segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Nota sobre o livro "O último segredo"

Primeira nota:
       Ainda não li o livro, mas a entrevista de José Rodrigues dos Santos à revista Sábado. Permite concluir desde logo que é mais um romance oportunista, querendo tornar dogmático o que são suposições já muito exploradas - apresenta alguns dados como sendo novos e escondidos pela Igreja, quando são estudados há decénios, e alguns, há séculos. Tratando-se de uma obra ficcionada nada a opor. Mas quando se faz querer que a teologia e a Igreja vivem na mentira e o José  Rodrigues dos Santos é a verdade descoberta e definitiva, no mínimo é presunção. Tantos estudiosos, historiadores, teólogos, e outros, cujas descobertas e/ou reflexões não têm nem valor nem credibilidade porque há ou pode haver outras interpretações!
       Pelo que li, o romance não traz, para a história, nada de novo. A filiação de Jesus, a sua família, os evangelhos gnósticos, a figura ímpar de Maria Madalena, são temas amplamente discutidos. Diga-se a propósito e como exemplo: Maria Madalena, popularmente continua a dizer-se que era uma prostituta ou a mulher apanhada em adultério; o filme de Mel Gibson assume esta versão; na Igreja contudo ninguém ensina semelhante inverdade. Maria Madalena era uma mulher bastante doente que Jesus curou e depois disso tornou-se uma das benfeitores de Jesus e dos seus discípulos. Alguns Padres da Igreja fizeram confusão entre Maria Madalena e outras mulheres de quem não nos chega o nome - talvez para não serem expostas. Muitas vezes, incluindo José Saramago, é apresentada como pessoa íntima de Jesus. Bom, por ser suspeita vale mais dos que os testemunhos do Evangelho? Ou do que os estudos teológicos?
        Também poderia abordar, não sei se aparecerá no romance, que Jesus nasceu 7 anos antes da era cristã... que morreu pelo ano 30, mas com 37 anos... qualquer estudante de teologia sabe isso... que Judas poderia ter sido o discípulo predilecto de Jesus... que a expulsão dos sete demónios de Maria Madalena poderá significar que tinha muitas doenças, ou uma doença muito grave... veja-se que o sete é muito simbólico... poderia também referir que afinal em Belém, Jesus nasce numa gruta ou num estábulo por generosidade de São José, que teria aí uma casa, e a gravidez de Maria, o terá levado a disponibilizar a casa para os que se deslocavam para o recenseamento. Se Maria ocupasse a casa, todos na casa ficariam contaminados (era assim a lei judaica), com o parto. Então, a opção terá sido o "estábulo", a parte debaixo da casa, onde se resguardaram... e tantas outras coisas sobre as quais há hoje uma luz diferente, mas que no essencial e para os crentes não são obstáculo, mas a constatação que a Sagrada Escritura tem um contexto espacio-temporal, situada na história, redigida por homens, em palavras humanas...

       Mais uma nota introdutória:
       Li romances anteriores de José Rodrigues dos Santos (que vale a pena ler). Nada a opor ao romancista... como li várias obras de José Saramago (a escrita sobre Jesus Cristo é mais uma tentativa de mostrar factos novos, mas nada do que li para mim foi novo, tinha estudado no seminário, mas foi um bom negócio "literário", como também Caim)... como li Dan Brown, O Código Da Vinci (facilmente o que nos é apresentado como a última verdade, factual, se verifica que mesmo nos dados históricos e nas referências aos monumentos há muitos erros e alguns de palmatória... depois disso, as suas publicações, aproveitando o sucesso, versaram sobre as mesmas suposições, mas ficaram por isso mesmo, para mim, desinteressante...)
       Se pesquisarem na NET vão encontrar muitos "últimos segredos"... de qualquer coisa, mas a maioria versa sobre religião... continua a vender bem!
       BENTO XVI, na obra de Jesus de Nazaré, aborda muitos dos temas polémicos, mas vai além do método crítico-histórico. Vale a pena ler a obra, onde se pode verificar claramente que a Igreja e os seus maiores "teólogos" não fogem às questões colocadas nas insinuações, na história, nas tradições paralelas, nos grupos sectários que se afastaram da Igreja...

      
NOTA DO SECRETARIADO NACIONAL DA PASTORAL DA CULTURA:

       O romance de José Rodrigues dos Santos, intitulado “O último segredo”, é formalmente uma obra literária. Nesse sentido, a discussão sobre a sua qualidade literária cabe à crítica especializada e aos leitores. Mas como este romance do autor tem a pretensão de entrar, com um tom de intolerância desabrida, numa outra área, a história da formação da Bíblia por um lado, e a fiabilidade das verdades de Fé em que os católicos acreditam por outro, pensamos que pode ser útil aos leitores exigentes (sejam eles crentes ou não) esclarecer alguns pontos de arbitrariedade em que o dito romance incorre.

       1. Em relação à formação da Bíblia e ao debate em torno aos manuscritos, José Rodrigues dos Santos propõe-se, com grande estrondo, arrombar uma porta que há muito está aberta. A questão não se coloca apenas com a Bíblia, mas genericamente com toda a Literatura Antiga: não tendo sido conservados os manuscritos que saíram das mãos dos autores torna-se necessário partir da avaliação das diversas cópias e versões posteriores para reconstruir aquilo que se crê estar mais próximo do texto original. Este problema coloca-se tanto para o Livro do Profeta Isaías, por exemplo, como para os poemas de Homero ou os Diálogos de Platão. Ora, como é que se faz o confronto dos diversos manuscritos e como se decide perante as diferenças que eles apresentam entre si? Há uma ciência que se chama Crítica Textual (Critica Textus, na designação latina) que avalia a fiabilidade dos manuscritos e estabelece os critérios objetivos que nos devem levar a preferir uma variante a outra. A Crítica Textual faz mais ainda: cria as chamadas “edições críticas”, isto é, a apresentação do texto reconstruído, mas com a indicação de todas as variantes existentes e a justificação para se ter escolhido uma em lugar de outra. O grau de certeza em relação às escolhas é diversificado e as próprias dúvidas vêm também assinaladas.
       Tanto do texto bíblico do Antigo como do Novo Testamento há extraordinárias edições críticas, elaboradas de forma rigorosíssima do ponto de vista científico, e é sobre essas edições que o trabalho da hermenêutica bíblica se constrói. É impensável, por exemplo, para qualquer estudioso da Bíblia atrever-se a falar dela, como José Rodrigues dos Santos o faz, recorrendo a uma simples tradução. A quantidade de incorreções produzidas em apenas três linhas, que o autor dedica a falar da tradução que usa, são esclarecedoras quanto à indigência do seu estado de arte. Confunde datas e factos, promete o que não tem, fala do que não sabe.

       2. Chesterton dizia, com o seu notável humor, que o problema de quem faz da descrença profissão não é deixar de acreditar em alguma coisa, mas passar a acreditar em demasiadas. Poderíamos dizer que é esse o caso do romance de José Rodrigues dos Santos. A nota a garantir que tudo é verdade, colocada estrategicamente à entrada do livro, seria já suficientemente elucidativa. De igual modo, o apontamento final do seu romance, onde arvora o método histórico-crítico como a única chave legítima e verdadeira para entender o texto bíblico. A validade do método de análise histórico-crítica da Bíblia é amplamente reconhecida pela Igreja Católica, como se pode ver no fundamental documento “A interpretação da Bíblia na Igreja Católica” (de 1993). Aí se recomenda o seguinte: «os exegetas católicos devem levar em séria consideração o caráter histórico da revelação bíblica. Pois os dois Testamentos exprimem em palavras humanas, que levam a marca do seu tempo, a revelação histórica que Deus fez… Consequentemente, os exegetas devem servir-se do método histórico-crítico». Mas o método histórico-crítico é insuficiente, como aliás todos os métodos, chamados a operar em complementaridade. Isso ficou dito, no século XX, por pensadores da dimensão de Paul Ricoeur ou Gadamer. José Rodrigues dos Santos parece não saber o que é um teólogo, e dir-se-ia mesmo que desconhece a natureza hipotética (e nesse sentido científica) do trabalho teológico. O positivismo serôdio que levanta como bandeira fá-lo, por exemplo, chamar “historiadores” aos teólogos que pretende promover, e apelide apressadamente de “obras apologéticas” as que o contrariam.

       3. A nota final de José Rodrigues dos Santos esconde, porém, a chave do seu caso. Nela aparecem (mal) citados uma série de teólogos, mas o mais abundantemente referido, e o que efetivamente conta, é Bart D. Ehrman. Rodrigues dos Santos faz de Bart D.Ehrman o seu teleponto, a sua revelação. Comparar o seu “Misquoting Jesus. The Story Behind who Changed the Bible and Why” com o “O Último segredo” é tarefa com resultados tão previsíveis que chega a ser deprimente. Ehrman é um dos coordenadores do Departamento de Estudos da Religião, da Universidade da Carolina do Norte, e um investigador de erudição inegável. Contudo, nos últimos anos, tem orientado as suas publicações a partir de uma tese radical, claramente ideológica, longe de ser reconhecida credível. Ehrman reduz o cristianismo das origens a uma imensa batalha pelo poder, que acaba por ser tomado, como seria de esperar, pela tendência mais forte e intolerante. E em nome desse combate pelo poder vale tudo: manobras políticas intermináveis, perseguições, fabricação de textos falsos… Essa luta é transportada para o interior do texto bíblico que, no dizer de Ehrman, está texto repleto de manipulações. O que os seus pares universitários perguntam a Ehrman, com perplexidade, é em que fontes textuais ele assenta as hipóteses extremadas que defende.

       4. Resumindo: é lamentável que José Rodrigues dos Santos interrogue (e se interrogue) tão pouco. É lamentável que escreva centenas de páginas sobre um assunto tão complexo sem fazer ideia do que fala. O resultado é bastante penoso e desinteressante, como só podia ser: uma imitação requentada, superficial e maçuda. O que a verdadeira literatura faz é agredir a imitação para repropor a inteligência. O que José Rodrigues dos Santos faz é agredir a inteligência para que triunfe o pastiche. E assim vamos.

1 comentário:

  1. Por Que o Ateu É Ateu

    1. Deus. Para um ateu Deus é um conceito. A suposta Divindade não é um ser real, mas apenas ideal, já que só existe no plano das ideias. As divindades foram criadas pelo homem desde o primeiro momento em que adquirimos consciência de nossos tormentos: a morte, os perigos, nossas angústias, etc. A partir daquele instante precisamos de uma Proteção e buscamos uma Divindade que nos resguardasse. Nossos primeiros protetores eram os fetiches, totens, xamãs, etc, etc. Depois essas entidades foram se transformando em deuses e finalmente no Deus único. (Algumas sociedades ainda mantêm o politeísmo)
    2. Os Livros Sagrados. Os livros santos de todos os credos são fábulas mitológicas, são narrações que foram sendo recontadas, recriadas, expurgadas, adicionadas, reinterpretadas durante milênios. Primeiro de forma oral, depois escritos. Eram textos sobre pedras, madeira, folhas, couros ou peles, numa linguagem precária, sempre variando conforme aquela regra: Quem conta um conto lhe acrescenta um ponto.
    3. As Religiões. As religiões são superstições mais elaboradas. Mais elaboradas porque no decorrer de sua formação elas foram criando seus livros, sua literatura, doutrina, teologia, sua própria cultura, o que serviu para o estabelecimento de sua respeitabilidade. As crenças, alicerçadas sobretudo no autoengano e nos medos, mantiveram-se por toda a história da humanidade graças aos costumes, tradições, doutrinação, educação e conveniências de poder. Seus dogmas então estabelecidos levaram a muitos morticínios, dezenas de milhões morreram em seus conflitos, desde as guerras mais antigas, como também nas Cruzadas, na Guerra dos Trinta Anos, na Inquisição, na Noite de São Bartolomeu, nas guerras papais e em outros milhares de lutas religiosas, maiores ou menores. (Os conflitos entre shiitas e sunitas há séculos matam milhares a cada ano).
    4. Jesus Cristo. Se um homem chamado Jesus Cristo viveu há dois mil anos dizendo e fazendo todas as proezas que lhe atribuem, por que ele só figura nos Evangelhos? Por que ele não aparece na história nem na literatura romana, grega, judaica ou outra da mesma época? Não seria ele um personagem imaginado pelos muitos místicos daquele tempo, conforme muitos afirmam? Ademais, todas as narrativas sobre esse Homem-Deus têm todas as características das mitologias.
    5. O Universo. Por que existe o Ser ao invés do Nada? Se o Ser não pode ser criado do Nada; se o Nada não existe; se qualquer nicho do Universo está repleto de partículas; se cada partícula está permanentemente em movimento; então o Universo, de alguma forma, sempre existiu por sua própria contingência imanente.
    6. As Provas de Deus. As supostas provas de Deus não vão além de alegações, todas elas refutadas.
    7. A Moral. Os religiosos costumam evocar Deus como fonte da moral, o fundamento da ética. Mas este argumento torna-se inconsistente se confrontado com os inumeráveis horrores praticados pelo homem por inspiração dos livros santos e de seu Deus. E os mandamentos divinos são tão contraditórios que os próprios crentes são obrigados a selecionar quais devem prevalecer ou que interpretações devem ter. Já a ética é um imperativo decorrente da própria necessidade da convivência humana.
    8. A Vida. Só estamos aqui porque o arranjo cosmológico aleatoriamente estabelecido permitiu que na Terra moléculas pré-biológicas se tornassem biológicas, e evoluíram.

    ResponderEliminar