vida espiritual, a aspirar aos carismas mais elevados e a um amor cada vez mais alto e fecundo (cf. 1 Cor 12, 31 – 13, 13). A atenção recíproca tem como finalidade estimular-se, mutuamente, a um amor efetivo sempre maior, «como a luz da aurora, que cresce até ao romper do dia» (Prov 4, 18), à espera de viver o dia sem ocaso em Deus. O tempo, que nos é concedido na nossa vida, é precioso para descobrir e realizar as boas obras, no amor de Deus. Assim a própria Igreja cresce e se desenvolve para chegar à plena maturidade de Cristo (cf. Ef 4, 13). É nesta perspetiva dinâmica de crescimento que se situa a nossa exortação a estimular-nos reciprocamente para chegar à plenitude do amor e das boas obras.
       Infelizmente, está sempre presente a tentação da tibieza, de sufocar o Espírito, da recusa de «pôr a render os talentos» que nos foram dados para bem nosso e dos outros (cf. Mt 25, 24-28). Todos recebemos riquezas espirituais ou materiais úteis para a realização do plano divino, para o bem da Igreja e para a nossa salvação pessoal (cf. Lc 12, 21; 1 Tm 6, 18). Os mestres espirituais lembram que, na vida de fé, quem não avança, recua. Queridos irmãos e irmãs, acolhamos o convite, sempre actual, para tendermos à «medida alta da vida cristã» (João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte, 31). A Igreja, na sua sabedoria, ao reconhecer e proclamar a bem-aventurança e a santidade de alguns cristãos exemplares, tem como finalidade também suscitar o desejo de imitar as suas virtudes. São Paulo exorta: «Adiantai-vos uns aos outros na mútua estima» (Rm 12, 10).
       Que todos, à vista de um mundo que exige dos cristãos um renovado testemunho de amor e fidelidade ao Senhor, sintam a urgência de esforçar-se por adiantar no amor, no serviço e nas obras boas (cf. Heb 6, 10). Este apelo ressoa particularmente forte neste tempo santo de preparação para a Páscoa. Com votos de uma Quaresma santa e fecunda, confio-vos à intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria e, de coração, concedo a todos a Bênção Apostólica.

Jejum: quebrar as cadeias injustas...

       O sentido do jejum, para os cristãos, não resulta da necessidade de cumprir um rito ou uma tradição, ou de fazer um sacrifício para aplacar a ira de Deus, mas há de ser expressão da conversão a Jesus Cristo, dispondo-se a acolher a graça de Deus e a mudar na sua vida pessoal, familiar e comunitária, o que for necessário para se tornarem transparência do amor de Deus.
       Não se trata de fazer jejum pelo facto dos outros também fazeram, ou por ser uma tradição antiquíssima, mas de sublinhar a pertença a Deus, na abertura para os outros. Vale a pena ler com atenção os textos da liturgia proposta para hoje, e reler:

       Jejuais, sim, mas no meio de contendas e discussões e dando punhadas sem piedade. Não são jejuns como os que fazeis agora que farão ouvir no alto a vossa voz. Será este o jejum que Me agrada no dia em que o homem se mortifica? Curvar a cabeça como um junco, deitar-se sobre saco e cinza: é a isto que chamais jejum e dia agradável ao Senhor? O jejum que Me agrada não será antes este: quebrar as cadeias injustas, desatar os laços da servidão, pôr em liberdade os oprimidos, destruir todos os jugos? Não será repartir o teu pão com o faminto, dar pousada aos pobres sem abrigo, levar roupa aos que não têm que vestir e não voltar as costas ao teu semelhante? Então a tua luz despontará como a aurora e as tuas feridas não tardarão a sarar. Preceder-te-á a tua justiça e seguir-te-á a glória do Senhor. Então, se chamares, o Senhor responderá; se O invocares, dir-te-á: ‘Estou aqui’» (Is 58, 1-9a)
        Os discípulos de João Baptista foram ter com Jesus e perguntaram-Lhe: «Por que motivo nós e os fariseus jejuamos e os teus discípulos não jejuam?» Jesus respondeu-lhes: «Podem os companheiros do esposo ficar de luto, enquanto o esposo estiver com eles? Dias virão em que o esposo lhes será tirado e nessa altura hão-de jejuar» (Mt 9, 14-15)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Quaresma 2012 Mensagem de Bento XVI (2)

 «Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» (Heb 10, 24)

2. «Uns aos outros»: o dom da reciprocidade.

       O facto de sermos o «guarda» dos outros contrasta com uma mentalidade que, reduzindo a vida unicamente à dimensão terrena, deixa de a considerar na sua perspetiva escatológica e aceita qualquer opção moral em nome da liberdade individual. Uma sociedade como a atual pode tornar-se surda quer aos sofrimentos físicos, quer às exigências espirituais e morais da vida. Não deve ser assim na comunidade cristã! O apóstolo Paulo convida a procurar o que «leva à paz e à edificação mútua» (Rm 14, 19), favorecendo o «próximo no bem, em ordem à construção da comunidade» (Rm 15, 2), sem buscar «o próprio interesse, mas o do maior número, a fim de que eles sejam salvos» (1 Cor 10, 33). Esta recíproca correção e exortação, em espírito de humildade e de amor, deve fazer parte da vida da comunidade cristã.
       Os discípulos do Senhor, unidos a Cristo através da Eucaristia, vivem numa comunhão que os liga uns aos outros como membros de um só corpo. Isto significa que o outro me pertence: a sua vida, a sua salvação têm a ver com a minha vida e a minha salvação. Tocamos aqui um elemento muito profundo da comunhão: a nossa existência está ligada com a dos outros, quer no bem quer no mal; tanto o pecado como as obras de amor possuem também uma dimensão social. Na Igreja, corpo místico de Cristo, verifica-se esta reciprocidade: a comunidade não cessa de fazer penitência e implorar perdão para os pecados dos seus filhos, mas alegra-se contínua e jubilosamente também com os testemunhos de virtude e de amor que nela se manifestam. Que «os membros tenham a mesma solicitude uns para com os outros» (1 Cor 12, 25) – afirma São Paulo –, porque somos um e o mesmo corpo. O amor pelos irmãos, do qual é expressão a esmola – típica prática quaresmal, juntamente com a oração e o jejum – radica-se nesta pertença comum. Também com a preocupação concreta pelos mais pobres, pode cada cristão expressar a sua participação no único corpo que é a Igreja. E é também atenção aos outros na reciprocidade saber reconhecer o bem que o Senhor faz neles e agradecer com eles pelos prodígios da graça que Deus, bom e omnipotente, continua a realizar nos seus filhos. Quando um cristão vislumbra no outro a ação do Espírito Santo, não pode deixar de se alegrar e dar glória ao Pai celeste (cf. Mt 5, 16).

Quaresma 2012 Mensagem de Bento XVI (1)

 «Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» (Heb 10, 24)

1. «Prestemos atenção»: a responsabilidade pelo irmão.

       O primeiro elemento é o convite a «prestar atenção»: o verbo grego usado é katanoein, que significa observar bem, estar atento, olhar conscienciosamente, dar-se conta de uma realidade. Encontramo-lo no Evangelho, quando Jesus convida os discípulos a «observar» as aves do céu, que não se preocupam com o alimento e todavia são objeto de solícita e cuidadosa Providência divina (cf. Lc 12, 24), e a «dar-se conta» da trave que têm na própria vista antes de reparar no argueiro que está na vista do irmão (cf. Lc 6, 41). Encontramos o referido verbo também noutro trecho da mesma Carta aos Hebreus, quando convida a «considerar Jesus» (3, 1) como o Apóstolo e o Sumo-sacerdote da nossa fé. Por conseguinte o verbo, que aparece na abertura da nossa exortação, convida a fixar o olhar no outro, a começar por Jesus, e a estar atentos uns aos outros, a não se mostrar alheio e indiferente ao destino dos irmãos. Mas, com frequência, prevalece a atitude contrária: a indiferença, o desinteresse, que nascem do egoísmo, mascarado por uma aparência de respeito pela «esfera privada». Também hoje ressoa, com vigor, a voz do Senhor que chama cada um de nós a cuidar do outro. Também hoje Deus nos pede para sermos o «guarda» dos nossos irmãos (cf. Gn 4, 9), para estabelecermos relações caracterizadas por recíproca solicitude, pela atenção ao bem do outro e a todo o seu bem. O grande mandamento do amor ao próximo exige e incita a consciência a sentir-se responsável por quem, como eu, é criatura e filho de Deus: o facto de sermos irmãos em humanidade e, em muitos casos, também na fé deve levar-nos a ver no outro um verdadeiro alter-ego, infinitamente amado pelo Senhor. Se cultivarmos este olhar de fraternidade, brotarão naturalmente do nosso coração a solidariedade, a justiça, bem como a misericórdia e a compaixão. O Servo de Deus Paulo VI afirmava que o mundo atual sofre sobretudo de falta de fraternidade: «O mundo está doente. O seu mal reside mais na crise de fraternidade entre os homens e entre os povos, do que na esterilização ou no monopólio, que alguns fazem, dos recursos do universo» (Carta enc. Populorum progressio, 66).
       A atenção ao outro inclui que se deseje, para ele ou para ela, o bem sob todos os seus aspetos: físico, moral e espiritual. Parece que a cultura contemporânea perdeu o sentido do bem e do mal, sendo necessário reafirmar com vigor que o bem existe e vence, porque Deus é «bom e faz o bem» (Sal 119/118, 68). O bem é aquilo que suscita, protege e promove a vida, a fraternidade e a comunhão. Assim a responsabilidade pelo próximo significa querer e favorecer o bem do outro, desejando que também ele se abra à lógica do bem; interessar-se pelo irmão quer dizer abrir os olhos às suas necessidades. A Sagrada Escritura adverte contra o perigo de ter o coração endurecido por uma espécie de «anestesia espiritual», que nos torna cegos aos sofrimentos alheios. O evangelista Lucas narra duas parábolas de Jesus, nas quais são indicados dois exemplos desta situação que se pode criar no coração do homem. Na parábola do bom Samaritano, o sacerdote e o levita, com indiferença, «passam ao largo» do homem assaltado e espancado pelos salteadores (cf. Lc 10, 30-32), e, na do rico avarento, um homem saciado de bens não se dá conta da condição do pobre Lázaro que morre de fome à sua porta (cf. Lc 16, 19). Em ambos os casos, deparamo-nos com o contrário de «prestar atenção», de olhar com amor e compaixão. O que é que impede este olhar feito de humanidade e de carinho pelo irmão? Com frequência, é a riqueza material e a saciedade, mas pode ser também o antepor a tudo os nossos interesses e preocupações próprias. Sempre devemos ser capazes de «ter misericórdia» por quem sofre; o nosso coração nunca deve estar tão absorvido pelas nossas coisas e problemas que fique surdo ao brado do pobre. Diversamente, a humildade de coração e a experiência pessoal do sofrimento podem, precisamente, revelar-se fonte de um despertar interior para a compaixão e a empatia: «O justo conhece a causa dos pobres, porém o ímpio não o compreende» (Prov 29, 7). Deste modo entende-se a bem-aventurança «dos que choram» (Mt 5, 4), isto é, de quantos são capazes de sair de si mesmos porque se comoveram com o sofrimento alheio. O encontro com o outro e a abertura do coração às suas necessidades são ocasião de salvação e de bem-aventurança.
        O facto de «prestar atenção» ao irmão inclui, igualmente, a solicitude pelo seu bem espiritual. E aqui desejo recordar um aspeto da vida cristã que me parece esquecido: a correção fraterna, tendo em vista a salvação eterna. De forma geral, hoje é-se muito sensível ao tema do cuidado e do amor que visa o bem físico e material dos outros, mas quase não se fala da responsabilidade espiritual pelos irmãos. Na Igreja dos primeiros tempos não era assim, como não o é nas comunidades verdadeiramente maduras na fé, nas quais se tem a peito não só a saúde corporal do irmão, mas também a da sua alma tendo em vista o seu destino derradeiro. Lemos na Sagrada Escritura: «Repreende o sábio e ele te amará. Dá conselhos ao sábio e ele tornar-se-á ainda mais sábio, ensina o justo e ele aumentará o seu saber» (Prov 9, 8-9). O próprio Cristo manda repreender o irmão que cometeu um pecado (cf. Mt 18, 15). O verbo usado para exprimir a correção fraterna – elenchein – é o mesmo que indica a missão profética, própria dos cristãos, de denunciar uma geração que se faz condescendente com o mal (cf. Ef 5, 11). A tradição da Igreja enumera entre as obras espirituais de misericórdia a de «corrigir os que erram». É importante recuperar esta dimensão do amor cristão. Não devemos ficar calados diante do mal. Penso aqui na atitude daqueles cristãos que preferem, por respeito humano ou mera comodidade, adequar-se à mentalidade comum em vez de alertar os próprios irmãos contra modos de pensar e agir que contradizem a verdade e não seguem o caminho do bem. Entretanto a advertência cristã nunca há de ser animada por espírito de condenação ou censura; é sempre movida pelo amor e a misericórdia e brota duma verdadeira solicitude pelo bem do irmão. Diz o apóstolo Paulo: «Se porventura um homem for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi essa pessoa com espírito de mansidão, e tu olha para ti próprio, não estejas também tu a ser tentado» (Gl 6, 1). Neste nosso mundo impregnado de individualismo, é necessário redescobrir a importância da correção fraterna, para caminharmos juntos para a santidade. É que «sete vezes cai o justo» (Prov 24, 16) – diz a Escritura –, e todos nós somos frágeis e imperfeitos (cf. 1 Jo 1, 8). Por isso, é um grande serviço ajudar, e deixar-se ajudar, a ler com verdade dentro de si mesmo, para melhorar a própria vida e seguir mais retamente o caminho do Senhor. Há sempre necessidade de um olhar que ama e corrige, que conhece e reconhece, que discerne e perdoa (cf. Lc 22, 61), como fez, e faz, Deus com cada um de nós.

Quaresma - tempo de Jejum

       O verdadeiro jejum é a postura que nos aproxima de Deus e faz de nós irmãos uns dos outros na promoção da vida, da dignidade, vivendo de olhos postos no Altíssimo, na partilha que leva à comunhão, na verdade que nos liberta e nos compromete na caridade...
       No cristianismo, os gestos exteriores assumem, para serem autênticos, a conversão interior a Jesus Cristo e ao seu modo de ser e de agir, na disponibilidade constante por dar a vida pelo outro, traduzindo em gestos concretos de bem dizer e de bem fazer.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Quaresma 2012 Mensagem de Bento XVI

«Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» (Heb 10, 24) 
       Irmãos e irmãs! A Quaresma oferece-nos a oportunidade de refletir mais uma vez sobre o cerne da vida cristã: o amor. Com efeito este é um tempo propício para renovarmos, com a ajuda da Palavra de Deus e dos Sacramentos, o nosso caminho pessoal e comunitário de fé. Trata-se de um percurso marcado pela oração e a partilha, pelo silêncio e o jejum, com a esperança de viver a alegria pascal. 
       Desejo, este ano, propor alguns pensamentos inspirados num breve texto bíblico tirado da Carta aos Hebreus: «Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» (10, 24). Esta frase aparece inserida numa passagem onde o escritor sagrado exorta a ter confiança em Jesus Cristo como Sumo-sacerdote, que nos obteve o perdão e o acesso a Deus. O fruto do acolhimento de Cristo é uma vida edificada segundo as três virtudes teologais: trata-se de nos aproximarmos do Senhor «com um coração sincero, com a plena segurança da fé» (v. 22), de conservarmos firmemente «a profissão da nossa esperança» (v. 23), numa solicitude constante por praticar, juntamente com os irmãos, «o amor e as boas obras» (v. 24). Na passagem em questão afirma-se também que é importante, para apoiar esta conduta evangélica, participar nos encontros litúrgicos e na oração da comunidade, com os olhos fixos na meta escatológica: a plena comunhão em Deus (v. 25). Detenho-me no versículo 24, que, em poucas palavras, oferece um ensinamento precioso e sempre atual sobre três aspetos da vida cristã: prestar atenção ao outro, a reciprocidade e a santidade pessoal. 

Quaresma e seus diferentes significados

       Este foi mais um dos temas da Semana de Formação Bíblica, que decorreu na nossa paróquia de Tabuaço, há um ano, entre os dias 13 e 18 de Fevereiro de 2011, seguindo um texto de Roberta Taverna. Aqui são referidos textos do Antigo e Novo Testamento, as origens da Quaresma, os seus significados, símbolos,... o deserto, a oração, o jejum, o encontro com Deus, a escuta de Deus e do próximo, a conversão, a penitência...
(clicar sobre a imagem de Jesus, sentado, recolhido, quando esta aparecer)

Quarta-feira de Cinzas


Lopes Morgado ofmcap; Realização: Sara Renca fmm

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A Quaresma vem ao nosso encontro...

A Quaresma faz-nos passar do «deixa andar» e do viver espiritualmente entorpecido ao estado da corda tensa

       Um dos mais espantosos apelos de Quaresma que conheço não foi assinado por um eclesiástico, nem por um teólogo, mas sim por um poeta. Escreveu-o T. S. Eliot em 1930, três anos após a sua conversão, e deu-lhe um nome austero, sem o cómodo encosto que por vezes é o dos adjetivos: chamou-lhe simplesmente “Quarta-feira de Cinzas”.
       Nesse poema, dizem-se três coisas fundamentais. Se as soubermos ouvir, percebemos que elas correspondem a caminhos muito objetivos (a mapas pessoais e comunitários) de conversão. E não é esse o desafio da Quaresma, e desta Quaresma em particular?

       1. A Quaresma vem ao nosso encontro para que nos reencontremos.
       Os traços que o poeta desenha coincidem dramaticamente com os do nosso rosto: damos por nós a viver uma vida que não é vida, acantonada entre lamentos e amoques, sem saber aproveitar verdadeiramente a oportunidade que cada tempo constitui, como se tivéssemos capitulado no essencial, e passássemos a olhar para as nossas asas (e para as dos outros) sem entender já o papel delas. “Esmorecendo, esmorecendo”.

       2. A Quaresma vem ao nosso encontro para nos devolver ao caminho pascal.
       O que é que nos dá o sentido de redenção no tempo? – pergunta o poema. E o poema evangelicamente responde: o sentido de transformação é-nos dado quando aceitamos trilhar um caminho. O que nos permite passar do cerco das coisas triviais à revigoração da fonte, o que do sono nos dá acesso à vigília iluminada da vida é aceitarmos o desafio de nos fazermos de novo à estrada, e à estrada menos óbvia e mais adiada que é aquela interior. A Páscoa é a grande possibilidade de revitalização. Mas é preciso consentir naquela imagem brutalmente verdadeira do profeta Ezequiel: por agora somos mais uma sucata de restos, do que uma primavera do Espírito.

       3. A Quaresma vem ao nosso encontro para que a tensão criadora do Espírito de Jesus redesenhe em nós a vida.
        Interessantes são os verbos que o poeta usa como prece: “que sejamos instigados”, “que sejamos sacudidos”. A Quaresma faz-nos passar do “deixa andar”, e do viver espiritualmente entorpecido ao estado da corda tensa. Aquela que é capaz de avizinhar da nossa humanidade reencontrada a música de Deus.

José Tolentino Mendonça, Editorial Agência Ecclesia.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Mensagem de D. António Couto para a Quaresma 2012

       O Papa Bento XVI inspirou-se na bela homilia que é a Carta aos Hebreus para falar, nesta Quaresma, ao coração da Igreja inteira e fazer soar e ressoar as suas cordas mais sensíveis, no sentido de nos fazer acordar da nossa letargia e nos persuadir a «prestar atenção uns aos outros, para acender em nós o paroxismo do amor e das obras boas e belas» (Hebreus 10,24).

       «Prestar atenção» significa, como bem indica o verbo grego katanoéô, olhar de forma nova, próxima e dedicada para os outros e pelos outros. Olhar atentamente para os outros será sempre, em boa verdade, olhar pelos outros, pondo-nos ao seu serviço. Este olhar novo, limpo e diaconal dissolve o nosso olhar tantas vezes patronal, e faz-nos compreender que o outro, qualquer outro, tem sempre prioridade e precedência sobre nós.

       Este procedimento novo de nos descentrarmos de nós mesmos para ficarmos por amor atentos aos outros e a olhar pelos outros é o caminho por excelência ou hiperbólico da vida cristã, como bem nos indicou São Paulo na Primeira Carta aos Coríntios (12,31). Por isso, nos tempos difíceis mas cheios de graça e de esperança que vivemos hoje, não temos o direito de nos acomodar (Romanos 12,2), passando insensivelmente ao lado das dores dos nossos irmãos, vivam eles aqui perto ou lá longe.

       A Quaresma é um tempo de graça, de verdade e de escuta em alta fidelidade. É também um tempo de prova. Tempo de rasgar novas avenidas de nova sensibilidade, de abrir caminhos de caridade mais intensa, sempre a partir da Vida nova do Ressuscitado, sempre a caminho da Vida nova do Ressuscitado. Em boa verdade, é sempre bom e belo tomarmos consciência de que estamos hoje e aqui, a viver esta Quaresma do Ano da Graça de 2012, depois da Ressurreição do Senhor e por causa da Ressurreição do Senhor.

       Depois da Ressurreição do Senhor e por causa da Ressurreição do Senhor. São estas as coordenadas nucleares da nossa estrada quaresmal. Não podemos, portanto, queridos irmãos, deixar de testemunhar que também hoje é possível, belo, bom e justo viver a existência humana de acordo com o Evangelho, e empenhar-nos, por isso e para isso, em viver uma vida verdadeira, plena, bela, de tal modo bela, que não seria possível explicá-la se Cristo não tivesse sido Crucificado e se não tivesse verdadeiramente Ressuscitado.

       Querida Igreja desta Diocese de Lamego, não esqueças a tua identidade. Não te percas no caminho. Não te esqueças de onde vens e para onde vais. Não percas de vista Cristo Crucificado e Ressuscitado. E não te esqueças de que Ele continua vivo e atuante em ti, e solenemente exposto no rosto de cada irmão e irmã mais pequeninos.

       Assim sendo e assim é, querida Igreja de Lamego, «enquanto temos tempo, façamos o bem para com todos» (Gálatas 6,10). E tu, meu irmão e minha irmã, «não deixes de fazer o bem a quem tem necessidade, quando está em tuas mãos fazê-lo. Não digas ao teu próximo: “Vai-te embora, volta amanhã e dar-te-ei, se tens aquilo de que ele necessita”» (Provérbios 3,27-28).

       Lembro ainda, queridos irmãos, que esta viagem quaresmal é mais intransitiva do que transitiva. Não é tanto uma viagem exterior, nas estradas e no mapa. É mais, muito mais, uma viagem por dentro de nós, para refazer um coração que vê, entranhas que amam sem medida, pés que correm a anunciar o Evangelho, mãos abertas que acolhem e dão, mente cheia de grandes ideais. Ou, para o dizer com São Paulo: «Revesti-vos […] de entranhas de misericórdia, bondade, humildade, mansidão e magnanimidade, levantando-vos uns aos outros e fazendo-vos graça uns aos outros» (Colossenses 3,12-13).

       Amados irmãos, queria propor-vos também, para este itinerário quaresmal, uma maneira concreta de prestarmos atenção aos nossos irmãos, de olharmos pelos nossos irmãos, de perto e de longe. Falo do destino a dar ao nosso contributo quaresmal diocesano, que é uma das expressões da nossa caridade. Olhando para os nossos irmãos de perto, vamos destinar uma parte do contributo da nossa caridade para o fundo solidário diocesano, para ajudar a aliviar os irmãos mais necessitados. Olhando para os nossos irmãos de longe, vamos destinar outra parte do contributo da nossa caridade para as missões de Malema e Nametil (Diocese de Nampula, Moçambique), para sentirmos também a alegria de levar um pouco de alívio a irmãos nossos que experimentam muito mais dificuldades do que nós.

       Com a ternura de Jesus Cristo, saúdo todas as crianças, jovens, adultos e idosos, catequistas, acólitos, leitores, escuteiros, cantores, ministros da comunhão, membros de todas as associações, serviços e secretariados, todos os nossos seminaristas, todos os religiosos e religiosas, todos os diáconos e sacerdotes que habitam e servem a nossa Diocese de Lamego ou estão ao serviço de outras Igrejas. Saúdo com particular afeto todos os doentes, carenciados e desempregados, e as famílias que atravessam dificuldades. Uma saudação especial aos nossos emigrantes. Na certeza da minha oração e comunhão convosco, a todos vos abraça o vosso bispo

+ António

Para download em PDF: MENSAGEM QUARESMAL E D. ANTÓNIO

Bento XVI: Verbum Domini - sublinhados

       Decorreu há um ano, entre os dias 13 e 18, na paróquia de Tabuaço, a Semana de Formação Bíblica. Um dos dias centrou-se na releitura da Exortação Apostólica Pós-sinodal do Papa Bento XVI sobre a Palavra de Deus. Uma exortação muito rica. Aqui deixamos apenas alguns sublinhados, mas vale a pena ler e reflectir todo o documento. Os sublinhados de cada um serão diferentes...

domingo, 19 de fevereiro de 2012

A vida é o maior espectáculo...

       A vida é o maior espectáculo no palco da existência. Devemos ser realizadores do guião da nossa vida, mas temos de saber que nunca conseguiremos controlar todos os actores e todas as variáveis desse complexo palco. Viver é uma aventura, e saber viver é um arte.

Extraia VIDA das cinzas...

       "Comece tudo de novo. Recomece quantas vezes forem necessárias. Dê sempre uma nova oportunidade. Extraia vida das cinzas. refaça as forças para uma nova batalha. saiba que o sábio é aquele que reconhece os seus erros e é capaz de os usar como alicerces da sua maturidade e não aquele que nunca erra. Pais e educadores, nunca desistam!"

sábado, 18 de fevereiro de 2012

VII Domingo do Tempo Comum (ano B) - 19 de fevereiro

       1 – Deus responde-nos sempre sim. Mesmo quando Lhe dizemos não, Deus não desiste de procurar-nos, de nos dar sinais e de enviar mensageiros.
       Mas escutemos a poesia que nos chega do Apóstolo Paulo e que nos recorda o sim permanente de Deus, que devemos imitar: "Porque o Filho de Deus, Jesus Cristo, que nós pregamos entre vós – eu, Silvano e Timóteo – não foi sim e não, mas foi sempre um sim. Todas as promessas de Deus são um sim em seu Filho. É por Ele que nós dizemos ‘Ámen’ a Deus para sua glória".
       Certamente que estamos cientes duma passagem do Evangelho em que Jesus, de forma inequívoca, desafia que a linguagem seja "sim, sim" e "não, não", mas num contexto diferente do presente. Jesus falava da necessidade de sermos coerentes entre as palavras que proferimos e a vida que levamos e que no trato com o nosso semelhante sobressaísse a transparência de quem ama e se dá aos outros.
       Uma perspetiva que, ao fim e ao cabo, implica o mesmo compromisso: estar diante das pessoas com o melhor de nós mesmos, respondendo de forma a exprimir, a viver, a multiplicar a caridade. É a vida de Deus. Há de ser a nossa vida. Em Deus é um SIM contínuo, pleno, repleto de Amor. Em nós é um sim que se vai solidificando, com o perigo de se desvanecer em hesitações, cansaços, dúvidas e até recuos. Mas a lentidão do nosso sim não nos deve levar à desistência mas à insistência.


       2 – A postura de Jesus, ao longo da Sua vida pública, certamente espelho da sua vida anterior e privada, em Nazaré, junto dos seus familiares, revela o Rosto de um Deus próximo, Pai, Amigo, que Se enternece, que Se compadece. Em Jesus, Deus atende às necessidades daqueles que encontra e/ou que vêm ao Seu encontro, pois já ouviram falar d'Ele, no seu íntimo a ânsia por encontrar "o tal" Messias.
       Depois da primeira jornada de Cafarnaum (veja-se a homilia de D. António, Bispo de Lamego, na tomada de posse), Jesus regressa e são muitas as pessoas que voltam para O escutar, para O rever. Eis que quatro homens fazem descer um paralítico, através da abertura do teto, pois de outro modo seria impossível aproximar de Jesus.
       Ao ver a fé daquela gente, Jesus disse ao paralítico: «Filho, os teus pecados estão perdoados». Estavam ali sentados alguns escribas, que assim discorriam em seus corações: «Porque fala Ele deste modo? Está a blasfemar. Não é só Deus que pode perdoar os pecados?» Jesus, percebendo o que eles estavam a pensar, perguntou-lhes: «Porque pensais assim nos vossos corações? Que é mais fácil? Dizer ao paralítico ‘Os teus pecados estão perdoados’ ou dizer ‘Levanta-te, toma a tua enxerga e anda’? Pois bem. Para saberdes que o Filho do homem tem na terra o poder de perdoar os pecados, ‘Eu to ordeno – disse Ele ao paralítico – levanta-te, toma a tua enxerga e vai para casa’». 
       Jesus diz sim à fé daquelas pessoas e transporta-as para mais longe. As necessidades físicas são fundamentais, mas sem descurar a vida espiritual. Melhor, as necessidades corporais só são verdadeiramente satisfeitas na envolvência do mundo espiritual. Um corpo são num mundo afetivo e espiritual desfragmentado não existe. Se as dores físicas passam para a disposição, a deficiência espiritual torna o corpo pesado, fraco, doente, paralisando-o.

       3 – O perdão é parte essencial da cura. Isso mesmo o mostra Jesus. Obviamente, não confundir, o mal físico não é, de modo nenhum, consequência do pecado, como Jesus o dirá noutra ocasião, mas em muitas doenças do nosso tempo a falta de perdão equivale à falta de cura. Perdoar-se a si mesmo, tolerando as próprias fraquezas. Perdoar aos outros, reconhecendo-os como irmãos e sabendo das próprias fraquezas e limitações, acolher o perdão vindo de Deus, que salva, que resgata, que nos introduz numa vida nova.
       Um dos elementos fundamentais que Jesus traz é precisamente o perdão dos pecados. É um "privilégio" de Deus, mas um "privilégio instrumental", a favor de todo o povo, da humanidade inteira, livrar do pecado, do mal, dando-nos uma nova oportunidade, de vivermos em Deus e a partir d'Ele, numa vida em abundância.
       É o que sucede também com o povo de Israel, antecipando o tempo de Jesus Cristo e do Seu Corpo que é a Igreja. Ao povo é dada uma nova oportunidade, uma nova vida, não em atenção aos méritos, mas ao sim de Deus, à Sua misericórdia e benevolência. Deus esquece, perdoa os desvios e os pecados, reintroduzindo uma nova dimensão, a vida nova que se adquire pelo perdão: "Eis o que diz o Senhor: «Não vos lembreis mais dos acontecimentos passados, não presteis atenção às coisas antigas. Eu vou realizar uma coisa nova, que já começa a aparecer; não o vedes? Vou abrir um caminho no deserto, fazer brotar rios na terra árida. O povo que formei para Mim proclamará os meus louvores... Sou Eu, sou Eu que, em atenção a Mim, tenho de apagar as tuas transgressões e não mais recordar as tuas faltas".
       Em Deus um sim permanente. Procuremos que a nossa vida seja um sim a Deus, efetivando-se no nosso sim aos outros.

Textos para a Eucaristia (ano B): Is 43,18-19.21-22.24b-25; 2 Cor 1,18-22; Mc 2,1-12.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Somos uns para os outros...

       Alimentamo-nos uns dos outros. Somos uns para os outros, na escuta e na palavra, no silêncio e no riso, no dom e no afeto, um alimento necessário, pois é da vida (e da vida partilhada) que a nossas vida se alimentam.

Pe. José Tolentino de Mendonça, Pai-nosso que estais na terra.

A fé sem obras está completamente morta

       Encontramos hoje na Epístola de São Tiago a mensagem fundamental pela qual é mais vezes citada: a relação entre fé e obras. Obviamente que o ponto de partida e de chegada é a fé, é a fé que nos abre a mente, o coração, a vida, para Deus, e faz com que a nossa existência tenha um sentido de plenitude, o que nos levará ao compromisso. No entanto, se a fé for autêntica leva-nos a imitar Aquele que é o centro da nossa fé, Jesus Cristo. Se olharmos para o Mestre dos Mestres, veremos que a Sua vida e missão se fazem de palavras, revestidas de carne, de gestos, de curas, de perdão, de compreensão, de acolhimento das pessoas mais fragilizadas.


Mas vale a pena ler com atenção o próprio texto e meditar na sua mensagem:

        De que serve a alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Poderá essa fé obter-lhe a salvação? Se um irmão ou uma irmã não tiverem que vestir e lhes faltar o alimento de cada dia, e um de vós lhe disser: «Ide em paz; aquecei-vos bem e saciai-vos», sem lhes dar o necessário para o corpo, de que lhes servem as vossas palavras? Assim também a fé sem obras está completamente morta. Mas dirá alguém: «Tu tens a fé e eu tenho as obras». Mostra-me a tua fé sem obras, que eu, pelas obras, te mostrarei a minha fé. Acreditas que há um só Deus? Muito bem! Os demónios também acreditam, mas tremem! Queres saber, homem insensato, como a fé sem obras não vale nada? Não foi Abraão, nosso pai, justificado pelas obras, quando ofereceu o seu filho Isaac no altar? Repara que a fé cooperava com as obras e que pelas obras a sua fé se tornou perfeita. Assim se cumpriu a Escritura, que diz: «Abraão acreditou em Deus e isto foi-lhe atribuído como justiça»; e Abraão foi chamado «amigo de Deus». Como vedes, o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé. Porque assim como o corpo sem alma está morto, também a fé sem obras está morta (Tg 2, 14-24.26).

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Só o excesso de Amor permite compreender o perdão

       Perante as marcas do desamor em nós, os arranhões da ofensa, as ruturas do sofrimento, só o excesso de amor (e o perdão é isso, um excesso de amor) pode restabelecer a unidade da imagem e semelhança de Deus em nós. Só o excesso de Amor permite compreender o perdão. Este perdão imprevisível, este perdão sem condições nem medida, este perdão capaz de nos fazer levantar.

Pe. José Tolentino de Mendonça, Pai-nosso que estais na terra.

A fé em Jesus Cristo não deve admitir aceção de pessoas

       Mais um pedaço da Epístola de São Tiago que vale a pena ler e mastigar, sem grandes comentários, pois as suas palavras são claríssimas, colocando-nos na imitação de Jesus Cristo:
       A fé em Nosso Senhor Jesus Cristo não deve admitir acepção de pessoas. Pode acontecer que na vossa assembleia entre um homem bem vestido e com anéis de ouro e entre também um pobre e mal vestido. Talvez olheis para o homem bem vestido e lhe digais: «Tu, senta-te aqui em bom lugar»; e ao pobre: «Tu, fica aí de pé»; ou então: «Senta-te aí, abaixo do estrado dos meus pés». Não estareis a estabelecer distinções entre vós e a tornar-vos juízes com maus critérios? Escutai, meus caríssimos irmãos: Não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu àqueles que O amam? Vós, porém, desprezais o pobre. Não são os ricos que vos oprimem e arrastam aos tribunais? Não são eles que ultrajam o nome sublime que sobre vós foi invocado? Assim, se cumprirdes a lei régia da Escritura: «Amarás o teu próximo como a ti mesmo», procedeis bem. Mas se fizerdes distinção de pessoas, cometeis pecado, porque a Lei vos acusa como transgressores (Tg 2, 1-9)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Somos consequência de tanta coisa...

       "Porque não somos fruto apenas de duas pessoas: somos consequência de tanta coisa. Somos resultado daquilo que os outros pensam de nós, da maneira como nos olham e nos sentimos olhados, daquilo que os outros esperam e daquilo que ouvimos dizer que é bom... Somos o resultado dos desejos que interiorizamos, do que achamos melhor, ou que nos vai trazer mais oportunidades... Somos resultado de uma extensa soma de fatores que não deixam nunca de estar à nossa volta... Mas há um momento em que é preciso dizer: Eu não quero apenas ser fruto do meu pai (...). Eu agora quero ser gerado pelo «Pai nosso» que Jesus me ensina a rezar"

Pe. José Tolentino de Mendonça, Pai-nosso que estais na terra.

Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes

        Cada qual seja pronto para ouvir, lento para falar e lento para se irar, porque a ira do homem não realiza a justiça de Deus. Por isso, renunciando a toda a imundície e a todos os vestígios de maldade, acolhei docilmente a palavra que em vós foi plantada e pode salvar as vossas almas. Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes, pois seria enganar-vos a vós mesmos. Quem ouve a palavra e não a cumpre é como alguém que observa o seu rosto num espelho e, depois de observar a própria fisionomia, vai-se embora e logo se esquece como era. Mas aquele que se aplica atentamente a considerar a lei perfeita, que é a lei da liberdade, e nela persevera, sem ser um ouvinte que se esquece, mas que efectivamente a cumpre, esse encontrará a felicidade no seu modo de viver. Se alguém se considera religioso e não refreia a própria língua engana-se a si mesmo e a sua religião é vã. A religião pura e sem mancha, aos olhos de Deus, nosso Pai, consiste em visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e conservar-se limpo do contágio do mundo (Tg 1, 19-27).
        Iniciámos ontem a leitura da Epístola de São Tiago. É um texto extraordinário. Simples. Concreto. explícito. Fé e obras. A fé como ponto de partida e de chegado, como motivo permanente, mas esclarecida, amadurecida e testemunhada pelas obras - mostra-me a tua fé sem obras que eu pelas obras te mostrarei a minha fé... a fé sem obras é morta.
       Em concreto, hoje, o Apóstolo convida a escutar a palavra de Deus - ser ouvintes da Palavra -, mas não apenas ouvintes, também cumpridores. Pouco adianta ouvir e logo esquecer, mirar-se ao espelho e logo esquecer o rosto. Ouvir e refletir. Lento para falar e para se irar. A religião enquanto tal não é pura abstração, é compromisso. Deus que podemos encontrar e descobrir nos outros. A Palavra de Deus fala nos órfãos e nas viúvas, em todos aqueles e aquelas que passam por tribulações e que podemos e devemos auxiliar.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Vejo um Ramo de Amendoeira...

É este o brasão de D. António José da Rocha Couto, Bispo de Lamego.


       Predomina o verde, com besante de ouro no ponto de honra, carregado de uma flor de amendoeira, à cor branca natural. Filactéria inferior de prata, debruada a verde com a legenda em vermelho: Vejo um ramo de amendoeira.
       O ornato superior feito com a cruz a rematar a elipse e o chapéu preto de seda de copa redonda e abas direitas, forrado de ver, com cordões de seis nós de cada lado.
       As armas procuravam mostrar a nobreza e a ascendência de quem as possuía. Aqui trata-se sobretudo de um programa de vida e um grito de esperança.
       O verde exprime a esperança, dirigida aos humildes e oprimidos, num mundo muito instável, em que os mais débeis são os mais sacrificados e/ou esquecidos.
       O besante de ouro, cuja simbologia aponta para a fidelidade ao rei até à morte, aqui fidelidade a Deus e ao seu povo.
       O círculo central pode ainda ser interpretado como referência à divindade, mas também ao cosmos e ao mundo.
       A flor de amendoeira exprime esperança, mesmo em situações adversas e desfavoráveis. Em pleno inverno, brota a flor de amendoeira, num misto de cor, alegria e festa.

A expressão é do profeta Jeremias (1, 11-12):
       "Depois foi-me dirigida a palavra do Senhor nestes termos: «Que vês, Jeremias?» E eu respondi: «Vejo um ramo de amendoeira». «Viste bem - disse o Senhor - porque Eu vigiarei sobre a minha palavra para a fazer cumprir»".

Da homilia de D. António Couto, na tomada de posse, no passado dia 29 de janeiro, na Sé Catedral de Lamego:
       Numa página sublime do Livro dos Números (17,17-26), Deus ordena a Moisés que recolha as varas de comando dos chefes das doze tribos de Israel, para, de entre eles, escolher um que exerça o sacerdócio em Israel. Em cada vara foi escrito o nome da respectiva tribo. Por ordem de Deus, o nome de Levi foi substituído pelo de Aarão. As doze varas foram colocadas, ao entardecer, na presença de Deus, na Tenda do Encontro. Na manhã seguinte, todos puderam ver que da vara de Aarão tinham desabrochado folhas verdes, flores em botão, flores abertas e frutos maduros (Números 17,23). Dos frutos é dito o nome: amêndoas! Vara de amendoeira em flor e fruto, que, por ordem de Deus, ficará para sempre na sua presença, diante do Propiciatório (cf. Hebreus 9,4), entre Deus e o povo, para impedir que o pecado do povo chegue a Deus, e para facilitar que o perdão de Deus chegue ao povo. Já ninguém estranhará agora que o candelabro (menôrah) que, noite e dia,/ ardia/ na presença de Deus, estivesse ornamentado com flores de amendoeira (Êxodo 25,31-35; 37,20-22). E também já ninguém estranhará que a tradição judaica tardia refira que a vara do Messias havia de ser de madeira… de amendoeira.
       Aí estão as coordenadas exactas do lugar do sacerdote e do bispo: entre Deus e o povo. Mais concretamente: pertinho de Deus, mas de um Deus que faz carícias ao seu povo, um Deus que ama e que perdoa; pertinho do povo, o suficiente para lhe entregar esta carícia de Deus.
 (O Báculo tem desenhadas as flores de amendoeira)

Frei Isidoro Barreira (+ 1634), fala desta como a árvore vigilante, cujo fruto é símbolo da vida de Cristo:

       «A amendoeira é a árvore que na Sagrada Escritura se acha muitas vezes referida, encobrindo mistérios profundos, como ela sabe encobrir seu fruto e ser misteriosa nele. Assim o ter Jeremias aquela visão da vara vigilante, que outra versão diz que foi amendoeira, coisa então lhe deu muito em que cuidar (...) porque esta árvore não somente apregoa fertilidade em mostrar flores, tanto na manhã da primavera, mas também em prognosticar fartura de pão, que esse ano se há de seguir; porque escrevem os naturais que, quando virmos as amendoeiras carregadas de fruto, depois que lhe cai a flor, é sinal de grande fertilidade, e abundância de pão, que esse ano haverá. (...) A amêndoa antes de ser madura, e prestar para se comer, cresce devagar, e está mais tempo na árvore que os outros frutos, sendo ela a primeira que sai com flores e [a que] ultimamente os recolhe. A sua casca interior é muito dura, e a de fora muito amarga, e enfim o fruto ainda que seja doce, não se chega a comer sem trabalho; o fruto que após a esperança vem, devagar vem, e mais tempo se espera do que se goza. Nunca esse chega sem ânsias e cuidados, porque vencida uma dificuldade, se levanta outra, após um inconveniente se segue outro, após uma tardança, maior tardança. Assim que esse fruto se não colhe sem custar, e sempre custa muito, se se espera muito; muito cansa, se chega devagar... Doce é a amêndoa, mas amarga a casca (...)
       (...) A amêndoa é fruto de muito mistério: na primeira casca amargoso, na segunda resguardado, e fortalecido, e no interior comer suavíssimo, que sustenta e conforta, dando saúde, e vida. A cruz à primeira vista mostra trabalhos, e aflições, após isso já descobre fortaleza, e amparo, que é do género humano; é torre e castelo, e espada com que o Senhor sopeou o mundo, e triunfou dos inimigos: além disso é muito suave, e saboríssima no fruto, que de si dá, como a Igreja canta o louvor da mesma Cruz, chamando-lhe santo lenho, doce Planta que dá tão doce e suave fruto (...) A casca da amêndoa trabalhosa é de quebrar, o fruto fácil de comer. O rigor da Cruz dificultoso é de passar, mas vencido ele, segue-se o gostar doçuras eternas, às quais ninguém chega sem esperanças, que sempre vai fundando na fé, e caridade»

In (D.) José Manuel Cordeiro, O bispo, servidor da esperança. Paulinas 2011

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Festa da Padroeira do Seminário Menor, com D. António

       Num dia em que o vento gelado se fazia sentir com especial intensidade, não faltou o calor humano na festa de Nossa Senhora de Lourdes, Padroeira do Seminário Menor de Resende.
       A este Seminário, onde estudam 17 alunos, que procuram discernir a sua vocação, deslocou-se o Sr. D. António Couto, novo Bispo da Diocese de Lamego, onde chegou quando passavam poucos minutos das 10h00. À sua espera estavam os membros da Equipa Formadora do Seminário (P. António José Ferreira, Vice-Reitor; P. Miguel Peixoto, Formador; P. João Carlos Morgado, Director Espiritual; e P. José Manuel Correia, que ali colabora), seminaristas, quer de Resende, quer do Seminário Maior de Lamego, com os seus familiares, vários sacerdotes, membros da Associação dos Antigos Alunos dos Seminários da Diocese de Lamego, funcionários do Seminários e alguns benfeitores. Também marcou presença o ilustre Presidente da Câmara Municipal de Resende, Dr. António Borges, o Sr. D. Jacinto Botelho, Bispo emérito da Diocese de Lamego e o Sr. D. António José Rafael, Bispo emérito da Diocese de Bragança-Miranda, que, no passado, exerceu o seu ministério sacerdotal como Vice-Reitor do Seminário de Resende.

       A manhã foi preenchida pela saudação de boas vindas do P. António José a todos os presentes. Seguiram-se umas breves palavras de apresentação do Sr. D. António Couto proferidas pelo seu antecessor, Sr. D. Jacinto.
       Tomou, depois, a palavra o Sr. D. António Couto, para falar do tema que anima o ano escolástico no Seminário de Resende: “Aprender com Maria a viver com Jesus”. Depois de saudar os presentes, o Bispo de Lamego propôs aos presentes uma reflexão sobre Maria, usando três imagens, ou ícones: o primeiro ícone, Maria como escutadora da Palavra; o segundo, Maria como olhada amorosamente por Deus; o terceiro, Maria como bem aventurada que vai à frente a abrir novos caminhos. “Ao longo da história, não foram os políticos nem os intelectuais quem abriu caminhos novos: foram os pobres e os santos aqueles que trilharam novos rumos de santidade”, afirmou.
       Em todas as imagens que apresentou, recorrendo a passagens, quer do Antigo, quer do Novo Testamento, o Sr. D. António procurou mostrar como o Seminário pode e deve ser o lugar onde, seguindo o exemplo de Maria, os seminaristas devem aprender a abrir caminhos novos, abrindo-se às pessoas num abraço terno e alegre.
       O ponto alto da celebração ocorreu com a celebração da Eucaristia, presidida pelo Sr. D. António e concelebrada pelo Sr. D. Jacinto, pelo Sr. D. António Rafael, pelo Mons. Joaquim Dias Rebelo, Vigário Geral da Diocese e com cerca de duas dezenas de sacerdotes.

       Na homilia, o Sr. D. António, no comentário às leituras do dia, referindo-se a Maria como aquela que guardava todas as palavras, compondo-as no seu coração. “Mulher bela, entretida com a Música divina, ela soube ouvir para depois espalhar essa melodia divina nos caminhos que percorreu”, afirmou o Prelado lamecense.
       Seguiu-se o almoço para todos os presentes, o qual foi o prelúdio da tarde de convívio que fechou a festa da padroeira do Seminário de Resende.

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 Diocese de Lamego – Gabinete de Imprensa

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Dia Mundial do Doente - Oração a Maria

Oração a Nossa Senhora, Saúde dos Enfermos
Ó Virgem Santa Maria, Saúde dos Enfermos
que acompanhaste Jesus ao longo da vida
desde o nascimento em Belém
à vida oculta em Nazaré
desde o começo da pregação do Reino em Cafarnaúm
e ao cuidado com os mais pobres e que mais sofrem
nos caminhos da Galileia e da Judeia
até ao momento do grande sacrifício, no Calvário,
Ó Virgem Santa Maria, consoladora dos aflitos
que permaneceste junto à Cruz do teu Filho
participando intimamente nas suas dores
Ó Virgem Santa Maria, Mãe de Jesus
e mãe de todos os homens e mulheres
acolhe os nossos sofrimentos e une-os ao de Jesus
para que as sementes da esperança
espalhada no mundo pela fé e pelo amor
continuem a produzir frutos abundantes
na vida de todos os doentes.
Mãe de misericórdia, com a maior fé nos volvemos para ti,
Senhora consegue-nos do teu Filho Jesus
que rapidamente possamos voltar,
plenamente restabelecidos,
às nossas ocupações
para sermos úteis aos outros com o nosso trabalho.
Entretanto, fica ao pé de nós neste momento de sofrimento
e ajuda-nos a repetir, cada dia,
contigo o nosso "sim"
sabendo que Deus sabe tirar do mal, um bem sempre maior.

Virgem lmaculada,
faz que a nossa oração no mundo da dor e da angústia
se transformem para nós e para os que mais amamos
na expressão mais bela da vida cristã
para que, na contemplação do Rosto de Cristo Ressuscitado,
encontremos a abundância da misericórdia de Deus
e a alegria de uma comunicação,
cheia de amor, com os nossos irmãos
antevisão da alegria sem fim que todos teremos no Céu. Amem!

Oração recolhida a partir de uma oração de João Paulo II no Jubileu 2000
Veja alguns textos e histórias recolhidos neste blogue:

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Amor: sinfonia silenciosa da vida...

       "... tudo vai passar... exceto o amor, a caridade. Então, que esse amor seja colocado como programa, prioridade, urgência. Um amor que nos chama a amar, não pelo nosso coração, mas pelo coração de Deus. Quando a nossa vontade se abre à vontade de Deus, o amor torna-se a sinfonia silenciosa da vida, a sua exalação humilde e profusa, o seu perfume. Mesmo sabendo que o amor verdadeiro é crucificante. Amando, não vamos amontoar, certamente ficaremos mais pobres, ficaremos mais velhos mais cedo, gastamo-nos e perdemo-nos. A medida do amor é dar-se sem medida. É um contrassenso pensar que o amor tem horário, um turno, um guiché. Quem amam vive na atenção solícita, tem antenas, sensores, olhos que não se habituam nem se conformam ao desamor".

Pe. José Tolentino de Mendonça, Pai-nosso que estais na terra.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Pai-nosso invisível que estás nos céus

Pai nosso invisível que estás nos céus,
seja santificado em nós o Teu Nome,
porque no Teu Espírito Santo,
Tu próprio nos santificaste.

Venha a nós o Teu reino
reino prometido a quantos amam Teu amor.
Tua força e benevolência repousem sobre teus servos
aqui em mistério e lá na Tua misericórdia.

Da mesa que não se esgota
 dá alimento à nossa indigência
e concede-nos a remissão das culpas
Tu que conheces a nossa debilidade.

Nós te pedimos:
salva aquilo que criaste
e livra-o do maligno que busca o que devorar.
A ti pertencem o reino, o poder e a glória, ó Senhor.

Não prives da tua bondade os teus santos.

Pai-nosso do Breviário Caldeu, adaptado por
Pe. José Tolentino de Mendonça, Pai-nosso que estais na terra.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Quando acaba a noite...

        Um Sábio fez um dia aos seus alunos a seguinte pergunta:
       - Como é que se pode reconhecer o momento exato em que acaba a noite e começa o dia.
       Um deles respondeu:
       - Talvez quando já não se consegue distinguir um cão de uma ovelha.
       - Não.
       Um outro disse:
       - Quando se distingue um figueira de uma oliveira.
       - Também não.
       Seguiram-se outras respostas e o velho Sábio ia respondendo que não. Foi então que eles pediram:
       - Diga-nos então quando é que se pode reconhecer o momento exato em que acaba a noite e começa o dia.
       Ele respondeu:
       - É quando tu, ao olhares para o rosto de uma pessoa qualquer, reconheces nela um irmão ou uma irmã. Antes de chegares a esse ponto, é ainda noite no teu coração.

In revista Juvenil, n.º 552, fevereiro 2012.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Pedir a Deus que o nosso pão una e aproxime

       Jesus ensina-nos a pedir a Deus, a pedir ao Pai, que o pão não seja apenas pão, pura materialidade, mas que o nosso pão fale, seja uma espécie de sacramento, seja expressão de tudo aquilo que no fundo, procuramos e que o Senhor nos vai dando, também em termos espirituais. Temos de pedir a Deus que o nosso pão reúna e não separe. Que o nosso pão seja verdadeiramente «Pão»: lugar onde as pessoas se sentam à volta e não o que acontece tantas vezes, quando o pão se torna aquilo que distingue e afasta. Pedir a Deus que o nosso pão celebre, evidencie a gratidão por Deus e o nosso Amor pelos outros.
       ...O pão da solidão não tem metade do sabor, ou um centésimo da alegria. Nós pedimos a Deus o nosso pão, o pão de todos, o pão para todos.

Pe. José Tolentino de Mendonça, Pai-nosso que estais na terra.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Ser livre é ter tempo para amar...

"A pior prisão não é a que aprisiona o corpo,
mas a que asfixia a mente e subjuga as emoções.
Sem liberdade, as mulheres retraem o seu prazer, os homens tornam-se máquinas de trabalhar.
Ser livre é não ser servo das culpas do passado,
nem escravo das preocupações do amanhã.
Ser livre é ter tempo para as coisas que se ama,
é abraçar, dar-se, sonhar, recomeçar.
É desenvolver a arte de pensar e proteger as emoções.
Mas acima de tudo... ser livre é ter uma relação de amor com a própria vida"

Augusto Cury, Liberte-se da prisão das emoções, Dom Quixote: 2009.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Tributo da Arquidiocese de Braga a D. António Couto

Luz no sofrimento...

Essa mesma dor, como muitas vezes aprendemos, pode ser, contudo, um sinal de que a vida ainda está em nós, que não se quer deixar eliminar, lutando contras as adversidades, chamando-nos para essa luta 
        O cardeal-patriarca de Lisboa falava, recentemente, num “paradoxo” na relação entre o catolicismo e a dor humana, afirmando que a Igreja, por um lado, procura mitigar esse sofrimento e, por outro, dá-lhe um sentido sublime e transcendente.
       A aproximação do Dia Mundial do Doente recupera, anualmente, a reflexão e também a celebração sobre essa (apenas) aparente contradição: o crente não pode ignorar o sofrimento do outro, no qual reconhece o seu rosto e a face de Deus, ainda que tudo faça para o evitar. A história ensina-nos que a dor é uma marca constante do ser em humanidade. Não se pode fugir dela, mas também não é lícito permanecer impassível, como se não fosse possível ajudar quem sofre.
       O que muitos podem ver como fuga à realidade, na referência ao transcendente, é, por parte da doutrina católica, a resposta mais sincera que pode oferecer sobre a existência: como captar a beleza do momento que passa sem ser com a alma aberta ao infinito, mesmo (sobretudo) nos momentos mais duros?
       Já uma vez, neste espaço, escrevi sobre o que custa acreditar que o sofrimento tenha um qualquer objetivo purificador, que a vida tenha um propósito para lá deste ‘sem-sentido’ em que a natureza nos reduz a uma terrível insignificância, na sua arbitrariedade.
       O sofrimento, a doença que atinge sem olhar a quem, amplificam esse sentimento, até porque, talvez por uma questão cultural, vemos a dor como um castigo, uma perda do estado original de perfeição. Essa mesma dor, como muitas vezes aprendemos, pode ser, contudo, um sinal de que a vida ainda está em nós, que não se quer deixar eliminar, lutando contra as adversidades, chamando-nos para essa luta - e não nos largando enquanto não a ouvirmos...
       Muitos, perto ou longe de nós, vivem como se a dor não tivesse fim, como estivesse à espera de uma qualquer brecha para se fazer sentir. Acredito, como diz Leonard Cohen, que há mesmo uma fenda em tudo e que é assim que a luz entra. A fé católica e o seu ensinamento sobre o sofrimento podem ser, para muitos, essa mesma luz.

Octávio Carmo, Editorial Agência Ecclesia.